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O perverso sistema previdenciário do Chile

Linha fina
Ditadura de Pinochet obrigou trabalhadores a migrarem para estrutura privatizada, que mais de 30 anos depois revela fracasso ao pagar pensões que equivalem a US$ 200; sindicatos exigem mudanças
Imagem Destaque

Os chilenos foram enganados e estão sendo lesados. É o que denuncia Luis Mesina, da Confederação Nacional dos Trabalhadores Bancários do Chile. Em 1981, em plena ditadura do general Augusto Pinochet, foi implantado o atual sistema de previdência privada, que obriga todos os trabalhadores a destinar mensalmente 10% de seu salário em uma conta de capitalização individual. E sem nenhum aporte patronal.

O argumento utilizado na época, para convencer que o novo regime de previdência beneficiaria os trabalhadores, foi de que, ao término da vida laboral, os pensionistas receberiam ao redor de 80% do equivalente à sua remuneração ao longo da vida ativa.

Entretanto, 34 anos depois, os valores das pensões, em média, não excedem 140 mil pesos chilenos (cerca de R$ 784), e 60% delas são subsidiadas pelo Estado.

A partir de 1981, quem ingressava no mercado de trabalho já aderia automaticamente ao novo regime. Aqueles com contratos já existentes foram obrigados por seus empregadores a migrar. Para isso, os patrões se valeram inclusive de demissões em massa a fim de recontratar a força de trabalho sob as novas regras.

Ditadura brutal

Os trabalhadores passaram ainda a contribuir de forma compulsória para os fundos privados que administram as pensões, denominados Administradoras de Fondos de Pensiones (AFP). No começo, essa contribuição representava 4% do salário, mas depois de mobilizações populares baixou para 1,54%. Essa alíquota é cobrada mesmo se houver perdas nos fundos de pensões.

“O que é certo é que a AFP não teria sido instalada no Chile se o país não vivesse sob uma ditadura brutal, que eliminou a oposição, desintegrou as organizações sindicais e sociais e instalou o medo na sociedade”, afirma Luis Mesina.

Atualmente, cerca de 10 milhões de trabalhadores pertencem à AFP. Desses, quase a metade não está contribuindo porque não possui empregos formais ou têm trabalhos temporários. Ou ainda porque os empregadores retêm suas contribuições, não depositando na AFP, denuncia Mesina.  “Ou seja, cerca de 50% dos afiliados não contribuem, sendo sérios candidatos a dependerem de uma pensão assistencial do Estado”, reforça o dirigente.

Militares

Mas em contraste a essa realidade, os funcionários das Forças Armadas que foram mantidos no antigo sistema recebem pensões 10 vezes mais altas do que os aposentados que integram o novo regime. O mesmo se aplica aos poucos trabalhadores que permaneceram no antigo sistema (INP), e recebem pensões quatro vezes mais altas do que os das AFPs.

“Uma coisa importante a se notar é que no Chile, mais de 70% dos trabalhadores ganham menos de 350 mil pesos chilenos (R$ 1.960) por mês, e com essa renda, ainda que trabalhando 40 anos sem interrupção, a poupança dessa parcela será insuficiente para uma pensão digna”, salienta Messina.

Urgência

A partir de 2012, um movimento para acabar com a AFP e recuperar um sistema seguridade social partiu do movimento sindical, principalmente, da Confederação de Bancos e Sindicatos, além de algumas entidades ligadas à saúde. Diante das pressões e do evidente fraco desempenho da AFP, os líderes chilenos começaram a discutir uma reforma profunda no sistema.

Luis Mesina destaca que os fundos de trabalhadores no Chile sofreram pesadas perdas durante a crise de 2008 e foram diretamente afetados por escândalos de corrupção internos. “É por isso que a organização dos trabalhadores que se opõem à AFP está crescendo rapidamente em todo o país, formando coordenadorias regionais e provinciais do movimento NO + AFP. Reflexo desse movimento foi a marcha, em 29 de agosto, pela principal avenida de Santiago, reunindo cerca de 10 mil pessoas. Homens, mulheres, jovens, idosos e crianças gritando: NO + AFP [Não Mais AFP]”, afirma o dirigente.

“O sistema de pensões do Chile mostra que a privatização da previdência não é a solução”, afirma a secretária de Finanças do Sindicato, Rita Berlofa, que também é bancária do Santander. “Os bancários brasileiros se solidarizam com essa luta justa e digna dos trabalhadores chilenos”, acrescenta a dirigente.
 
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