São Paulo – OIT, MPF, MPT. Seja lá qual for a sigla, a reação contra a Portaria 1.129 do Ministério do Trabalho do governo Temer foi de total reprovação. Na prática, a norma 'libera' o trabalho escravo ao alterar sua conceituação e mudar regras para fiscalização e divulgação da lista com o nome de empregadores que praticam o crime, a chamada lista suja.
Também se manifestaram contra, o CNJ, a DPU, e até a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, afirmou, ao se reunir com o ministro do Trabalho, Ronaldo Nogueira, que a portaria é um retrocesso à garantia constitucional de proteção à dignidade da pessoa humana. “A portaria volta a um ponto que a legislação superou há vários anos.”
Segundo a 1.129, publicada no Diário Oficial da União (DOU) de segunda 16, para que a jornada excessiva ou a condição degradante sejam caracterizadas é preciso haver a restrição de liberdade do trabalhador, o que contraria o artigo 149 do Código Penal. O artigo estabelece que o trabalho análogo ao de escravo se caracteriza pela sujeição a condições degradantes, jornadas exaustivas, trabalho forçado e servidão por dívida. O flagrante de qualquer um desses elementos é suficiente para configurar o crime.
A portaria também restringe a divulgação da lista suja. Antes, ela era obrigatoriamente divulgada a cada seis meses com nomes de todos os empregadores infratores flagrados e cujos autos de infração já tivessem esgotado os recursos. Agora caberá ao ministro do Trabalho autorizar a inclusão dos nomes dos infratores e decidir sobre a divulgação.
O MPT (Ministério Público do Trabalho) e o MPF (Ministério Público Federal) expediram na terça 17, juntos, recomendação pela revogação da portaria, classificando-a como "manifestamente ilegal”, porque “contraria frontalmente o que prevê o artigo 149 do Código Penal e as Convenções 29 e 105 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), ao condicionar a caracterização do trabalho escravo contemporâneo à restrição da liberdade de locomoção da vítima”.
As instituições também alegam que as novas regras sobre a publicação da lista suja ferem a “Lei de Acesso à Informação, fragilizando um importante instrumento de transparência dos atos governamentais que contribui significativamente para o combate ao crime”.
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OIT – Na quinta 19, a própria OIT afirmou que a iniciativa do governo Temer ameaça “interromper uma trajetória de sucesso que tornou o Brasil uma referência e um modelo de liderança mundial no combate ao trabalho escravo”.
Braço da Organização das Nações Unidas (ONU), a OIT sustenta que a portaria pode enfraquecer a atuação dos fiscais, já que o cerceamento da liberdade de ir e vir só ficaria patente quando os fiscais flagrassem a presença de seguranças armados limitando a movimentação dos trabalhadores ou a apreensão de documentos dos trabalhadores.
A agência destaca, ainda, o risco de que a mudança na regra impeça o Brasil de alcançar até 2030 os compromissos dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODSs) da ONU relativos à erradicação do trabalho análogo ao de escravo.
CNJ e DPU – Também em nota, o CNJ (Conselho Nacional de Justiça) lembrou que, passados 130 anos da promulgação da Lei Áurea, o trabalho escravo segue como uma realidade no Brasil. A DPU (Defensoria Pública da União) também declarou repúdio: “A violência explícita, de violação da liberdade de ir e vir, é de difícil comprovação, na medida em que não deixa, em muitos casos, vestígios aparentes, dificultando sua identificação e repressão, ao contrário da jornada exaustiva e das condições degradantes, com o que a repressão ao trabalho escravo no Brasil por meio da fiscalização do trabalho, a partir da portaria, restará absolutamente prejudicada”.
Pressão – Fiscais do trabalho de pelo menos 21 estados decidiram na quarta 18 suspender as ações de vigilância até que o Ministério do Trabalho revogue a portaria 1.129. Para a categoria, a norma é uma tentativa de “esvaziamento” das suas atribuições, principalmente ao estabelecer que o auditor fiscal do trabalho deverá anexar ao seu relatório de fiscalização cópia do boletim de ocorrência lavrado pela autoridade policial local que participar da fiscalização. Segundo o presidente do Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais do Trabalho (Sinait), Carlos Fernando da Silva Filho, “vão ser concluídas apenas algumas operações que já estavam em curso ou prestes a ser deflagradas. Todas as demais fiscalizações vão ser paralisadas até que o ministro revogue esta portaria absurda”.