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Chapéu
FAKE NEWS X JORNALISMO

'Bolsonaro faz sua campanha pelo esgoto do WhattsApp'

Linha fina
Para a jornalista Renata Mielli, o discurso de ódio de Bolsonaro, bem como sua campanha que abusa de mentiras resulta nos inúmeros ataques e ameaças aos profissionais da imprensa
Imagem Destaque
Arte: Vitor Teixeira

“Somos um país frágil em experiência democrática. Precisamos lutar até o último minuto para virar esse quadro. Existe uma onda, parte da sociedade começa a perceber a urgência”, afirma a jornalista Renata Mielli, do Fórum Nacional de Democratização da Comunicação (FNDC), sobre os riscos que o candidato da extrema-direita no segundo turno das eleições 2018, Jair Bolsonaro, significa para a liberdade de expressão. Mesmo sem ter nada ganho, ele vem promovendo perseguições contra jornalistas, o que resulta em uma avalanche de ameaças de seus apoiadores mais fanáticos.

Renata argumenta que, cada vez mais, a sociedade percebe os perigos representados pela candidatura Bolsonaro, o que é demonstrado pela queda nas recentes pesquisas de intenções de voto como o Ibope, na quarta-feira 24, além de Vox Populi e Datafolha, ambas na quinta-feira 25.

Pesam sobre o eleitorado as denúncias de jornalistas que revelaram um esquema criminoso de caixa 2 de Bolsonaro para divulgar em massa mensagens de ódio contra opositores. “Evidenciar a distribuição de mentiras por redes sociais surtiu efeito. Também, apesar de tímidas e tardias, algumas medidas judiciais para retirar de circulação conteúdos falsos e mentirosos ajudaram.”

Com as decisões, diminuiu a circulação de mentiras, mas o próprio candidato vem desrespeitando a decisão judicial. O exemplo maior é a fake news do “kit gay”. Uma mentira amplamente divulgada pela campanha do extremista que, mesmo tendo o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) proibido a sua veiculação, continuou sendo usada pelo candidato. “É por aí. Pelo esgoto do WhatsApp que ele faz sua campanha”, reforça a jornalista e ativista pela democratização da comunicação.

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A divulgação do amplo esquema da campanha de Bolsonaro nas redes sociais, com financiamento de empresas, o que é vedado pela legislação eleitoral, foi feita pela jornalista Patrícia Campos Mello, da Folha de S.Paulo. Desde então, o candidato passou a atacar ferozmente o jornal, tal como Donald Trump fez com a imprensa local em sua campanha nos Estados Unidos em 2016. Já a jornalista vem sofrendo inúmeros ataques e ameaças de diferentes naturezas de partidários da extrema-direita.

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Para Renata, a posição dos seguidores está em sintonia com os discursos de seu político de estimação. “No último domingo, ele disse que vai prender opositores e mandar para fora do país. Isso acendeu o sinal vermelho de muita gente, mesmo quem não é de esquerda, mas é democrático. Espero que consigamos evitar esse caos, esse cenário impensável até poucos anos atrás.”

“É gravíssimo você ter um candidato à presidência que uma semana antes das eleições ameaça um jornal diretamente e de forma explícita, pública, em uma manifestação com seus apoiadores. Isso não tem paralelo na história recente do país. Não é consoante com a democracia. Só um representante de uma visão autoritária que se expressa como Bolsonaro. Seus seguidores se alimentam disso e se sentem autorizados a ameaçar jornalistas”, completou.

Para defender os trabalhadores, diferentes organizações divulgaram hoje um manifesto contra a barbárie. Intitulado Brasil: Jornalistas enfrentam intimidações durante campanha eleitoral, o documento é assinado pela Artigo 19, Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), Comitê para a Proteção dos Jornalistas (CPJ), Conectas Direitos Humanos, Human Rights Watch e Repórteres sem Fronteiras. Eles cobram que os candidatos, tanto Bolsonaro como seu opositor, Fernando Haddad (PT), não podem compactuar com essas ameaças.

A diretora executiva da Conectas, Juana Kweitel, afirma que “as ameaças são inaceitáveis; elas devem ser investigadas e todos os envolvidos devem ser responsabilizados a fim de proteger o jornalismo responsável, investigativo e independente”. Na terça-feira 23, o TSE solicitou a instauração de um inquérito pela Polícia Federal para apurar “indícios de uma ação orquestrada com tentativa de constranger a liberdade de imprensa”.

Seletividade e criminalização

Renata faz uma análise sobre o papel da mídia corporativa neste cenário trágico e acrescenta que o impeachment de Dilma Rousseff (PT), em 2016, contribuiu para a instabilidade das instituições. “Na radiodifusão, que opera um bem público, temos um histórico de que esse espaço sempre foi ocupado, por decisão do Estado, por grupos econômicos que se transformaram em concessionários de rádio e TV. Eles, historicamente, sempre tiveram um posicionamento político muito claro: apostaram e defenderam a desregulamentação do trabalho, a precarização das relações e atacaram direitos.”

“Um traço bastante comum a esse grupo econômico é o discurso da criminalização da política. Da política como algo ruim, algo feito por pessoas inescrupulosas, por ladrões, por uma casta. Sempre houve esse discurso. Antes de 2003, quem fazia oposição aos governos neoliberais era tido como vagabundo, arruaceiro e sempre foi criminalizado. Depois da eleição de Lula, essa abordagem se aprofundou. Não era mais apenas contra movimentos sociais, mas passou a ser direcionada ao governo federal e aos integrantes do governo que eram do PT”, continua.

Para Renata, essa seletividade da mídia hegemônica que sempre se posicionou em defesa do capital resultou em uma criminalização excessiva da política. “Isso esgarçou a relação entre a sociedade e a política (...). Esse processo seletivo foi criando uma repulsa da sociedade. Uma repulsa também seletiva.”

A partir de 2016, o processo foi intensificado. “Passamos de um estágio aonde a democracia era um espaço de diálogo e discussão entre posições diferentes e, a partir da ruptura institucional de 2016, entramos no espaço em que a democracia é um obstáculo para esse determinado grupo da ultradireita. Esses ataques a jornalistas são demonstrações do nível de deterioração das relações sociais e das instituições. Deterioração que é fruto de uma ação irresponsável dos próprios veículos que contribuíram para atacar a credibilidade de todas as instituições e criminalizar a política. Agora eles sofrem com isso.”

Para a jornalista, “desde a ruptura do impeachment, quem assume o governo são forças que não têm compromisso com a democracia”. Muito, porque se dedicaram a aplicar um programa de governo totalmente avesso ao escolhido pelo povo ao eleger Dilma. “Criou-se um ambiente que não tolera crítica nem oposição. Para impor uma política não aprovada nas urnas, precisaram calar as vozes dissonantes”, completa.

Por fim, esse cenário já problemático para os trabalhadores da comunicação e para a liberdade de expressão no Brasil pode se intensificar, argumenta Renata. “Se no próximo domingo Bolsonaro ganhar as eleições, podemos passar disso para um governo autoritário com todas as feições autoritárias. Ele tem dito isso. Ele e seus seguidores. Não cabe a nós duvidar do que ele diz. Estamos naturalizando a violência. Contra a imprensa, contra setores da sociedade, grupos políticos. Ele está dizendo que vai varrer a esquerda do país, que vai prender opositores, que vão apodrecer na cadeia. Ele está dizendo. Vou achar que isso é mentira? Tudo isso não cabe em um Estado democrático.”

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