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Ação contra aumento de velocidade nas marginais

Linha fina
Em janeiro, representantes da sociedade civil ingressarão na Justiça com medida cautelar para reverter ato do prefeito eleito João Doria; ativistas entregaram dossiê ao MPT, mas antes mesmo de ler o documento, promotor se mostrou favorável à mudança
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Rede Brasil Atual, com edição da Redação Spbancarios
26/12/2016


São Paulo – Três dias depois de a equipe do prefeito eleito de São Paulo João Doria (PSDB) anunciar o aumento das velocidades nas marginais Pinheiros e Tietê, grupos de ciclistas se articularam para uma bicicletada na noite de sexta 23, na capital. A bicicletada, porém, foi barrada pela PM, que por solicitação de Doria, impediu que os manifestantes passassem em frente à sua casa, no Jardim Europa, bairro nobre da zona sul paulistana. Os ciclistas foram obrigados a contornar o quarteirão.

As ações contra a medida terão prosseguimento no início de janeiro, provavelmente já no primeiro dia útil de 2017, na segunda-feira 2, quando a Associação dos Ciclistas Urbanos de São Paulo (Ciclocidade) e o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) pretendem entrar na Justiça com uma ação civil pública cautelar para reverter o polêmico aumento das velocidades nas marginais.

"A judicialização é o último recurso que vislumbramos nesse processo", afirma Daniel Guth, diretor-geral da Ciclocidade. "Não tem dados técnicos, não tem justificativa técnica, nenhum estudo por trás. É apenas cumprir uma promessa de marketing eleitoral. Então não vimos nenhuma outra possibilidade que não as vias judiciais."

Daniel acredita que a Justiça deve atender e ouvir o pleito das entidades para que a prefeitura consulte a população antes de aumentar de fato as velocidades. "A vitória nas urnas não legitima que o governante não se abra para processos de participação. Vamos questionar na Justiça não só o mérito, mas onde está o processo participativo, as audiências públicas, as reuniões? É preciso minimamente apresentar dados técnicos e estudos que justifiquem colocar vidas em risco."

Sem diálogo – Para chegar ao "último recurso", ele explica que desde antes da eleição municipal tem tentado, junto com outras entidades, dialogar com a equipe de Doria sobre os benefícios associados à política de redução de velocidade e as consequências de um possível aumento, considerando que o tema era então uma promessa de campanha do candidato tucano. "Eles não se abriram para o diálogo ", informa Daniel.

Após a eleição, o grupo seguiu insistindo por outros caminhos. Duas audiências públicas foram realizadas por meio da Comissão de Trânsito e Transporte da Câmara de Vereadores de São Paulo, reunindo engenheiros de tráfego e urbanistas. Em ambas as audiências ninguém da equipe do prefeito eleito apareceu. Daniel Guth lembra que ainda assim novas tentativas foram feitas, incluindo duas reuniões com o futuro secretário de Transportes, Sérgio Avelleda. "Ele deixou claro que já era um tema decidido e não era passível de questionamentos e diálogo."

Com assento nos conselhos municipais de Trânsito e Transporte e de Política Urbana, a Ciclocidade pautou o assunto dentro dos órgãos, registrando em atas a necessidade de diálogo caso a futura gestão fosse mesmo aumentar as velocidades das marginais. A última cartada foi dada dia 19 de dezembro, por ironia, véspera do anúncio oficial da mudança dos limites de velocidade e a apresentação do programa que o futuro prefeito batizou de "Marginal Segura".

Dossiê – Naquele dia, diversos grupos, associações e organizações entregaram a César Martins, promotor de Justiça de Habitação e Urbanismo da capital um dossiê de 300 páginas com estudos, documentos técnicos, legislação e artigos que embasam a política de redução de velocidades, além de dados sobre mortes e violência no trânsito (com destaque para os relacionados às marginais), informações relativas à demanda real e reprimida da mobilidade a pé e por bicicletas e, por fim, argumentos "que buscam desconstruir a ideia das marginais como vias expressas". Além da Ciclocidade e do Idec, assinaram o dossiê a Associação pela Mobilidade a Pé em São Paulo (Cidade a pé), Bike é Legal, Bike Zona Sul, Pé de Igualdade e Sampapé.

No entanto, a entrega foi frustrante para os ativistas. "Tivemos a infeliz surpresa de ouvir o promotor dizer que não faria nada para impedir (o aumento da velocidade), inclusive porque ele mesmo não estava convencido de que não seria uma boa medida. Isso ainda antes de ler o estudo. Não me pareceu que ele estava aberto a mudar de opinião ou minimamente tentar compreender o que estávamos entregando", afirma o diretor-geral da Ciclocidade.

Redução de Risco – Em entrevista à RBA, Luiz Carlos Néspoli, superintendente da Associação Nacional dos Transportes Públicos (ANTP), disse que a gestão Doria até o momento apresentou as medidas e não "as razões" do aumento da velocidade nas marginais Pinheiros e Tietê.

Néspoli é incisivo ao usar, como argumento contra o aumento da velocidade nas marginais, aspectos relacionados às políticas de redução de risco, que vão além das análises puramente técnicas.

Como política de segurança viária, a Organização Mundial da Saúde (OMS) recomenda o limite de 50 km/h nas vias urbanas. Mais que isso somente em rodovias sem movimento próximo, o oposto, por exemplo, das pistas locais das marginais, com hospitais, escolas, shopping centers, lojas de material de construção, restaurantes, conjuntos habitacionais, estações de trem e terminais de ônibus, além de outros tipos de comércio e empresas.

"Como política de redução de risco deve se adotar velocidades menores para reduzir a gravidade do acidente", afirma Néspoli. Para ele, independentemente da parte técnica, é preciso discutir qual a política de preservação da vida está sendo posta.

"Seria o mesmo que preferir atender os doentes, em vez de vaciná-los antes. São regras preventivas. O custo da sociedade para um acidente deve ser evitado e a redução de velocidade é como se fosse uma vacina", define.

No limite, o superintendente da ANTP destaca que as políticas de redução de risco independem das condições geométricas da via. "Política de velocidade deve ser na direção da segurança viária. Essa é a lógica que está dando certo no mundo todo."
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