Imagem Destaque
Maurício Thuswohl, Rede Brasil Atual
7/12/2016
Rio de Janeiro – Uma das três instituições públicas mais confiáveis aos olhos da sociedade brasileira, segundo pesquisa divulgada este ano pela Fundação Getúlio Vargas, o Ministério Público viu aumentar seu prestígio desde o início da Operação Lava Jato. Identificados com o atual momento de apelo popular ao combate à corrupção no meio político e empresarial brasileiro, os promotores e procuradores que compõem o MP em nível federal e nos estados, no entanto, estão longe de formar uma instituição que possa ser considerada democrática sob os aspectos da participação popular e do ingresso das minorias e das camadas mais baixas da sociedade em suas fileiras.
Essa é uma das principais conclusões da pesquisa Ministério Público: guardião da democracia brasileira?, realizada pelo Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (CESeC) da Universidade Cândido Mendes, em parceria com a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), e divulgada na terça 6 no Rio de Janeiro. O estudo mostra que o representante médio do Ministério Público é homem, branco, com 43 anos de idade e com foco de atuação no combate à corrupção. O perfil coincide com os procuradores que compõem a força-tarefa da Lava Jato.
“Os membros do MP constituem um segmento fortemente elitizado da sociedade”, afirma a socióloga Julita Lemgruber, coordenadora do CESeC e da pesquisa, ao lado da professora e pesquisadora do Centro de Estudos de Criminalidade e Segurança Pública (Crisp) da UFMG Ludmila Ribeiro e das consultoras Leonarda Mesumeci (professora do Instituto de Economia da UFRJ) e Thaís Duarte (pesquisadora da Universidade do Estado do Rio de Janeiro / Uerj).
A instituição, segundo a pesquisa, tem ainda uma excessiva representação masculina, com 70% de homens, e branca, já que 77% dos entrevistados se identificaram como tal. No entanto, o elemento que mais caracteriza a elitização do MP, segundo as pesquisadoras, é a origem social elevada da maioria de seus integrantes. Essa origem se mede pela alta escolaridade dos genitores dos promotores e procuradores, já que 60% dos pais e 47% das mães dos entrevistados têm curso superior. No restante da população brasileira com mais de 50 anos, esta proporção é de somente 9% para homens e 8,9% para mulheres.
Outro importante elemento identificado pela pesquisa que caracteriza a elitização na composição do Ministério Público é a dificuldade colocada para quem deseja ingressar na instituição. Além do nível elevado da prova, há a exigência de três anos de trabalho prévio na área jurídica: “Essas exigências funcionam como enormes barreiras para a entrada de pessoas de extratos sociais mais baixos no Ministério Público”, diz Julita.
Finalmente, uma olhada nos motivos que levaram os procuradores a querer ingressar no MP mostra que o sentimento difuso de “realização da justiça” aparece em primeiro lugar com 98% das citações, enquanto “atuar no combate à criminalidade” foi citada por 75%, aparecendo em terceiro lugar. Curiosamente, no segundo e quarto lugares aparecem “estabilidade no cargo”, com 92% de citações, e “boa remuneração”, com 74%. Em um honroso quinto lugar, aparece o desejo de “proteger a população de baixa renda”, citado por 64% dos entrevistados: “Esse resultado mostra que, aliado a um conceito de ‘fazer justiça’ que é comum às classes dominantes no Brasil e quase sempre é aplicado no pobre, preto e favelado, a boa qualidade de vida proporcionada pelo cargo é também elemento fundamental para os que buscam entrar no MP”, diz Ludmila Ribeiro.
Atribuições preteridas - Outro objetivo da pesquisa era verificar se, quase 30 anos depois da promulgação da Constituição Federal de 1988, o Ministério Público, na prática, se afastou das atribuições a ele conferidas pela carta magna. Algumas das prioridades traçadas constitucionalmente naquela ocasião, como a defesa dos direitos coletivos e difusos, a supervisão das penas de prisão e o controle externo das polícias, são, segundo o que revela o estudo, preteridas pela tarefa de atuar como parte acusatória nos processos penais.
As três maiores prioridades dos integrantes do MP, segundo os ouvidos pela pesquisa, são: combate à corrupção (para 62% dos entrevistados), investigação criminal (49%) e infrações penais envolvendo crianças e adolescentes (47%): “Observa-se que as três maiores prioridades são relativas à punição e prisão, o que revela a prioridade que o MP dá a esta esfera de atuação em detrimento de outras”, diz Ludmila.
Faca de dois gumes - Garantida pela Constituição de 1988, a conquista da independência em relação aos demais poderes da República serve, em tese, para que o MP possa cumprir com as atribuições para ele previstas. No entanto, segundo revela a pesquisa, esta autonomia funcional é uma faca de dois gumes. Para 91% dos entrevistados, ela é imprescindível para garantir a isenção do trabalho dos promotores. Mas, para 49% essa falta de controle facilita a omissão. Some-se a este dado o fato de que 90% dos entrevistados avalia que a população não tem conhecimento sobre as atribuições do MP: “Não existe um verdadeiro e efetivo controle externo do MP”, diz Julita, lembrando que quem preside o Conselho Nacional do Ministério Público é o procurador-geral da República, Rodrigo Janot.
A pesquisa do CESeC não obteve recursos públicos para sua realização nem despertou o interesse do CNMP que, embora convidado, sequer compareceu à apresentação dos resultados do estudo. Iniciada em 2013, o trabalho contou com recursos privados do Fundo de Investimento Social da Família A Jacob e Betty Lafer. Foram ouvidos 899 promotores e procuradores em todo o Brasil, em uma amostra representativa dos 12.326 integrantes dos MPs federais e estaduais existentes no Brasil em janeiro de 2015, quando a pesquisa começou efetivamente a ser realizada.
O envio das respostas pelos promotores e procuradores entrevistados aconteceu entre fevereiro de 2015 e fevereiro de 2016. Além disso, a enquete – que trazia 37 perguntas e que levou, em média, 45 minutos para ser respondida, também ficou disponível no site do CNMP por três meses. Segundo as pesquisadoras, a dificuldade do Ministério Público em lidar com a pesquisa foi notável: “Esta foi a pesquisa com maior dificuldade para recolher dados que eu já fiz”, resume Julita Lemgruber.
7/12/2016
Rio de Janeiro – Uma das três instituições públicas mais confiáveis aos olhos da sociedade brasileira, segundo pesquisa divulgada este ano pela Fundação Getúlio Vargas, o Ministério Público viu aumentar seu prestígio desde o início da Operação Lava Jato. Identificados com o atual momento de apelo popular ao combate à corrupção no meio político e empresarial brasileiro, os promotores e procuradores que compõem o MP em nível federal e nos estados, no entanto, estão longe de formar uma instituição que possa ser considerada democrática sob os aspectos da participação popular e do ingresso das minorias e das camadas mais baixas da sociedade em suas fileiras.
Essa é uma das principais conclusões da pesquisa Ministério Público: guardião da democracia brasileira?, realizada pelo Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (CESeC) da Universidade Cândido Mendes, em parceria com a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), e divulgada na terça 6 no Rio de Janeiro. O estudo mostra que o representante médio do Ministério Público é homem, branco, com 43 anos de idade e com foco de atuação no combate à corrupção. O perfil coincide com os procuradores que compõem a força-tarefa da Lava Jato.
“Os membros do MP constituem um segmento fortemente elitizado da sociedade”, afirma a socióloga Julita Lemgruber, coordenadora do CESeC e da pesquisa, ao lado da professora e pesquisadora do Centro de Estudos de Criminalidade e Segurança Pública (Crisp) da UFMG Ludmila Ribeiro e das consultoras Leonarda Mesumeci (professora do Instituto de Economia da UFRJ) e Thaís Duarte (pesquisadora da Universidade do Estado do Rio de Janeiro / Uerj).
A instituição, segundo a pesquisa, tem ainda uma excessiva representação masculina, com 70% de homens, e branca, já que 77% dos entrevistados se identificaram como tal. No entanto, o elemento que mais caracteriza a elitização do MP, segundo as pesquisadoras, é a origem social elevada da maioria de seus integrantes. Essa origem se mede pela alta escolaridade dos genitores dos promotores e procuradores, já que 60% dos pais e 47% das mães dos entrevistados têm curso superior. No restante da população brasileira com mais de 50 anos, esta proporção é de somente 9% para homens e 8,9% para mulheres.
Outro importante elemento identificado pela pesquisa que caracteriza a elitização na composição do Ministério Público é a dificuldade colocada para quem deseja ingressar na instituição. Além do nível elevado da prova, há a exigência de três anos de trabalho prévio na área jurídica: “Essas exigências funcionam como enormes barreiras para a entrada de pessoas de extratos sociais mais baixos no Ministério Público”, diz Julita.
Finalmente, uma olhada nos motivos que levaram os procuradores a querer ingressar no MP mostra que o sentimento difuso de “realização da justiça” aparece em primeiro lugar com 98% das citações, enquanto “atuar no combate à criminalidade” foi citada por 75%, aparecendo em terceiro lugar. Curiosamente, no segundo e quarto lugares aparecem “estabilidade no cargo”, com 92% de citações, e “boa remuneração”, com 74%. Em um honroso quinto lugar, aparece o desejo de “proteger a população de baixa renda”, citado por 64% dos entrevistados: “Esse resultado mostra que, aliado a um conceito de ‘fazer justiça’ que é comum às classes dominantes no Brasil e quase sempre é aplicado no pobre, preto e favelado, a boa qualidade de vida proporcionada pelo cargo é também elemento fundamental para os que buscam entrar no MP”, diz Ludmila Ribeiro.
Atribuições preteridas - Outro objetivo da pesquisa era verificar se, quase 30 anos depois da promulgação da Constituição Federal de 1988, o Ministério Público, na prática, se afastou das atribuições a ele conferidas pela carta magna. Algumas das prioridades traçadas constitucionalmente naquela ocasião, como a defesa dos direitos coletivos e difusos, a supervisão das penas de prisão e o controle externo das polícias, são, segundo o que revela o estudo, preteridas pela tarefa de atuar como parte acusatória nos processos penais.
As três maiores prioridades dos integrantes do MP, segundo os ouvidos pela pesquisa, são: combate à corrupção (para 62% dos entrevistados), investigação criminal (49%) e infrações penais envolvendo crianças e adolescentes (47%): “Observa-se que as três maiores prioridades são relativas à punição e prisão, o que revela a prioridade que o MP dá a esta esfera de atuação em detrimento de outras”, diz Ludmila.
Faca de dois gumes - Garantida pela Constituição de 1988, a conquista da independência em relação aos demais poderes da República serve, em tese, para que o MP possa cumprir com as atribuições para ele previstas. No entanto, segundo revela a pesquisa, esta autonomia funcional é uma faca de dois gumes. Para 91% dos entrevistados, ela é imprescindível para garantir a isenção do trabalho dos promotores. Mas, para 49% essa falta de controle facilita a omissão. Some-se a este dado o fato de que 90% dos entrevistados avalia que a população não tem conhecimento sobre as atribuições do MP: “Não existe um verdadeiro e efetivo controle externo do MP”, diz Julita, lembrando que quem preside o Conselho Nacional do Ministério Público é o procurador-geral da República, Rodrigo Janot.
A pesquisa do CESeC não obteve recursos públicos para sua realização nem despertou o interesse do CNMP que, embora convidado, sequer compareceu à apresentação dos resultados do estudo. Iniciada em 2013, o trabalho contou com recursos privados do Fundo de Investimento Social da Família A Jacob e Betty Lafer. Foram ouvidos 899 promotores e procuradores em todo o Brasil, em uma amostra representativa dos 12.326 integrantes dos MPs federais e estaduais existentes no Brasil em janeiro de 2015, quando a pesquisa começou efetivamente a ser realizada.
O envio das respostas pelos promotores e procuradores entrevistados aconteceu entre fevereiro de 2015 e fevereiro de 2016. Além disso, a enquete – que trazia 37 perguntas e que levou, em média, 45 minutos para ser respondida, também ficou disponível no site do CNMP por três meses. Segundo as pesquisadoras, a dificuldade do Ministério Público em lidar com a pesquisa foi notável: “Esta foi a pesquisa com maior dificuldade para recolher dados que eu já fiz”, resume Julita Lemgruber.