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Mundo está regredindo para o século 19

Linha fina
Metade da população mundial detém 2% de toda riqueza, enquanto 1% mais rico possui 43%; reformas neoliberais são responsáveis por aumento da concentração de renda semelhante a verificada no fim do século retrasado
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São Paulo – Houve uma época no século 20, mais precisamente entre o final da Segunda Guerra Mundial e o fim dos anos 1970, em que os países desenvolvidos de economia capitalista atingiram um grau de igualdade social jamais experimentado, graças à participação mais ativa do Estado na economia, destaca o economista francês Thomas Piketty, em sua renomada obra prima O Capital no Século 21.

Desde então muita coisa mudou e atualmente o planeta caminha para o maior nível de concentração de renda desde o fim do século 19. Alguns eventos são responsáveis por essa guinada que está levando uma parcela ínfima da população mundial a deter quase a totalidade da riqueza mundial. A principal delas é o neoliberalismo, conclui o economista.

Na virada do século 19 para o 20, de acordo com o livro de Piketty, o 1% mais rico detinha metade de toda a riqueza; os 10% mais ricos, excluindo o 1% do topo, quase 90%; enquanto os 50% mais pobres ficavam com meros 5%.

Na Europa, a riqueza detida pelos 10% mais ricos subiu de 60% em 1970 para 64% em 2010 e a do 1% mais abastado aumentou de 21% para 24%. Nos EUA, o décimo superior subiu de 64% para 72% e o centésimo superior de 28% para 34%. Na falta de políticas ativas contra a desigualdade (por exemplo, impostos progressivos sobre o capital), esses países retornarão em meados do século 21 a um patamar de desigualdade semelhante àquele do fim do século 19 e início do 20.

Situação crítica – Em 2010, o banco Credit Suisse publicou o seu primeiro Relatório da Riqueza Global (Global Wealth Report). O documento apontou que os 50% mais pobres dos 4,44 bilhões de adultos possuíam pouco menos de 2% dos ativos mundiais estimados em 194,5 trilhões de dólares.

Já os 10% mais ricos possuíam 83% da riqueza mundial e o 1% mais rico, 43%. A riqueza média equivalia a 43,8 mil dólares líquidos.

Cinco anos depois, o relatório de 2015, publicado em 13 de outubro, mostra que a concentração de renda mundial alcançou níveis tão críticos quanto o do mundo industrializado antes da Primeira Guerra Mundial. Apesar do relativo otimismo de 2010, a metade mais pobre dos 4,8 bilhões de adultos ficou ainda mais depauperada: agora possui menos de 1% da riqueza planetária estimada em 250,1 trilhões de dólares, enquanto o décimo mais alto controla quase 90% (87,7%, para ser exato) e o centésimo no topo, exatos 50%.

Reflexos – Nos EUA, o 1% mais rico absorveu 95% do crescimento após a crise financeira e o empobrecimento da camada inferior reflete-se até na mortalidade. Em 1960, os 20% de homens com 50 anos mais pobres podiam esperar viver até os 76,6 anos, enquanto, em 2010, esse número caiu para 76,1. No caso das mulheres, a queda foi de 82,3 para 78,3. Enquanto isso, a expectativa de vida para os 20% mais ricos atingiu 88,8 anos para homens e 91,9 para mulheres.

Na União Europeia, a renda combinada dos dez mais ricos, 217 bilhões de euros, superou o valor total das medidas de estímulo de 2008 a 2010, cerca de 200 bilhões.

No mundo, apenas 2,5 milhões de pessoas possuem entre 5 milhões e 10 milhões de dólares líquidos; 1,3 milhão de indivíduos detém entre 10 milhões e 50 milhões de dólares.

Os ultrarricos com mais de 50 milhões de dólares, cresceram de 81 mil em 2010 para 124 mil em 2015 ou 0,0026% dos cidadãos do mundo. Destes, 59 mil vivem nos EUA (48%), 30 mil na Europa (24%), 9,6 mil (9%) na China e Hong Kong e 1,5 mil (1%) no Brasil. A Suíça tem 3,8 mil nessa categoria, mais que a França (3,7 mil).

Piketty conclui que as reformas neoliberais – cujas principais características são a diminuição do papel do Estado na economia, o corte de impostos para os mais ricos e as privatizações – foram responsáveis pelo acúmulo de riqueza no topo da pirâmide social, enquanto as maiorias empobrecem em termos relativos e até absolutos. O neoliberalismo foi impulsionado no Reino Unido, no fim dos anos 1970, nos EUA e em outros países da Europa Ocidental, nos anos 1980, e mais tardiamente na América Latina, nos anos 1990.

As crises do sistema capitalista – como a de 2008, que ainda afeta a economia global –, acentuaram esse processo: para conter as falências em massa que agravariam a crise, os Estados foram obrigados a verter somas vultuosas de dinheiro para financiar os conglomerados empresariais, cuja incompetência de seus comandantes foi premiada também com cortes de impostos, salários e direitos trabalhistas, enquanto as massas pagam a conta com um salário congelado ou reduzido e impostos mais altos, quando não perdem o emprego e se endividam ainda mais.


Redação, com informações de Antonio Luiz M. C. Costa, da Carta Capital – 6/1/2016
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