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Projeto de desenvolvimento só com 'enfrentamento'

Linha fina
Para João Sicsú, governo precisa combater interesses privados para oferecer serviços públicos de qualidade. E, com isso, recuperar também base política e social, fugindo do isolamento
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São Paulo – A decisão de quarta-feira 20 do Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central de não mexer na taxa de juros não é para ser comemorada, diz o professor João Sicsú, do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Mas pode representar uma mudança de rumo, em um momento de recessão, à medida que o governo se dê conta de que vem adotando políticas equivocadas. Mas para retomar o crescimento não basta cortar juros, diz Siscú: é preciso enfrentar "interesses privados" que têm prevalecido "sobre as necessidades sociais da grande maioria da população brasileira".

Segundo o economista, esse "enfrentamento" é necessário para que se dê um segundo passo no projeto de desenvolvimento do país, depois do "melhor período da área democrática", entre 2006 e 2010, quando a economia entrou no caminho da distribuição da renda. A partir de 2011, observa, a prioridade passa a ser a oferta de serviços públicos de qualidade, basicamente em saúde, educação, transporte e segurança.

Mas o governo não teve essa visão, optando por medidas como elevação da taxa de juros, corte de gastos públicos, elevação do superávit primário. Também aconteceu uma tentativa de reduzir juros, que esbarrou na "financeirização" que atinge parte da sociedade.

"Enfrentar não é só reduzir a taxa de juros", afirma Sicsú, para quem o governo deveria proibir a indexação de títulos públicos. "Isso representaria um grande enfrentamento. Quem tem de capitanear esse enfrentamento é o governo. O governo fez o que eles (rentistas) querem, dá tudo errado e quer que o lado de cá defenda?" Para o professor, é preciso escutar a população.

"Aliança não se faz só com o Congresso. Tem de mobilizar a sociedade, mas fazendo políticas. Não adianta falar grosso no encontro de trabalhadores contra as elites empresariais e depois agradar quem criticou. Aí vai para o isolamento." Ele lamenta que, por enquanto, a única sinalização pública foi no sentido de "reformar" a Previdência.

"Estrangulamento" - Ainda sobre a decisão do Copom, Sicsú considera prioritária, para o Brasil, a redução da taxa de juros, que ele considera o fator de "estrangulamento" da economia brasileira. "Precisamos ter gastos correntes, políticas sociais, reajuste do Bolsa Família. O orçamento está apertado por uma causa (juros). Em 2015, pagamos mais de R$ 500 bilhões de dívida pública. É preciso reduzir juros e investir em programas sociais. Precisamos colocar dinheiro na mão dos pobres e dos trabalhadores. Isso movimenta a economia", diz o professor, lembrando que o pagamento com juros supera os valores gastos com programas sociais.

Para ele, a opção pela manutenção dos juros pelo Copom, foi "coordenada com a presidenta da República e com o Ministério da Fazenda, como todas as anteriores" desde 2011. E o economista considera isso um dos poucos pontos positivos do governo Dilma. "Ela realmente baliza, coordena a política monetária. Basta ler todas as entrevistas do Tombini (Alexandre Tombini, presidente do Banco Central)."

Sicsú ironiza as reações do chamado mercado financeiro, que esperava alta dos juros. "Quando sobe (a taxa), o BC é independente. Quando não sobe, é porque houve interferência do governo. É bem divertida essa historinha do mercado." Ele avalia que o argumento de que é preciso subir os juros para controlar a inflação já se mostrou equivocado. "Se a nossa inflação fosse sensível a isso, já teria despencado. A inflação brasileira desses últimos tempos (de um ano para cá) se mostrou totalmente insensível à demanda, elevação do desemprego, redução da atividade econômica."

Ele espera que a reunião tenha sinalizado uma mudança de rumo. "Pode ser que, de fato, diante de uma situação política muito grave, de uma situação da economia muito grave, ela (Dilma) esteja concluindo que o caminho adotado até agora foi incorreto", diz Sicsú, para quem "2015 foi o ápice dos resultados negativos dessa política adotada no Brasil há alguns anos".


Vitor Nuzzi, da Rede Brasil Atual - 22/1/2016
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