Em menos de um mês de governo, João Dória já descumpriu pelo menos uma promessa de campanha. Na corrida por votos, o tucano afirmou que ampliaria em 40 o número de delegacias de defesa da mulher e que elas passariam a funcionar por 24 horas (veja texto no site do PSDB sobre isso). Mas na quinta-feira 10, o político, já eleito, mudou de ideia e vetou o projeto de lei 91, de autoria da deputada estadual Beth Sahão (PT), que estabelecia exatamente o que ele prometera às eleitoras e eleitores em São Paulo: o funcionamento ininterrupto dessas delegacias, cuja função é acolher mulheres vítimas de violência.
“O novo governador desautorizou um projeto que previa exatamente o que ele disse que faria durante sua campanha eleitoral. É um desrespeito às cidadãs e cidadãos de São Paulo e representa um retrocesso em termos de política de defesa das mulheres”, critica a secretária-geral do Sindicato dos Bancários de São Paulo, Osasco e Região, Neiva Ribeiro.
“O Brasil está entre os países com mais casos de assassinatos de mulheres do mundo. Por isso uma das principais bandeiras do movimento de mulheres é a ampliação urgente da rede de proteção, que compreende mais delegacias especializadas, mais juizados e a capacitação de servidores municipais, estaduais e federais para lidar com essa realidade terrível”, destaca a dirigente.
Segundo o Atlas da Violência 2018, produzido pelo Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) e pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), 4.645 mulheres foram assassinadas no país em 2016, o que representa uma taxa de 4,5 homicídios para cada 100 mil brasileiras. O relatório aponta ainda que os feminicídios (quando uma mulher é assassinada por ser mulher) no país aumentaram 6,4% em dez anos (2006 a 2016).
A Organização Mundial da Saúde, órgão da ONU, já apontava que o assassinato de mulheres no Brasil chegava em 4,8 para cada 100 mil mulheres em 2016, o que dava ao país a posição vergonhosa de ter a quinta maior taxa de feminicídio do mundo.
A taxa aumenta com o recorte de raça: é maior entre mulheres negras. Ainda segundo o Atlas da Violência, em 2016 a taxa foi de 5,3 entre negras e de 3,1 entre não negras, a diferença é de 71%. E de 2006 a 2016, aumentou 15,4%, enquanto que entre as não negras houve queda de 8%.
“Seria inviável”, diz governo Doria
Segundo reportagem da Universa, a Secretaria de Segurança Pública informou que seria inviável o aumento do número de servidores de todas as delegacias da mulher que o novo funcionamento exigiria. E argumentou que, na maioria das vezes, as delegacias comuns se encontram mais próximas da ocorrência, o que tornaria mais ágil a ação da polícia. Defendeu ainda que todos os policiais civis estão aptos a solucionar ocorrências de violência doméstica e crimes sexuais.
“O movimento de mulheres discorda totalmente disso. As delegacias especializadas em violência contra a mulher são, sim, necessárias. Justamente porque as comuns não são adequadas para atender as vítimas, que muitas vezes não encontram acolhida em locais onde a maioria dos policiais é homem. Além disso, na maioria dos casos o agressor é o próprio companheiro da vítima, e isso pode desencorajá-la de levar o processo adiante. Enfim, é necessário um atendimento especializado, para que a mulher se sinta mais segura e amparada para denunciar”, pondera Neiva.
A Secretaria de Comunicação do governo Doria publicou nota em que diz que a implantação de delegacias da mulher funcionando 24 horas será feita, mas que o projeto de lei era inconstitucional porque impunha obrigações ao poder executivo que implicava em despesas.
“A julgar pelo veto ao PL, Doria não parece disposto a cumprir o que disse na campanha. Mas vamos continuar lutando e cobrando que ele de fato faça o que prometeu e amplie a rede de proteção às mulheres. Só nas duas primeiras semanas deste ano, já tivemos 74 casos de mulheres assassinadas. Nossa luta contra essa realidade será intensificada”, diz Neiva.
Resposta
Pelo Twitter, o governadr João Doria respondeu à publicação do Sindicato:
Todas as Delegacias da Mulher funcionarão 24h. O projeto apresentado pela Deputada Beth Sahão é inconstitucional e por isso foi vetado.
— João Doria (@jdoriajr) 16 de janeiro de 2019
Conforme compromisso assumido em campanha, vamos ajustar, aprovar e ampliar o projeto proposto, inclusive, colocando delegadas e escrivãs para o atendimento às vítimas. Nossa gestão não medirá esforços para combater a violência doméstica. As mulheres não estão sozinhas nessa luta
— João Doria (@jdoriajr) 16 de janeiro de 2019
O Sindicato vai acompanhar o andamento da pauta e continuar cobrando o funcionamento por 24 horas de delegacias da mulher.
> Veja reportagem do Brasil de Fato sobre feminicídios em 2019