São Paulo – Depois de congelar 43,5% do orçamento da Secretaria Municipal da Cultura, praticamente inviabilizando as ações da pasta para além da operação cotidiana dos equipamentos, a gestão do prefeito de São Paulo, João Doria (PSDB), iniciou uma série de medidas que revoltaram trabalhadores e artistas da capital paulista. No início do mês, suspendeu um edital do Fomento à Dança, que já estava com todos os projetos prontos para análise da comissão julgadora. Nesta semana, comunicou os educadores do Programa de Iniciação Artística (PIÁ) e do Programa Vocacional que eles não poderiam dar sequência aos projetos bianuais, modelo criado na gestão de Fernando Haddad (PT).
Entre os projetos e programas – muitos previstos em Lei Municipal – afetados pelo congelamento estão os já citados Vocacional e PIÁ; os Fomentos à Dança, ao Teatro, das Periferias, ao Circo; Jovem Monitor Cultural; o Programa de Valorização das Iniciativas Culturais (VAI e VAI II); além da programação de equipamentos culturais, tais como bibliotecas, centros culturais, Casas de Cultura e Centros Educacionais Unificados (CEU). No caso das bibliotecas, para as quais a atual gestão apresentou um projeto de revitalização, algumas propostas na verdade já existem, como os saraus de poesias nos espaços.
No caso de PIÁ e Vocacional, que existem há oito e 15 anos, respectivamente, os educadores vinham pleiteando há algum tempo que os projetos tivessem continuidade, já que são programas de formação. No último ano da administração Fernando Haddad (PT), a Secretaria da Cultura criou um processo de avaliação para efetivar a continuidade de parte dos projetos. Foram selecionados 336 profissionais para atender cerca de oito mil crianças e adolescentes. No entanto, nesta semana, a gestão Doria decidiu que o processo não vale. E, em vez de realizar um novo edital para seleção, vai seguir a lista do edital passado, chamando inscritos após o último selecionado.
“A continuidade é importante pelo nosso trabalho, mas principalmente pela formação que os programas propõem para crianças e jovens, sobretudo nas periferias. Eu mesma fui educanda desses programas e isso fez toda a diferença na minha vida. Foram anos pleiteando essa continuidade, teve edital, teve entrevista. É um absurdo que simplesmente digam que não vão mais fazer”, explicou a atriz Tatiana Monte. Segundo ela, os educadores selecionados estão dialogando com advogados para ver como reagir à decisão da secretaria.
Ela também revelou que os projetos inscritos no Programa VAI só foram entregues à comissão de avaliação na semana passada, o que indica que o processo vai atrasar, já que o resultado costuma ser apresentado na primeira semana de abril, para que sejam realizados os acertos e as propostas comecem a ser executadas em maio. Os projetos do VAI recebem apoio financeiro de até R$ 40 mil e do VAI II de até R$ 80 mil.
No caso do edital de Fomento à Dança, três dias após a suspensão, a secretaria apresentou outro edital. O orçamento de até R$ 700 mil foi reduzido para R$ 250 mil, foi retirada a proposta de pesquisa e imposta a obrigatoriedade de que todos os projetos culminem em apresentações ou circulação de espetáculos. “A gestão que acabou de entrar pegou um processo de dez anos de construção e o desmontou sem nenhum diálogo com os artistas e educadores desse setor”, afirmou a atriz e dançarina Ana Sharp.
O Fomento à Dança foi criado em 2006, na gestão do hoje senador José Serra (PSDB). Passou pelas administrações de Gilberto Kassab (PSD) e Fernando Haddad sem mudanças drásticas. “Mas agora a gestão Doria diz que o edital não foi amplamente divulgado. Não só foi, como essa edição teve o maior número de concorrentes. O que se quer é impedir a atuação de grupos independentes para entregar a cultura na mão das Organizações Sociais como fez o governo estadual. O secretário (André Sturm) está fomentando um discurso de que a cultura na cidade está tomada por grupos de esquerda, como forma de criminalizar os coletivos e grupos”, afirmou Ana.
Outro setor que denuncia as manobras da atual administração na área cultural são os artistas da literatura e organizadores de saraus. Com o congelamento da verba da pasta, o projeto Veia e Ventania – Literatura Periférica nas Bibliotecas de São Paulo, realizado desde 2011, foi encerrado apesar da verba de R$ 1 milhão destinada a ele. No dia 16 de março, a Secretaria da Cultura lançou o programa “Biblioteca Viva”, que tem como um dos eixos a “integração das bibliotecas com os saraus literários”.
O educador e escritor Rodrigo Ciríaco utilizou as redes sociais para denunciar a apresentação de uma “solução mágica” para a cultura na cidade. “Como cidadão, educador, escritor e produtor cultural, atuante há mais de 11 anos na periferia de São Paulo, me sinto extremamente desrespeitado, não apenas com a forma como a atual gestão da prefeitura e secretaria conduzem a cultura, bloqueando quase a metade dos seus recursos, mas também com esta atitude minimamente ordinária, de atrapalhar e encerrar trabalhos existentes e apresentar ações já desenvolvidas como se fosse uma grande revolução e novidade”, escreveu Ciríaco.
Em algumas oportunidades, artistas e trabalhadores do setor questionaram o secretário Sturm sobre as medidas, como nos encontros realizados no início do ano, no Centro Cultural São Paulo. Ele se comprometeu a trabalhar pelo descongelamento do orçamento, mas depois não houve mais resposta quanto ao andamento do processo. Os artistas da dança protestaram contra o cancelamento do edital na sede da Secretaria da Cultura. Assim como educadores do PIÁ e do Vocacional, em reunião com servidores da pasta.
Artistas e trabalhadores estão mobilizando uma nova manifestação na segunda-feira 27, as 15h, em frente ao Theatro Municipal, para denunciar os problemas e exigir que a gestão Doria descongele o orçamento da Secretaria da Cultura. Eles destacam que os projetos e programas são promotores de oportunidades de trabalho, geração de renda, inclusão social, conhecimento e oportunidades de lazer e cultura, principalmente nas periferias da cidade.
“Esses programas e leis são conquistas históricas não só dos artistas, mas da população em diálogo com o poder público e vereadores da cidade de São Paulo. O congelamento, além de travar o desenvolvimento criativo da cidade, também fere diversos processos de formação e inclusão e diminui a movimentação econômica em setores que dialogam diretamente com a cultura. É importante ressaltar que o orçamento aprovado na Câmara Municipal não atinge nem 1% do orçamento global do município”, argumentam os artistas, em manifesto.
A Secretaria da Cultura não se manifestou.