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Ditadura nunca mais: em painel, CUT retoma trabalhos da Comissão da Verdade

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Painel de debates “Ditadura Nunca Mais – A CUT na Luta por Memória, Verdade, Justiça e Reparação”

Na última terça-feira 26, o painel de debates “Ditadura Nunca Mais – A CUT na Luta por Memória, Verdade, Justiça e Reparação”, promovido pela Secretaria de Políticas Sociais e Direitos Humanos da CUT, marcou a retomada pela central sindical dos trabalhos da Comissão Nacional da Verdade. O secretário de Relações Sindicais e Sociais do Sindicato dos Bancários e Financiários de São Paulo, Osasco e Região, Francisco Pugliesi, o Chico, acompanhou o evento.

O painel também marcou os 60 anos do golpe militar de 1964, que serão completados na próxima segunda-feira, 31 de março.

Reparação

De acordo com Jandyra Uehara, secretária de Políticas Sociais e Direitos Humanos da CUT, a retomada dos trabalhos da Comissão Nacional da Verdade pela central sindical tem o objetivo de colocar em prática as recomendações feitas em relatório finalizado pela comissão em 2015 que, entre outros pontos, pede reparação coletiva aos trabalhadores perseguidos pela ditadura militar.

“Queremos entrar com o pedido de reparação coletiva nas nossas bases sindicais. O Sindicato dos Metalúrgicos do ABC já está se movimentando nesse sentido. Em abril, no dia 23, faremos um novo seminário com os sindicatos cutistas para discutir pedidos de anistia e reparação coletiva pelas empresas”, diz Jandyra.

“A anistia de 79 foi um movimento no qual o Estado brasileiro compreendia, ou dizia compreender naquele momento, ter perseguido os movimentos sociais, sindical, e sua militância. Porém, boa parte dos perseguidos políticos não obtiveram qualquer reparação, tampouco reparação coletiva. É necessária e urgente a luta por reparação para as vítimas da ditadura. Os sindicatos sofreram diretamente. Inclusive o nosso, que passou por uma intervenção”, destaca Francisco Pugliesi.

Em 20 de julho de 1983, a Polícia Federal invadiu o Sindicato, prendeu diretores e o jornalista responsável pela Folha Bancária com o objetivo de reprimir manifestações grevistas e a luta contra o arrocho salarial do governo do general João Figueiredo. No dia seguinte, o governo decreta a intervenção no Sindicato, destituindo toda a sua diretoria eleita. Quase dois anos depois, em março de 1985, os bancários retomam o Sindicato com a eleição da chapa Resistência, encabeçada por Luiz Gushiken.

Relação capital e trabalho

De acordo com o ex-deputado federal e ex-presidente do PT, José Genoino, que foi preso e perseguido pela ditadura, a essência do golpe de 1964 foi a “relação capital e trabalho”.

“O capitalismo brasileiro não fez uma revolução pela burguesia. O processo aqui é de acomodação, de conservação. Antes de 1960 vivíamos um período de movimentação de massa, e essa reacomodação precisava de um regime político, que foi a expressão da ditadura militar. O golpe foi de classe, feito pela burguesia e as empresas, mas o regime político foi o militar, com as Forças Armadas como elemento central”, explicou Genoino na sua intervenção durante a segunda mesa de debates.

A importância da memória

Durante o painel, foi consenso entre todos os debatedores que a ausência de uma reflexão profunda da sociedade brasileira sobre o que representou a ditadura militar e, sobretudo, a falta de reparação, punição e espaços de memória, é um dos fatores que fragiliza a democracia e que levou a tentativa de golpe de 8 de janeiro de 2023.

“Isso (a ditadura) precisa ser discutida, senão ela vai para uma incubadora, e essa incubadora vai virar o golpe de 2016, vai virar o que aconteceu em 8 de janeiro. Um projeto político precisa dizer o que pensa e fazer sinalizações, ainda que não tenha força para mudar a correlação de forças. São essas sinalizações que calibram o jogo”, defendeu Genoino.

“Não temos mais as salas de tortura, mas temos as fake news e o assassinato da imagem de políticos e figuras da esquerda”, disse Jana Silverman, professora de Relações Internacionais da Universidade Federal do ABC e uma das responsáveis pelo relatório final da Comissão da Verdade da CUT, ao traçar paralelo entre os golpes de 1964, de 2016 e a tentativa de golpe de 8 de janeiro de 2023.

Para a professora, é tarefa do movimento sindical e do campo democrático como um todo não permitir que o tema da reparação fique em segundo plano. “O tema foi subestimado não pelo governo da época (da ex-presidente Dilma Rousseff), mas pelo campo democrático, e deu no que deu.”

O termo anistia não cabe para a tentativa de golpe de 8 de janeiro de 2023

Durante a sua fala no painel, o ex-deputado federal Luiz Eduardo Greenhalgh citou que o termo anistia, mesmo quando para negar que seja concedida, não deve ser aplicado aos que participaram da tentativa de golpe de 8 de janeiro de 2023.

“Anistia é o Estado dizendo que perseguiu, que torturou, que errou contra nós. É uma lei de caráter excepcional para pessoas que são perseguidas exclusivamente por motivos políticos. É por isso que acho equivocado dizer que o Estado não deve dar anistia para os golpistas de 8 de janeiro. Eles não foram e não são perseguidos. A anistia não se aplica a eles. O mais correto seria dizer que não se deve dar o perdão a eles”, esclareceu Greenhalgh.

Momento de defender e fortalecer a democracia

Também presente no evento, o ex-ministro dos Direitos Humanos nos dois primeiros governos do presidente Lula, disse estar otimista com a retomada da Comissão Nacional da Verdade à luz dos julgamentos daqueles que planejaram e tentaram um golpe de estado em janeiro de 2023.

“A sociedade e o governo estão mais porosos a esse tema nesse momento. É uma oportunidade que não devemos desperdiçar. Estamos vivendo um período crucial para a democracia, ou defendemos ela sem concessões, ou podemos vê-la escorrer pelas mãos mais uma vez”, avalia o ex-ministro.

“A memória do golpe de 1964 e do que ele representou para os trabalhadores e a sociedade brasileira como um todo deve estar sempre viva. A luta por memória, verdade e justiça para as vítimas daquele regime é pedra fundamental para defendermos e fortalecermos a democracia hoje”, conclui Chico.

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