A Justiça do Trabalho concedeu liminar, na quarta-feira 22, cancelando as alterações nas Normas Regulamentadoras feitas pelo governo Bolsonaro – ou seja, determinando que elas voltem às versões anteriores – e suspendendo os processos de alteração de outras NRs. A liminar foi em resposta a uma Ação Civil Pública proposta pelo Ministério Público do Trabalho (MPT) denunciando ilegalidades no processo de revisão das normas implementado pelo governo. As NRs regulamentam e orientam procedimentos obrigatórios relacionados à segurança e saúde do trabalhador.
“As reformas das NRs feitas pelo atual governo foram no sentido de retirar direitos dos trabalhadores em favor dos empregadores. Na CTPP [Comissão Tripartite Partidária Permanente, que analisa as NRs],o governo forçou mudanças radicais nas normas com intenção de garantir economia para bancos e indústrias. Essa liminar, portanto, foi uma importante vitória para os trabalhadores”, avalia o secretário de Saúde do Sindicato dos Bancários de São Paulo, Carlos Damarindo.
A liminar foi proferida pelo juiz do Trabalho Substituto Acelio Ricardo Vales Leite, que dará prosseguimento ao julgamento do mérito da ação. Na ação, o MPT destaca que “o atual processo de revisão das NR’s têm sido promovido de modo afoito, com pouquíssimo tempo para análise e amadurecimento de propostas das bancadas e sem os imprescindíveis estudos científicos e de impacto regulatório que as legitimem e viabilizem embasamento distinto da mera doxa, ou seja, das simples opiniões pessoais daqueles que estão à frente das novas redações.”
Assim, o MPT requereu na ação: 1) a suspensão dessas revisões; 2) que seja imposto à União o dever de observar requisitos nos procedimentos de revisão, alteração ou revogação de normas regulamentadas, como a elaboração de texto técnico básico e sua submissão a consulta pública, realização de análise de impacto regulatório, e a submissão das propostas a exame tripartite, em reuniões entre bancadas do governo, trabalhadores e empregadores, com composição paritária, entre outros requisitos determinados por lei e por convenções da OIT (Organização Internacional do Trabalho); e 3) multa de R$1 milhão caso a União desrespeite o item 2.
O juiz entendeu que o processo de revisão precisa seguir os critérios impostos pela legislação e determinou multa de R$ 500 mil, caso a União descumpra a liminar. Em sua decisão, ele afirma: “Embora entenda que seja necessário o aperfeiçoamento das normas regulamentadores, no intuito de atualizá-las à modernidade das relações de trabalho, considero que a celeridade com aparentes exageros, tem potencial para comprometer a segurança jurídica necessária a empregadores e trabalhadores, porquanto não somente repercute em litigiosidade, mas também no dispêndio financeiro advindo de possíveis condenações judiciais, e, em especial, porque pode representar significativo aumento de despesas ao Poder Público com saúde e previdência social em decorrência de acidentes de trabalho que resultam morte (pensão), invalidez (aposentadoria) ou doenças prolongadas das pessoas (auxílio-doença), o que, ao fim e ao cabo, ressoam negativamente nos fatores macro e microeconômicos do país, e no seu próprio desenvolvimento qualitativo como um todo.”
E conclui: “Desse modo, concedo em parte a tutela de urgência, para determinar à União que passe a cumprir, imediatamente, os requisitos procedimentais previstos nos artigos 2o, incisos II e III, 4o, § 1o e § 2o, 7o e 9o, da Portaria MTB no 1.224, de 28 de dezembro de 2018, cujo descumprimento, eventualmente configurado a partir do dia útil subsequente ao da intimação desta ordem judicial, resultará na imposição da pena de multa de R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais), por norma regulamentadora editada, revogada, revisada ou alterada, em desacordo com os ditames da Portaria MTB no 1.224/2018, sem prejuízo de declaração de nulidade da norma viciada, mantendo-se a vigência da norma regulamentar anterior. Eventual condenação na aludida pena de multa pecuniária será revertida a projetos ou fundos a serem apontados pelo Ministério Público do Trabalho.”
Para a advogada especializada em Direitos Humanos, Leonor Poço Jakobsen, que assessora a Secretaria de Saúde do Sindicato, a ação do MPT busca resguardar os princípios democráticos previstos em leis e convenções da OIT, especialmente o diálogo social e a busca do consenso necessário para alterar normas legais relativas à saúde dos trabalhadores. “O processo de revisão das NR’s proposto pelo governo precariza as condições de trabalho e submete a saúde do trabalhador, um direito fundamental, aos interesses econômicos da classe empresarial. O MPT agiu em defesa do diálogo e da democracia e dos direitos humanos fundamentais”, diz ela.
A advogada reforça queo governo promovia alterações a toque de caixa nas Normas Regulamentadoras com a única pretensão de diminuir custos para empresários. “O governo não escondia isso e declarou que pretendia chegar a R$ 68 bilhões em economia nos próximos 10 anos com alterações nas redações de normas como a NR 1 (segurança e medicina do trabalho), NR 7 (Programa de Controle Médico de Saúde Ocupacional), NR 9 (Programa de Prevenção de Riscos Ambientais), NR 18 (condições e o meio ambiente de trabalho na Indústria da Construção), NR 28 (aplicação de medidas corretivas e punitivas). Todas realizadas sem obediência aos preceitos legais.”
Suspensa revisão da NR 17, que protege bancários
A advogada lembra que também estava em curso a alteração da NR 17, que trata de ergonometria e dos efeitos psicossociais da organização do trabalho, e que protege, portanto, a categoria bancária. “Os bancários, que adoecem por conta de metas abusivas e assédio moral, são protegidos por essa norma regulamentadora. O governo queria manter no texto da NR 17 apenas as questões relacionadas a ergonomia, e retirar a parte dos riscos psicossociais. Mas felizmente, por conta da liminar, o processo de alteração dessa NR foi suspenso.”
A liminar garante a suspensão das alterações até o julgamento do mérito da ação, que está a cargo do mesmo juiz.
Sem democracia
O secretário de Saúde do Sindicato critica a falta de democracia e transparência com que o atual governo conduz alterações nas normas e leis. “O governo de Bolsonaro aposta em um Estado mínimo, no qual a participação da sociedade civil não tem espaço. As NRs têm o objetivo de garantir a segurança e a saúde dos trabalhadores e proteção do meio ambiente. Mas o governo as altera com o único propósito de beneficiar maus empresários”, critica Carlos Damarindo.