O Dia Internacional de Apoio às Vítimas de Tortura, celebrado no dia 26 de junho, deveria ser de luta pela responsabilização de quem, no Brasil, cometeu crimes de lesa-humanidade durante a ditadura civil-militar (1964-1985). A opinião é de Rogério Sottili, diretor executivo do Instituto Vladimir Herzog e ex-secretário nacional e municipal (São Paulo) de Direitos Humanos. Para ele, o país deveria rediscutir a Lei da Anistia, de 1979, cujas interpretações da Justiça acabaram por perdoar as violações contra os direitos humanos praticadas por militares durante os anos de chumbo.
“Tortura é um crime internacional, de lesa-humanidade que não tem a menor condição de ser considerado anistiável. Em 2009, o Supremo Tribunal Federal entendeu que a anistia sobre os crimes da ditadura se estendeu para todo mundo, inclusive para os torturadores. O que está errado na Lei da Anistia não é a legislação em si, mas sua interpretação. Na medida em que o Brasil é signatário de convenções internacionais de combate à tortura e pelos direitos humanos, precisa obedecer os acordos que assinou e aprovou, inclusive no Congresso. Isso significa que os crimes políticos, os crimes de lesa-humanidade não são passíveis de anistia”, ressalta Sottili.
“Nós precisamos, neste momento e nesta data em que celebramos o Dia Internacional de Apoio às Vítimas de Tortura, criar um grande movimento em favor da reinterpretação da Lei da Anistia. O STF deve voltar a discuti-la à luz dos acordos internacionais os quais o Brasil é signatário”, acrescenta.
Segundo Rogério Sottili, se o país tivesse punido os responsáveis por crimes de Estado durante a ditadura, hoje não teríamos um presidente da República enaltecendo e homenageando torturadores nem uma parcela da sociedade entusiasta dos crimes de lesa-humanidade praticados por agentes públicos.
“O Brasil vive talvez um dos momentos mais difíceis de sua história recente. Torturadores são homenageados pelo próprio presidente da República, que ainda enaltece uma ditadura que usurpou e rasgou a Constituição Federal e promoveu, a partir de 1964 mortes, sequestros de criança, torturas, desaparecimentos. Um estado de exceção condecorado pelo presidente e, pior do que isso, por parcela da sociedade brasileira. Se tivéssemos antes discutido a reinterpretação da Lei da Anistia e todos aqueles que tivessem cometido crimes de lesa-humanidade tivessem sido presos, responsabilizados, hoje nós estaríamos vivendo algo diferente”, enfatiza Sottili.
“Por que isso que hoje vivemos não aconteceu na Argentina, no Uruguai ou em outros países? Porque lá todos que cometeram crimes de lesa-humanidade foram condenados, presos. Quando você prende as pessoas por crimes como estes, sinaliza para a sociedade que isso não serão mais tolerado”, acrescenta.
Para Rogério Sottili, o governo Bolsonaro, além de enaltecer torturadores e um regime de exceção, também está destruindo um importante mecanismo de combate à tortura em prisões, hospitais psiquiátricos e comunidades terapêuticas. Em 2006, o Brasil assumiu o compromisso da criação de um grupo com 11 peritos que, a partir de 2010, visitaria essas unidades prisionais para fiscalizar e identificar sinais de tortura. “Acabaram com o cargo desses peritos que faziam a fiscalização dessas unidades no Brasil. Com isso, o governo está na contramão do que o mundo faz para combater a tortura”, finaliza.
Para a secretária-geral do Sindicato, Neiva Ribeiro, o Dia Internacional de Apoio às Vítimas de Tortura deveria ter maior destaque no Brasil. "Esta é uma data muito importante. Rememorar as vítimas de tortura e o desrespeito aos direitos humanos que sofreram talvez seja uma forma de lembrar a sociedade que essa prática, em qualquer hipótese, é desumana. Trata-se de um crime de lesa-pátria, uma prática condenável em qualquer país democrático. A extinção da tortura consiste em avanço civilizatório para a humanidade", enfatiza.