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Chapéu
Brasil nunca mais

A tortura é justificável?

Linha fina
Contrariando a Constituição Federal do Brasil e a Declaração Universal dos Direitos Humanos, que proíbem a prática, 16% dos brasileiros concordam que a tortura pode ser usada para obter confissões e informações de suspeitos
Imagem Destaque

Eduardo Collen Leite foi um militante político que aderiu à resistência armada contra a ditadura militar. Integrante da Ação Libertadora Nacional, Bacuri, como era conhecido, foi preso em 21 de agosto de 1970, quando chegava a sua casa.

Em 8 de dezembro de 1970, os jornais do país publicavam nota oficial sobre sua morte, em um suposto tiroteio. Ele tinha 25 anos.

O assassinato de Eduardo Leite é um dos mais terríveis dos que se tem notícia durante o regime militar, pois as torturas a ele infligidas duraram 109 dias consecutivos, deixando-o completamente mutilado.

Seu corpo foi entregue à família, que constatou as torturas. Além de hematomas, escoriações, cortes profundos e queimaduras por toda a parte, apresentava dentes arrancados, orelhas decepadas e os olhos vazados, segundo o testemunho de Denise Crispim, sua esposa.

A hoje jornalista da Rede Globo Míriam Leitão também foi vítima da ditadura e sofreu torturas quando estava grávida de 1 mês. Ela conta ter levado chutes, golpes que abriram a sua cabeça, foi obrigada a ficar nua na frente de 10 soldados e três agentes da repressão, além de horas intermináveis trancada na sala escura com uma jiboia.

Confira o seu depoimento dado ao jornal O Globo.

> Leia mais depoimentos de vítimas da tortura durante a ditadura militar

Sonia Maria de Morais Angel Jones foi mais uma das milhares de vítimas da ditadura militar submetidas a tortura, e uma das 434 pessoas assassinadas pelo regime.

Segundo consta no livro “Dos Filhos Deste Solo”, ela foi presa em São Paulo e levada ao DOI-Codi (órgão de repressão da ditadura) do Rio de Janeiro , onde foi torturada, estuprada com um cassetete e mandada de volta para são Paulo, onde foi assassinada com dois tiros, em novembro de 1973.

Constituição Federal veda tortura

Em consonância com o presdiente eleito que já declarou ser favorável a tortura, 16% dos brasileiros também concordam que a prática pode ser usada para obter confissões e informações de suspeitos.

Mas o Brasil vive em um Estado Democrático de Direito, garantido pela Constituição Federal de 1988. O artigo quinto da lei suprema do país assegura que ninguém será submetido a tortura nem tratamento desumano ou degradante.

No entanto, são comuns os casos de suspeitos submetidos a torturas nos órgãos policiais brasileiros, desrespeitando a Constituição Federal e também a Declaração Universal de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas, da qual o Brasil é signatário.

“A tortura é inaceitável e injustificável sob todos os aspectos, inclusive durante situações de emergência, instabilidade política ou mesmo em uma guerra”, afirma o secretário-geral da ONU, António Guterres.

O recém eleito presidente Jair Bolsonaro já declarou que, se eleito, irá tirar o Brasil da ONU.

Torturada na frente dos filhos 

Maria Amélia de Almeida Teles, ou Amelinha, foi militante do Partido Comunista do Brasil (PCdoB). Presa em 28 de dezembro de 1972, foi submetida a sessões de torturas, que segundo seu depoimento, foram realizadas, pessoalmente, pelo major do exército Carlos Alberto Brilhante Ustra, então comandante do DOI-Codi de São Paulo. O mesmo coronel Ustra já foi seguidas vezes enaltecido pelo candidato à presidência da República que também já defendeu a tortura.

Amelinha relata abaixo as torturas recebidas, que consistiam, entre outras práticas, em choques no ânus e na vagina, inclusive em frente aos seus filhos, que na época eram crianças.

“A primeira forma de torturar foi me arrancar a roupa. Lembro-me que ainda tentava impedir que tirassem a minha calcinha, que acabou sendo rasgada. Começaram com choque elétrico e dando socos na minha cara. Com tanto choque e soco, teve uma hora que eu apaguei. Quando recobrei a consciência, estava deitada, nua, com um cara em cima de mim, esfregando o meu seio. Era o Mangabeira [codinome do escrivão de polícia de nome Gaeta], um torturador de lá. A impressão que eu tinha é de que estava sendo estuprada.”

Amelinha quando foi presa


Depois disso, começaram novas torturas. “Me amarraram na cadeira do dragão [cadeira que liberava uma descarga elétrica], nua, e me deram choque no ânus, na vagina, no umbigo, no seio, na boca, no ouvido. Fiquei nessa cadeira, nua, e os caras se esfregavam em mim, se masturbavam em cima de mim. A gente sentia muita sede e, quando eles davam água, estava com sal. Eles punham sal para você sentir mais sede ainda. Depois fui para o pau de arara. Eles jogavam coca-cola no nariz. Você ficava nua como frango no açougue, e eles espetando seu pé, suas nádegas, falando que era o soro da verdade. Mas com certeza a pior tortura foi ver meus filhos entrando na sala quando eu estava na cadeira do dragão. Eu estava nua, toda urinada por conta dos choques. Quando me viu, a Janaína perguntou: ‘Mãe, por que você está azul e o pai verde?’. O Edson disse: ‘Ah, mãe, aqui a gente fica azul, né?’. Eles também me diziam que iam matar as crianças. Chegaram a falar que a Janaína já estava morta dentro de um caixão.”

Amelinha conta seu martírio no vídeo abaixo.

Sindicato repudia ataques contra Amelinha durante a campanha eleitoral

Nos últimos dias, Amelinha Teles e sua família vêm sendo vítimas de ataques nas redes sociais após ela ter relatado na propaganda eleitoral as torturas sofridas na ditadura. O Sindicato presta solidariedade à Amelinha e sua família, e repudia esses ataques com conotação fascista, bem como qualquer forma de tortura  e tratamento desumano ou degradante, como determina a Constituição Federal do Brasil. 

Vladimir Herzog

Nesta quinta-feira, 25 de outubro, completam-se 43 anos da morte sob tortura do jornalista da TV Cultura Vladimir Herzog. A fim de tentar mascarar o crime, os agentes da repressão divulgaram que ele havia se suicidado por enforcamento. Era comum que o governo militar divulgasse que as vítimas dos seus assassinatos haviam se suicidado. 

No laudo, foram anexadas fotos que mostravam os pés do prisioneiro tocando o chão, com os joelhos flexionados - posição que impossibilitaria o enforcamento.

 

O episódio gerou uma onda de protestos de toda a imprensa mundial em prol dos direitos humanos na América Latina e representou um marco na luta contra o regime ditatorial, impulsionando fortemente o movimento pelo seu fim. 

A filmografia nacional dispõe de vários títulos que evidenciam a barbárie da tortura

- Batismo de Sangue
- Zuzu Angel
- O que é isso, companheiro?
- Pra Frente Brasil
- O Ano que Meus Pais Saíram de Férias
- O Dia que Durou 21 anos
- Lamarca

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