
O empresário Ricardo Faria, conhecido como o "Rei do Ovo", voltou aos holofotes recentemente após conceder uma entrevista à Folha de S. Paulo, na qual criticou o Judiciário, as leis trabalhistas brasileiras e, em tom de absoluto preconceito de classe, afirmou que os mais pobres estariam "viciados" no Bolsa Família.
Segundo ele, o programa social impediria as pessoas de aceitarem empregos: "Não temos nem a chance de trazer essas pessoas para treinar e conseguir dar uma vida melhor, porque elas estão presas no programa", declarou.
Mas basta olhar os números para perceber que essa teoria não se sustenta. Dados recentes do IBGE mostram que a taxa de desemprego no Brasil ficou em 6,6% no trimestre encerrado em abril, um dos menores índices da série histórica. Além disso, houve aumento do emprego formal e redução da informalidade, demonstrando um avanço qualitativo no mercado de trabalho.
Mão de obra descartável
A retórica do "trabalhador preguiçoso", usada por Faria e outros empresários, não é nova. Faz parte de uma mentalidade historicamente enraizada no Brasil, que remonta aos tempos coloniais e escravocratas, quando as elites viam a classe trabalhadora como mão de obra descartável, incapaz de reivindicar direitos ou melhores condições de vida. Esse discurso ressurge sempre que setores empresariais se veem contrariados por políticas de inclusão social.
Curiosamente, enquanto o empresário ataca um programa que garante o mínimo de dignidade a milhões de brasileiros, ele próprio não abre mão do apoio estatal para expandir seus negócios. De acordo com levantamento do site Metrópoles, entre 2007 e 2024, Ricardo Faria obteve pelo menos 71 empréstimos junto ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), um dos principais instrumentos de fomento público no país.
Ou seja, quando se trata de recursos para os mais pobres, é "assistencialismo". Mas quando o dinheiro vai para grandes empresários, passa a ser chamado de "incentivo ao empreendedorismo".
Bolsa Família
O Bolsa Família, por sua vez, é reconhecido internacionalmente como uma das mais bem-sucedidas políticas de combate à pobreza. Criado para garantir segurança alimentar, reduzir desigualdades e manter crianças e adolescentes na escola, o programa contribuiu ao longo dos anos para tirar milhões de brasileiros da extrema pobreza. Diversos estudos apontam que o Bolsa Família não desestimula o trabalho – pelo contrário, serve como uma rede de proteção que permite que as pessoas busquem empregos melhores e escapem de ciclos de miséria.
Vale lembrar que, além de garantir uma renda mínima para famílias em situação de pobreza, o Programa Bolsa Família tem como objetivo integrar políticas públicas e fortalecer o acesso a direitos básicos como saúde, educação e assistência social. A principal regra para o ingresso no programa é que a renda por pessoa da família seja de, no máximo, R$ 218 por mês.
Diante desse contexto, é inadmissível que um empresário, cuja fortuna pessoal e receita anual ultrapassam R$ 1 bilhão, critique uma política pública essencial para a sobrevivência de milhões de brasileiros. Trata-se de um discurso que ignora a realidade da fome, da desigualdade e da exclusão social, além de desrespeitar a luta diária dessas famílias por dignidade e melhores condições de vida.
É preciso, portanto, superar discursos rasos e preconceituosos, que criminalizam a pobreza e invisibilizam o real papel do Estado na estruturação tanto das oportunidades para os mais ricos quanto das políticas de proteção para os mais pobres. O debate sobre desigualdade precisa ser feito com dados, responsabilidade social e, sobretudo, respeito pela dignidade de quem luta todos os dias para sobreviver.
