
Nos últimos dias, uma dura resposta de deputados ao governo revelou o profundo impasse em torno da proposta de reforma tributária e das medidas relacionadas ao orçamento público. Os parlamentares foram categóricos: não vão aprovar nenhuma alteração tributária que não venha acompanhada de cortes significativos nos gastos públicos. Esse posicionamento coloca em evidência interesses poderosos e conflitos que vão além da simples questão fiscal.
A disputa pelo orçamento público fica escancarada. Quando falam em cortes nos gastos públicos, estão se referindo ao fim da política de valorização do salário mínimo, ao fim dos reajustes reais das aposentadorias e dos auxílios de prestação continuada, além da criação de novas formas para restringir a concessão de benefícios. Na prática, querem empobrecer os mais pobres, mas não discutem os incentivos fiscais que as empresas recebem.
Pressão do andar de cima
Mas o que está em jogo? Na essência desse embate está o lobby intenso de setores como o sistema financeiro, o setor produtivo e partidos políticos que já começam a mirar as eleições futuras. O setor financeiro, especialmente os bancos, têm interesse em manter a carga tributária sobre eles inalterada ou até reduzida, dada sua forte influência e capacidade de pressão. O setor produtivo, por sua vez, defende que impostos mais altos podem afetar a geração de empregos e a competitividade das empresas brasileiras. Já os partidos políticos utilizam esse momento para garantir apoio e construir bases eleitorais.
Alguns empresários têm reclamado que o governo "gasta muito" com o Bolsa Família e que, por isso, as pessoas não querem mais aceitar empregos com salários de fome. No entanto, os dados mostram uma realidade bem diferente. O custo dos incentivos fiscais tributários para empresas foi de R$ 331,6 bilhões. Em relação ao Bolsa Família, só em 2024, foram mais de 20,8 milhões de famílias contempladas, ao longo de 12 meses, em todos os municípios do Brasil, com mais de R$ 168,3 bilhões transferidos. O problema, portanto, não está nas políticas sociais, mas na escolha de manter um modelo econômico que privilegia os de cima e naturaliza salários que não garantem condições mínimas de sobrevivência.
Justiça Fiscal
O que está em foco para nós trabalhadores é uma maior justiça fiscal. A proposta central é que os mais ricos paguem uma parcela maior de impostos, permitindo que o Estado invista prioritariamente em programas sociais. Em resumo: é necessário reduzir as desigualdades sociais e fortalecer o papel do Estado na promoção do bem-estar da população.
Em meio à cobrança para que o governo corte seus gastos, o presidente da Câmara, deputado Hugo Motta, apresentou um projeto de lei que autoriza parlamentares a acumularem a aposentadoria de ex-deputados federais com o salário de qualquer mandato eletivo, seja no Congresso, nas assembleias legislativas, nas câmaras municipais ou no Executivo. O Senado também pretende votar um projeto que aumenta de 513 para 531 o número de parlamentares da Câmara dos Deputados. Ampliar a remuneração dos deputados é legítimo para Motta, assim como piorar a remuneração de quem mais precisa como trabalhadores aposentados.
Esta narrativa tem sido amplamente difundida pela mídia tradicional o que gera desinformação e afeta a própria popularidade do Governo. Querem aproveitar este cenário para dificultar a aprovação das medidas fiscais apresentadas pelo Ministério da Fazenda.
Correção de distorções
Enquanto trabalhadores e a população de baixa renda seguem pagando impostos em folha ou no consumo de produtos básicos, setores como as fintechs e as plataformas de apostas digitais – as chamadas bets – vêm acumulando lucros bilionários com baixíssima tributação. A proposta do Governo busca corrigir essas distorções: as fintechs, como Nubank e outras, passarão a ter uma tributação compatível com a dos grandes bancos. Já as bets, que movimentam cerca de R$ 40 bilhões ao ano de lucro bruto, começarão a pagar uma alíquota mais justa, destinada a financiar políticas sociais, como a saúde. Em vez de penalizar os mais pobres com cortes em salários, aposentadorias ou serviços públicos, a escolha é fazer com que quem mais lucra também contribua mais. A pergunta que fica é: vamos continuar protegendo os que vivem de privilégios ou construir um sistema tributário mais justo?
A discussão vai além do valor gasto e envolve também a questão de quem paga mais impostos e onde o governo escolhe gastar esse dinheiro. No Brasil, a carga tributária é fortemente concentrada no consumo, o que significa que os mais pobres proporcionalmente pagam mais impostos do que os mais ricos, já que gastam quase toda a sua renda em bens de consumo básico. Mesmo assim, grande parte dos recursos arrecadados acaba sendo destinada a benefícios para o setor privado e isenções fiscais para os mais ricos, enquanto os programas sociais, que atendem às camadas mais vulneráveis, são constantemente questionados. Isso levanta uma pergunta central: por que o governo pode gastar bilhões com benefícios para os ricos, mas é sempre tratado como um problema quando investe nos pobres? A escolha de onde o Estado coloca seu dinheiro é uma decisão política, que revela de que lado ele está: do lucro de poucos ou da proteção de muitos.
