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Seminário: trabalho tem sofrimento e resistência

Linha fina
Para palestrante, reconhecimento como parte de uma categoria, profissão ou coletivo, pode transformar sofrimento em prazer
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São Paulo - Do chão de fábrica passando pelo comércio, bancos, escolas, hospitais, trabalho doméstico, penitenciárias paulistas até as universidades. Em todos esses ambientes o sofrimento caminha junto à resistência, conforme apontaram as palestrantes que ocuparam o auditório do Sindicato dos Professores do Estado de São Paulo (Apeoesp), nesta quarta-feira 5 durante o seminário Sofrimento Psíquico no Trabalho: Mulher Trabalhadora na (Des)construção do Cinismo Viril.

A atividade foi organizada pela Secretaria da Mulher Trabalhadora da CUT São Paulo (SEMT-CUT/SP) e pela Escola Sindical São Paulo, como resultado de um grupo de estudo formado por mulheres de diferentes categorias e que teve como base a obra “A banalização da injustiça social”, do psicanalista francês e especialista em medicina do trabalho, Christophe Dejours.

Psicanalista e professora do Instituto Sedes Sapientiae Cleide Monteiro afirmou que todo o trabalho envolve sofrimento. “Ele põe à prova o domínio de um fazer e saber que o trabalhador deseja ter sobre seu objeto de trabalho e que em muitos momentos ou ocasiões, surpreendentemente, não se verifica.”

Junto a este sofrimento, explica a socióloga e psicanalista Débora Felgueiras, sempre haverá algo inusitado ou novo que irá desafiar a execução do trabalho.  “A isso Dejours chama de real. Esta situação implicará em um empenho intelectual e emocional do trabalhador que buscará resolver a questão. Esse desafio causa sofrimento, mas se for criada uma solução, poderá se transformar em realização através do reconhecimento do trabalho”, diz.

Por outro lado, completa Cleide, o reconhecimento do esforço e da trabalhadora como parte de uma categoria, profissão ou coletivo, assim como em outros extratos sociais imprime reconhecimento e pode transformar o sofrimento em prazer.

Essa relação entre sofrimento e prazer foram questões debatidas pelas mulheres ao longo de um ano e meio, segundo a secretária da Mulher Trabalhadora da CUT São Paulo, Sônia Auxiliadora, que tratou como a pressão se manifesta em uma sociedade marcada por cargos de lideranças comandados majoritariamente por homens. “Estudamos no campo da psicologia aquilo que nós mulheres vivenciamos no cotidiano, em ações de assédio moral ou sexual”, exemplificou a dirigente.  

O seminário teve também transmissão ao vivo e contou com a participação à distância de trabalhadoras de outras regiões, como a secretária de Formação do Sindicato dos Servidores Públicos Municipais de Caçapava, Ana Paula. A dirigente conta que a opressão, quando tratada como algo inerente à busca da meta, pode levar a um ação extrema adotada pela trabalhadora.

“As relações de opressão se dão de forma velada. Tivemos o caso de uma servidora que cometeu suicídio. Dias antes ela havia sido humilhada no local de trabalho, mas não foram feitas investigações para tratar a fundo o caso”, explica a dirigente, para quem a conjuntura econômica pode contribuir para isso.

Segundo o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), 700 mil acidentes e 2,7 mil mortes acontecem por ano no Brasil, relacionadas ao ambiente do trabalho. Ao citar o adoecimento, em terceiro lugar, aparecem questões mais complexas como transtornos mentais e comportamentais, depressão, ansiedade e estresse.

Resistências - Débora pontua que a divisão capitalista do trabalho, feita entre os que pensam e os que executam, resvala na saúde nos trabalhadores. “Os administradores não conhecem, nem pensam o processo produtivo, mas constroem objetivos e metas. Eles precisam acreditar na ideologia do fim do trabalho e irão se basear nas expectativas do mercado, de lucratividade e crescimento”.

A organização do trabalho, segundo Cleide, faz parte das forças que empurram os trabalhadores para a doença mental. “Isso se dá por meio do impacto sobre o aparelho psíquico que é o sistema que, desde a sua origem envolve a intersubjetividade, através das experiências da vida que se inscrevem nos registros corpóreo, sensório, motor, imaginário, cognitivo e afetivo”, explana.

Neste cenário que envolve mundo do trabalho, o indivíduo e as relações, se constrói também a coragem viril, diz Débora, que atribui também prestígio aos opressores. “É a coragem daquele que demite, submete o outro ao sofrimento, assedia moralmente. Essas pessoas, na estratégia coletiva de defesa do cinismo viril, são consideradas corajosas, fortes, solidárias entre seus pares violentos”.

Cleide lembra que assim se desenvolve o cinismo viril, uma crença de que o indivíduo ou o coletivo precisam enfrentar toda e qualquer situação no trabalho para vencerem nas relações, ainda que as ações sejam perversas e tragam consequências.

Para Débora, as mulheres se diferenciam dos homens neste sentido. “Os homens buscam construir explicações totalizantes, assim como sua construção psicossocial é do não castrado, enquanto as mulheres, seres castrados, podem construir lacunas, menos totalizantes e, portanto, mais próximas do real”, afirma, ainda que pondere não ser uma avaliação rígida, levando-se em consideração a construção dos indivíduos e dos “tipos ideais”.

Pela mulher trabalhadora, Débora acredita, contudo, que a desconstrução do cinismo viril começa por assumir a capacidade de reconhecer o real.  “É preciso ter a coragem feminina de olhar e analisar as situações que surgem de forma inusitada no dia a dia e que trazem sofrimento. E pensar como solucionar isso, como agir diante do novo emergente. Essa prática talvez possa ser feita por mulheres, mas acredito que também por homens que se identificam com construções psicossociais femininas”, conclui.


Vanessa Ramos, da CUT São Paulo - 7/8/2015
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