
Nesta quinta 28, foi realizada uma megaoperação do MP-SP (Ministério Público de São Paulo), MPF (Ministério Público Federal) e polícias Federal, Civil e Militar, realizada em oito estados, com a atuação de 1.400 agentes, para cumprir mandatos de prisão, e de busca e apreensão – 42 deles na Avenida Faria Lima, corredor financeiro da capital paulista - com o objetivo de desarticular um esquema bilionário de adulteração de combustíveis e lavagem de dinheiro comandado por membros do PCC (Primeiro Comando da Capital).
A megaoperação Carbono Oculto revelou que a organização criminosa controla cerca de 40 fundos de investimento, com patrimônio de R$ 30 bilhões, e utiliza fintechs para lavagem de dinheiro, ocultação de patrimônio e financiamento de importadoras que adquirem, no exterior, produtos necessários para o esquema de adulteração como, por exemplo, nafta, hidrocarbonetos e diesel.
Entre as principais empresas alvo da operação está o BK Bank, fintech utilizada pelo PCC para movimentar dinheiro por meio de contas bolsão. De acordo com a Receita Federal, a fintech atuaria como banco paralelo da organização e teria movimentado R$ 46 bilhões não rastreáveis entre 2020 e 2024.
Os investigadores afirmam que a utilização de instituições de pagamentos como fintechs, ao invés de bancos tradicionais, tem o objetivo de dificultar o rastreamento do dinheiro.
“A organização criminosa PCC está associada a uma rede de organizações criminosas, cujos vínculos são estabelecidos de forma permanente ou eventual, e convergente, de modo a assegurar a efetividade das atividades econômicas ilícitas, notadamente por meio da sua inserção na economia formal, como é o setor de combustível e o sistema financeiro”, afirma o Ministério Público de São Paulo.
“Nos últimos anos, o Banco Central, principalmente na gestão Campos Neto, incentivou a proliferação de fintechs argumentando que elas ajudariam a reduzir juros e elevar o crédito no país. Elas não ajudaram nessas questões e ainda trouxeram novos problemas como o aumento das fraudes digitais e a utilização dessas empresas pelo crime organizado. Isso se deve em boa medida a pouca regulação a que as fintechs estão submetidas e a própria falta de fiscalização adequada dos órgãos reguladores. Por isso, quando falamos em regulação do sistema financeiro nacional, o debate de regras de atuação mais rígidas e maior fiscalização para as fintechs é indispensável”, enfatiza Gustavo Cavarzan, doutor em Economia Social e do Trabalho pela Unicamp e técnico do Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos).
Regulamentação é bandeira de luta do Sindicato
O Sindicato vem alertando há tempos para a necessidade de regulamentação do sistema financeiro nacional, especialmente de instituições financeiras não bancárias como as fintechs. Esta é uma das bandeiras de luta do movimento sindical bancário, que conta fortíssima mobilização das entidades representativas da categoria.
Hoje, as fintechs e outras instituições de pagamentos, apesar de na maior parte dos casos se apresentarem como bancos, são submetidas pelo Banco Central a regras muito mais brandas do que as aplicadas aos bancos tradicionais em termos de tributação, fiscalização, segurança de dados e obrigações trabalhistas.
O Sindicato é favorável a uma regulamentação do sistema financeiro que submeta as fintechs a mesma carga tributária, fiscalização, normas de segurança de dados e obrigações trabalhistas dos bancos, enquadrando os funcionários destas empresas como bancários.
“A regulamentação do sistema financeiro nacional é uma das nossas grandes bandeiras de luta, um tema de intensas mobilizações da categoria bancária. Defendemos e lutamos há tempos por uma regulamentação que corrija as atuais distorções. Esta necessária regulamentação beneficiaria não só os trabalhadores das fintechs, que atuam como bancários, mas não contam com os mesmos direitos e remuneração, como também toda a sociedade brasileira, uma vez que aumentaria a arrecadação, traria mais segurança ao sistema financeiro nacional e facilitaria o combate ao crime organizado, que hoje encontra brechas para lavagem de dinheiro e ocultação de patrimônio nas regras mais brandas aplicadas para fintechs”
Neiva Ribeiro, presidenta do Sindicato e uma das coordenadoras do Comando Nacional dos Bancários
“A partir de amanhã, a Receita Federal enquadra as fintechs como instituições financeiras. As fintechs terão que cumprir rigorosamente as mesmas obrigações que os grandes bancos. Com isso, aumenta o potencial de fiscalização da Receita e a parceria com a Polícia Federal para chegar nos sofisticados esquemas de lavagem de dinheiro que o crime organizado tem utilizado", declarou o ministro da Fazendo, Fernando Haddad, em entrevista concedida à Globo News nesta quinta 28.
Como funcionava o esquema de adulteração de combustíveis
Segundo as investigações, o esquema funcionava principalmente a partir da importação de metanol, que não era entregue aos destinatários que constavam nas notas fiscais. O metanol era desviado e levado aos postos e distribuidoras ligadas ao PCC, onde era utilizado para adulterar os combustíveis.
Os consumidores seriam lesados de duas formas: pagando por um quantidade inferior a informada na bomba (fraude quantitativa); e adquirindo combustíveis adulterados (fraude qualitativa).
Além disso, proprietários de postos que venderam seus estabelecimentos para pessoas ligadas ao grupo criminoso não foram pagos e foram ameaçados de morte caso fizessem qualquer tipo de cobrança.
“O produto e proveito das infrações econômicas e penais foram realocados em uma complexa rede de interpostas pessoas que ocultam os verdadeiros beneficiários em camadas societárias e financeiras, especialmente em shell companies, fundos de investimento e instituições de pagamento. Parcela substancial desses recursos sem lastro financiou a aquisição de usinas sucroalcooleiras e potencializou a atuação do grupo que absorveu em sua estrutura criminosa distribuidoras, transportadoras e postos de combustíveis”, informou a Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo.
A investigação identificou mais de 300 postos de combustíveis ligados ao esquema. Porém, de acordo com informações do portal G1, o setor de combustíveis estima um impacto ainda maior, cerca de 30% dos postos de todo o estado de São Paulo.
Além de lesar consumidores e financiar o conjunto de atividades criminosas do PCC, o esquema de adulteração de combustíveis trouxe um prejuízo bilionário para os cofres públicos. Segundo a Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo, o montante de impostos sonegado supera os R$ 7 bilhões.
“Esta não é a primeira investigação que joga luz na utilização de fintechs e outras instituições financeiras não bancárias para lavagem de dinheiro e movimentação de recursos de organizações criminosas, que se aproveitam das regras de fiscalização mais brandas aplicadas para estas empresas. É urgente que sejam corrigidas as atuais distorções no sistema financeiro nacional para que se faça justiça aos trabalhadores das fintechs, enquadrando-os como bancários, e aplicando as mesmas normas tributárias e de fiscalização as quais os bancos são submetidos. É uma questão de justiça trabalhista, tributária e também de segurança pública”, conclui a presidenta do Sindicato.
