São Paulo – Em um cenário onde a economia torna-se cada vez mais dependente do setor financeiro, que por sua vez atinge lucros cada vez mais elevados e se utiliza cada vez mais da tecnologia para dispensar mão de obra e aumentar seus ganhos, como essa realidade reflete no ambiente de trabalho e na qualidade do serviço prestado aos consumidores?
Para responder a essa e a outras questões, a professora e pesquisadora da Faculdade 28 de Agosto Ana Tercia Sanches se debruçou sobre as mudanças que o setor bancário vivenciou nas últimas décadas, principalmente na virada do século – quando uma onda de privatizações e fusões varreu os bancos brasileiros, que passaram a ofertar ações em Wall Street.
A tese de doutorado resultou no livro Trabalho Bancário – Inovações Tecnológicas, Intensificação e Gestão por Resultados. A obra foi lançada na segunda-feira 4, na sede do Sindicato.
A conclusão do estudo é que a partir desse novo cenário que começou a surgir no fim dos anos 1990, a busca pela lucratividade por meio da pressão por resultados se intensificou, e desabou diretamente sobre os trabalhadores, derivando dos altos executivos (que recebem bônus milionários resultantes dos lucros dos bancos) em um efeito cascata sobre todos os subordinados. Para consagrar essa pressão, os bancos criaram os programas de metas de curto prazo, sendo abandonada a valorização da carreira no médio e longo prazo.
Epidemia – Ana Tercia ressalta que essa estrutura organizacional implantou uma epidemia de adoecimentos físicas e cada vez mais psicológicas. Em 2015, pela primeira vez, a ocorrência de doenças mentais superou as LER/Dort como maior motivo de afastamentos no setor.
“E a sociedade também perde com isso, porque é obvio que se há uma pressão muito grande por produtividade, com cada vez menos trabalhadores, isso tudo acaba levando a uma deterioração da qualidade dos serviços, não por culpa dos trabalhadores, mas pela forma como essa estrutura organizacional está montada, visando principalmente a obtenção de lucros cada vez maiores”, argumenta Ana Tércia Sanches, que também é dirigente sindical bancária.
O livro aponta que as mudanças provocadas pelos avanços tecnológicos no setor não se dão somente na relação entre cliente e banco ou no direcionamento de recursos para canais digitais de atendimento, em detrimento das unidades físicas. Impactam também na chamada gestão por resultados. “Hoje, um gestor pode monitorar os resultados de uma agência em tempo real, à distância. Se os trabalhadores batem a meta do dia no período da manhã, por exemplo, o gestor pode reposicionar a meta e exigir mais do que o cobrado inicialmente da equipe.”
Contraponto – De acordo com a pesquisadora, a obra é um contraponto à imagem que os bancos propagam sobre seu ambiente de trabalho e destacou sua relevância diante do atual momento, quando a lei da terceirização e a reforma trabalhista – ambas defendidas pelas instituições financeiras – foram aprovadas no Congresso Nacional e sancionadas pelo presidente Michel Temer, e que precarização ainda mais as relações de trabalho.
“Quando você olha as propagandas na televisão, é um fascínio muito grande trabalhar nos grandes bancos. São obras de arte, são prédios futuristas, é um discurso extremamente colado na modernidade, quem não quer trabalhar em um lugar assim? É muito difícil competir com a narrativa dos bancos e da grande mídia, que desqualifica a atuação dos sindicatos. Mas o momento pede mais, sobretudo por causa da reforma trabalhista e da lei da terceirização, que caíram como uma bigorna na cabeça da gente, e que e foram encomendadas pelos bancos.”
Liturgia do Poder – O lançamento contou com a participação de outros acadêmicos que jogaram luz sobre o ambiente de trabalho bancário em outras épocas. A professora doutora da PUC e da Unicamp Liliana Segnini passou quatro anos inserida na sede do Bradesco, nos anos 80, estudando a estrutura organizacional da empresa. O resultado dessa imersão foi o livro Liturgia do Poder, lançado em 1989, onde a acadêmica evidencia que o banco forma parte considerável da sua mão de obra, desde a infância, sob preceitos como disciplina, respeito à hierarquia, e difunde a ideia de que qualquer um pode chegar à presidência do banco.
Ela também ressaltou que o Bradesco passou a priorizar a contratação de mulheres, mas não por defender uma questão de igualdade de gênero, e sim porque os salários pagos a elas são mais baixos, e porque a empresa tem a ciência de que quando se tornarem mães, suas carreiras quase sempre acabam estagnando.
Resistência X concentração – O doutor pela USP e coordenador do curso de Administração da Faculdade 28 de Agosto, André Accorsi, é autor de teses de mestrado e doutorado sobre automação nos bancos. Seu mestrado verificou que com o aumento do número de mulheres na categoria bancária e com o avanço da automação, o aumento da folha salarial foi contido, os ganhos não foram repassados aos trabalhadores e a lucratividade dos bancos aumentou.
Ele afirmou que se as categorias bancárias não estiverem suficientemente organizadas para resistir e cobrar uma parte do aumento da produtividade gerada pelo avanço teconológico, os lucros dos bancos se concentrarão cada vez mais nas mãos dos seus controladores. “Junte-se a isso que de vez em quando o Banco Central [órgão regulador] aprova medidas como o banco múltiplo, que foi terrível para a categoria bancária, junto com a automação, ao permitir que várias empresas bancárias pudessem se fundir, demitindo milhares de trabalhadores.”
O pós-doutor pela Universidade de Cambridge (Reino Unido) Iram Jácome Rodrigues ressaltou que a obra de Ana Tercia atualiza a discussão sobre o trabalho bancário, e sublinhou que o número de postos de trabalho nos bancos diminuirá cada vez mais e sofrerá mudanças significativas por conta da terceirização e da reforma trabalhista, aprovadas neste ano. “Nessa conjuntura de desmonte dos direitos, como os sindicatos vão atuar frente a esses tempos difíceis? São questões que o texto da Ana nos coloca.”
Colocando em prática o conhecimento – A presidenta do Sindicato, Ivone Silva, emendou abordando as ações do movimento sindical para assegurar os direitos da categoria frente à nova realidade. Citou cláusulas da Convenção Coletiva de Trabalho que proíbe cobrança de metas pelo WhatsApp, e a dos centros de requalificação e relocação para garantir os postos de trabalho diante do avanço tecnológico.
“Ou seja, colocamos na prática o conhecimento que está descrito no livro fazendo a luta para que o Sindicato possa defender os direitos dos bancários frente às novas tecnologias e à nova realidade do mercado de trabalho. É um livro muito importante para toda a categoria bancária, parabéns, Ana Tercia.”