Se a categoria bancária tivesse de ser definida por um sinônimo, o termo vanguarda certamente caberia muito bem. Os empregados de bancos e suas entidades representativas foram os primeiros, em 26 de outubro de 1992, a assinar uma Convenção Coletiva de Trabalho (CCT) com validade nacional para diferentes empresas privadas. Nesse caso, as instituições financeiras. E até hoje são os únicos a ter direitos iguais para trabalhadores de bancos privados e, desde 2003 também os públicos, em todo o Brasil.
Em 1982, os bancários unificaram sua data base em todo o Brasil para 1º de setembro. Durante uma década inúmeras reuniões e debates entre representantes de bancários e de bancos foram realizadas até que se chegasse à CCT sacramentada em 1992. Naquele ano, o Departamento Nacional dos Bancários (DNB) se tornaria a Confederação Nacional dos Bancários (CNB), dando ainda mais força à unidade da categoria e levando à criação da Confederação dos Trabalhadores do Ramo Financeiro (Contraf-CUT).
Essa unidade foi construída com muitos embates. Nos anos 1980, as federações e a Contec (a confederação oficial até então) não promoviam a luta. A construção da DNB, CNB, Contraf foi um processo inteligente e mobilizador para trazer os principais sindicatos para a nova estrutura que se desenhava. As federações burocráticas, de então, tiveram de se juntar à mesa.
Presidente do Sindicato e bancário do Banerj à época, Gilmar Carneiro é personagem e artífice dessa história. Em entrevista de 2010, relatou que até a década de 1990 a maioria das decisões trabalhistas acontecia com a intervenção da Justiça, com a instauração de dissídio.
Tanto que por muito tempo se confundiram os termos “dissídio” e “acordo” como se fossem sinônimos. Dissídio é quando não se chega a um acordo por meio da negociação direta entre as partes. Daí, uma delas aciona a Justiça do Trabalho para mediar ou decidir, por exemplo, o percentual do reajuste.
“E sempre defendemos que as questões salariais têm de ser resolvidas na mesa de negociação. Assim, essa convenção foi fruto de um grande processo de diálogo não só com os bancos, mas também com os sindicatos de todo o país”, lembrava. “Uma unidade perseguida há muitos anos e que havia sido sufocada pela ditadura militar.”
Gilmar Carneiro, baiano de Serrinha, faz parte de um grupo de militantes fundamentais para o movimento dos trabalhadores, que retomou o Sindicato das mãos da direita no final dos anos 1970, na época da ditadura.
Entrou para a diretoria da entidade em 1979, após concluir o curso de Administração de Empresas na Fundação Getúlio Vargas (FGV). Assumiu a vice-presidência da entidade em 1982 e viveu o difícil período da intervenção de 1983. Presidiu o Sindicato de 1988 a 1994 e só deixou a diretoria da entidade em 1997. Até hoje, permanece conectado ao movimento sindical e tem na sede dos bancários uma “segunda casa”, como disse em entrevista à Folha Bancária especial de 90 anos do Sindicato.
Foi ele mesmo, aliás, um dos responsáveis pela aquisição dessa “casa”. Foi na sua gestão que o Sindicato adquiriu, para o patrimônio da categoria, os andares onde até hoje a entidade está instalada, no tradicional Edifício Martinelli, no centro de São Paulo.
Evolução orgânica
A construção da CCT nacional , tendo como pano de fundo as novas federações estaduais (como as Fetecs ou Fetrafis), a CNB/Contraf foram uma evolução orgânica dos instrumentos de consolidação desse novo sindicalismo, forjado por Augusto Campos, Luiz Gushiken, Gilmar Carneiro: o sindicato cidadão.
“Nossa CCT, foi o primeiro e ainda é até hoje o único ramo no setor privado que tem acordo coletivo nacional”, orgulha-se, descrevendo esse processo. “Num primeiro momento, as pessoas vão procurar emprego e aí surgem as primeiras reivindicações. Se o sindicato da categoria for esperto, ele busca ter documento legal, acordado entre patrões e empregados.”
E alerta. “No Brasil, mesmo tendo Convenção nacional, é necessário haver transparência. Os patrões tentam pagar baixos salários e benefícios, os trabalhadores tentam aumentar os benefícios, eles precisam lutar muito.” E isso, num contexto em que “a Justiça do trabalho está sempre ao lado dos patrões”, avalia Gilmar.
CUT para melhorar a vida dos trabalhadores
Gilmar Carneiro participou ativamente da fundação do Partido dos Trabalhadores (PT) e da Central Única dos Trabalhadores. “Criamos a CUT para melhorar as condições de trabalho de todas as categorias”, afirmou em seu depoimento sobre os 100 anos do Sindicato. Gilmar foi diretor nacional de comunicação e secretário-geral da central.
“Para se contrapor à força dos patrões, os trabalhadores se organizam como classe trabalhadora e fazem pressão”, reforça, Gilmar, lembrando a importância do apoio das centrais sindicais, do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) nessa luta. “Ter data-base também ajuda muito.”
Gilmar lembra que, por meio da CUT, os trabalhadores denunciaram para o mundo todo a morte do seringueiro Chico Mendes, na Amazônia, em 1988. E a partir do engajamento nessa luta, as pessoas passaram a refletir sobre a importância da cidadania. Com isso, destaca ele, um brasileiro comum passou a ter um representante, um sindicato forte, junto à CUT e ao PT. “A partir daí conseguimos formar lideranças e passamos a eleger vereadores, deputados e até o presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva.”
CCT que se fortalece
De lá para cá, a CCT, que nasceu com 46 cláusulas acordadas por livre negociação na campanha salarial de 1992 (baixe aqui a CCT na íntegra), chegou em 2024 a 143 cláusulas . Ao longo dos anos, a CCT passou a contemplar garantias que vão muito além das salariais, do emprego, de segurança e saúde nos locais de trabalho. Os debates foram se ampliando e a ideia de sindicatos que se preocupam com a qualidade de vida do trabalhador para além das agências e departamentos foi tomando corpo mais e mais.
Este ano, por exemplo, a categoria bancária viu serem ampliados direitos das mulheres, dos LGBTQIA+, das pessoas transgênero, das pessoas com deficiência, dentro do banco e também como cidadãos. Assim, cláusulas de combate ao assédio sexual, moral, à violência doméstica, requalificação para a área de tecnologia da informação, igualdade salarial, respeito à diversidade, enfim, buscam conscientizar as instituições financeiras sobre um papel social do qual não podem prescindir. Inclusive sobre sua atuação em situações de mudanças climáticas, um tema que não pode estar de fora de nenhuma mesa de negociação que tenha por objetivo construir parâmetros em favor de um mundo melhor.
Quando da assinatura da Convenção, este ano, a presidenta do Sindicato, Neiva Ribeiro, ressaltou a força dessa negociação coletiva. “Renovamos nossa CCT nacional, que é pioneira em várias conquistas e é exemplo para o movimento sindical como um todo. Cerca de 85% dos direitos previstos na nossa Convenção estão acima do que determina a legislação trabalhista.”