Pular para o conteúdo principal

Comissão do Congresso vota contra domésticas

Linha fina
Colegiado aprova também flexibilização do conceito de trabalho escravo e dificulta vida dos servidores
Imagem Destaque

São Paulo - O clima de ressaca eleitoral no Congresso Nacional escreveu mais um capítulo nessa terça 11 com o avanço das forças conservadoras sobre direitos trabalhistas.

A Comissão Mista de Regulamentação de Dispositivos Constitucionais, comandada pelo senador Romero Jucá (PMDB-RR) e pelo deputado federal Cândido Vaccarezza (PT-SP), aprovou pereceres sobre projetos que regulam o trabalho doméstico, o direito à greve dos servidores públicos e o conceito de trabalho escravo. Sem acordo com a classe trabalhadora e os movimentos sociais, todos trazem retrocesso em relação aos textos originais.

O item mais próximo de ser votado é o Projeto de Lei Complementar (PLP) 302/2013, que regulamenta os direitos das domésticas. Relator da matéria, Jucá rejeitou todas as emendas, inclusive a proposta pela deputada Benedita da Silva (PT-RJ), que tem apoio da CUT.

Com isso, o registro das trabalhadoras que exercem atividade de até 25 horas semanais, sendo quatro horas diárias, não será mais obrigatório e a multa de 40% do FGTS (Fundo de Garantia por Tempo de Serviço), em caso de demissão sem justa causa, também cai. O senador rejeitou ainda a sanção ao empregador que não cumprir a lei e dispositivos que permitiriam a fiscalização e participação mais efetiva dos sindicatos da categoria, como a discussão de um piso salarial. Além de permitir o fracionamento das férias em até dois períodos.

Para a secretária de Mulheres da CUT, Rosane Silva, o texto final afeta o princípio do projeto: a igualdade de direitos entre as domésticas e os demais trabalhadores. “É uma vitória capenga, porque deixa de reconhecer conquistas que já são realidade para outras profissões e mostra que, para alguns parlamentares, essas trabalhadoras continuam sendo consideradas de segunda categoria. O que vemos é a representação da direita tentando impor derrotas à agenda positiva vencedora das últimas eleições”, analisou.

A matéria está pronta para ir ao plenário da Câmara para ser votada e, caso seja alterada, seguirá para análise no Senado. Se não houver emenda, dependerá apenas da sanção presidencial.

Servidores - O relatório de Jucá para o anteprojeto de lei que regulamenta o exercício de greve dos servidores públicos também traz prejuízos à classe trabalhadora.

O primeiro deles é apontar que 60% dos servidores de setores essenciais deverão manter as atividades em caso de paralisação. E complementa ampliando o conceito de essencial para quase todo o funcionalismo. Determina ainda que os dias parados serão descontados e não contarão no tempo de contribuição previdenciária e permite a substituição dos grevistas após decisão judicial.

Segundo o secretário-adjunto de Relações do Trabalho da CUT, Pedro Armengol, o deputado Romero Jucá descumpriu acordo com as centrais sindicais ao aprovar o texto sem consenso. “Na última reunião que tivemos antes das eleições, ficou acordado que voltaríamos a conversar após o pleito, porque não há acordo sobre o conteúdo. Esse projeto não regulamenta, ao contrário, inibe o direito de paralisação do funcionalismo. Não podemos discutir essencialidade dos serviços, porque todos são fundamentais para a população, e sim quais atividades são inadiáveis. A proposta já parte de um princípio sobre o qual os trabalhadores e os parlamentares têm visões diferente”, explica.

O dirigente lembra também que não é possível aprovar um texto que regulamente a greve sem discutir outro que faça com que os governos abram negociação, conforme reforçaram as centrais em projeto entregue a Jucá. “Uma etapa é condicionante da outra”, diz.

O projeto aguarda leitura e numeração no Senado. Depois, será aberto o prazo para emendas e irá à Câmara.

Trabalho escravo - O pacote da Comissão Mista contra os trabalhadores incluiu também um parecer sobre o PLS 432/2013 (Projeto de Lei do Senado), que flexibiliza o conceito de trabalho escravo.

Jucá excluiu a Emenda 10, defendida pela CUT, e que aponta para a inclusão da jornada exaustiva e da atividade em condições degradantes no conceito de trabalho escravo. O projeto seguirá para a apreciação do Senado.

Para o secretário de Políticas Sociais da CUT, Expedito Solaney, o centro de toda a polêmica é o debate sobre a propriedade privada. “Ao estabelecer que os imóveis onde for flagrado trabalho escravo serão destinados à reforma agrária e à habitação popular, o projeto fez com que os representantes da bancada ruralista passassem a batalhar por essa flexibilização. A caracterização de trabalho degradante deve refletir o próprio conceito do trabalho escravo, expresso em características claras como a retenção do documento do trabalhador, a moradia no local do trabalho e o pagamento em forma de comida, material de higiene ou roupa, sem autonomia ou salário”.

Sem reforma política, retrocesso - Apesar da aprovação das propostas não ter caráter definitivo, o ataque aos direitos trabalhistas dá ideia do que o movimento sindical pode esperar até o final do ano e do próximo Congresso, que será formado por 46 representantes dos trabalhadores contra 190 dos empresários, conforme destacou o presidente nacional da CUT, Vagner Freitas. “Responderemos imediatamente. Vamos procurar os deputados, fazer atividades no parlamento e denunciar nos estados cada parlamentar que votou contra os trabalhadores. Vamos utilizar todos os meios que temos para impedir que essas propostas avancem”.

Para ele, porém, não basta discutir o efeito, é preciso combater a causa. “Essa votação deixa claro que eleger a Dilma foi apenas um passo. Precisamos ter um Congresso Nacional voltado aos interesses dos trabalhadores e, por isso, uma reforma política se faz necessária, com uma Constituinte específica e participação popular. Você percebe a distorção em relação a vontade da população quando elege um governo que afirma ter compromisso em não tirar direitos da classe trabalhadora e parlamentares financiados por empresários que atacam esses mesmos direitos”, acrescenta.

Empresários dominam – Um exemplo do que afirma Vagner é o próprio formato da Comissão Mista. Dos 11 titulares, apenas dois, a deputada Benedita da Silva e o senador Walter Pinheiro (PT-BA), são ligados aos trabalhadores.

Diante desse cenário, os parlamentares navegaram em águas calmas por questões polêmicas sem acatar as demandas do movimento sindical e sem realizar audiências públicas para debater propostas que têm grande impacto sobre cotidiano da classe trabalhadora.

Conforme observa a secretária de Relações do Trabalho da CUT, Graça Costa, o sentimento de derrota de alguns parlamentares não pode ser o norteador da democracia brasileira. “Vamos às ruas porque não admitmos que nossas conquistas sejam prejudicadas por uma disputa política de baixo nível.”


Luiz Carvalho, da CUT - 13/11/2014
 

seja socio