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Grandes empresas pagam bem menos por água

Linha fina
Segundo especialistas, medida da Sabesp desrespeita lei sobre recursos hídricos que determina prioridade para consumo humano
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São Paulo – Enquanto a população, sobretudo a mais pobre, enfrenta frequentes cortes de abastecimento de água e risco de um rodízio severo, a Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp) dispensa tratamento diferenciado a 500 grandes consumidores, que gastam muito e pagam bem menos por isso.

A informação foi divulgada pelo jornal El País, que obteve lista com 294 nomes de superclientes da Sabesp – 206 consumidores ainda permanecem em sigilo.  O documento oficial foi enviado pela própria Sabesp à CPI municipal que investiga os negócios da companhia com a Prefeitura de São Paulo.

Constam da relação, por exemplo, condomínios de luxo, bancos, hospitais, shoppings, indústrias, supermercados, colégios, clubes de futebol, hotéis e até a Bolsa de Valores de São Paulo. Pagam pela água menos do que o valor fixado na tabela aplicada à clientela que consome menos no mesmo ramo de atividade comercial ou industrial.

Segundo o geólogo e especialista em recursos hídricos Delmar Mattes, a medida desrespeita a Política Nacional de Recursos Hídricos (Lei 9433/1997), que em seu artigo primeiro parágrafo III determina: em situações de escassez a água deve ser priorizada para consumo humano.

“A Sabesp de certo modo está dando prioridade aos grandes consumidores. O pobre, como sempre, é quem está sofrendo restrições. Esta mais do que provado que nada foi feito para restringir o gasto dos grandes consumidores.  Essa relação é uma grande demonstração da falta de transparência da Sabesp, porque a empresa se recusou sistematicamente a divulgar essa lista sob alegação de não prejudicar seus consumidores”, afirma Mattes.

O coordenador da Frente Nacional pelo Saneamento Ambiental e integrante do coletivo Luta pela Água Edson Aparecido Silva reforça que fere a legislação priorizar grandes consumidores, enquanto a população sofre com rodízios de água, e ressalta a resistência do governo estadual em adotar medidas para combater a situação.

“Ainda hoje, na primeira reunião do Comitê de Crise Hídrica, o governador e seus secretários afirmaram que o pacote de obras em andamento e as chuvas seriam suficiente para contornar a situação. Só no final da reunião, depois de muita insistência dos prefeitos e especialistas, ele determinou que a Secretaria preparasse um plano de contingência para enfrentamento da crise, que dentre outras medidas garanta o abastecimento em escolas, creches e hospitais”, relata.

Superconsumidores – O Shopping Eldorado, um dos que figura na lista, consome mensalmente em torno de 20.000 m3 de água. É o suficiente para atender 1.200 famílias de quatro pessoas por mês. Para cada mil litros d’água que utiliza, paga R$ 6,27. Clientes comerciais que não assinaram contrato com a Sabesp desembolsam R$ 13,97. O desconto concedido ao shopping é de 55%.

O Hotel Hilton, com 11.722 m3 de água por mês, equivale ao consumo de 751 famílias, pagando R$ 6,76 por mil litros. Bem menos que os R$ 13,97 da tabela. A fábrica de celulose Viscofan, situada no topo da lista, paga ainda menos: R$ R$ 3,41.

Os 294 superconsumidores citados na lista firmaram os contratos com a Sabesp a partir de junho de 2010. Juntos, respondem por 1,23% do total de água consumida na cidade de São Paulo. O percentual crescerá expressivamente quando forem conhecidos os 206 consumidores cujos nomes ainda permanecem em sigilo.

Até março de 2014, quando a crise hídrica já era bastante conhecida, os contratos premium eram ainda mais benéficos para os clientes comerciais: eles tinham meta de consumo mínimo, pois pagavam um valor pré-combinado para a Sabesp por um determinado consumo. Se gastassem mais, pagavam um valor extra, mas se gastassem menos que o previsto, pagavam o valor previamente combinado.

Como mostrou a Agência Pública em janeiro deste ano, esse tipo de contrato começou a ser usado em 2002 pela Sabesp como forma de “fidelizar” clientes do comércio ou indústria que têm grande consumo de água.


Rodolfo Wrolli, com informações do El Pais e da Carta Capital – 13/2/2014

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