Trabalhadores da Ford receberam na terça-feira 26, apoio de diversas categorias e movimentos sociais em manifestação que começou com assembleia desde as 6h da manhã na fábrica de São Bernardo do Campo. O presidente do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, Wagner Santana, o Wagnão, alertou para a tragédia que essas demissões podem significar.
"É a possibilidade de desesperança para mais de 100 mil pessoas", disse, referindo-se ao impacto em toda uma cadeia produtiva se uma possível desativação da planta no ABC se concretizar, conforme foi anunciado na semana passada pela empresa. Na conta, ele considera trabalhadores e suas famílias.
A reportagem é da Rede Brasil Atual.
Na sexta-feira dia 7, às 15h locais, três representantes dos metalúrgicos do ABC se encontrarão com a direção mundial da Ford nos Estados Unidos para tentar reverter a decisão de fechar a fábrica de São Bernardo. Durante assembleia e passeata de mais de oito quilômetros pela cidade, eles criticaram a empresa por supostamente ter aguardado a aprovação do novo regime automotivo, que favoreceu outra unidade, para então comunicar a desativação da fábrica do ABC, de forma lacônica.
Quase no final do ato, já no início da tarde, o ex-presidente do sindicato da categoria Rafael Marques disse que foi um caso de "mau-caratismo empresarial". Os metalúrgicos propuseram boicote aos veículos da marca.
Para Wagnão, a Ford aguardou a aprovação do novo regime automotivo para então tomar sua decisão. O programa Rota 2030 manteve incentivos para fábricas na região Nordeste, o que beneficiou a fábrica da Ford em Camaçari (BA). "Os incentivos renovados determinaram o fechamento aqui", afirmando, defendendo que ninguém compre veículos da marca pelo menos até a reunião do dia 7.
"Nunca nos opusemos a Camaçari, é parceira. Mas a Ford não pode dar um golpe no Brasil, no Estado brasileiro, no Congresso e nos trabalhadores", reagiu Rafael, que viajará para os Estados Unidos na semana que vem juntamente com Wagnão e o coordenador da representação dos trabalhadores na fábrica de São Bernardo, José Quixabeira de Anchieta, o Paraíba, há quase três décadas na empresa.
Ainda durante a assembleia na portaria 5 da fábrica, Paraíba criticou o presidente da companhia para a América do Sul, Lyle Watters, acusando o executivo de mentir para os trabalhadores – ao dizer, tempos atrás, que não fecharia o setor de tratores – e para o próprio governo estadual, afirmando que poderia manter 1.200 postos de trabalho do setor administrativo. "Ele está enganando vocês", afirmou, informando que o número de trabalhadores naquela área é de aproximadamente 750.
O representante dos trabalhadores lamentou ainda a postura da Ford, que na terça-feira passada apenas comunicou o fechamento da fábrica, que produz tratores e automóveis. "Nós fizemos a nossa parte. Esse camarada (Watters) que não conseguiu recuperar e decidiu fechar a fábrica é que deveria ser demitido."
Sob chuva forte, a assembleia começou às 7h30, embora a concentração tenha se iniciado uma hora antes. Além dos sindicalistas, falaram lideranças políticas como o ex-prefeito de São Bernardo Luiz Marinho, presidente estadual do PT, e os deputados Vicente Paulo da Silva (federal) e Teonílio Monteiro da Costa, o Barba (estadual). Todos ex-metalúrgicos.
Muitos lembraram do movimento realizado entre o final de 1998 e o início de 1999, período em que a Ford anunciou a demissão de 2.800 trabalhadores, comunicada por telegrama. Na época, Marinho era presidente do sindicato e também viajou aos Estados Unidos.
Os metalúrgicos apostam que será possível novamente fazer a empresa rever a sua posição. Eles saíram da fábrica às 9h e seguiram em passeata, por 8,5 quilômetros, até o Paço Municipal, onde chegaram pouco antes do meio-dia. O ato foi reforçado por sindicalistas de outras bases, inclusive da Força Sindical e da CSP-Conlutas, além de delegados que participam de congresso da FEM-CUT, a federação estadual metalúrgica, e a dirigente Elena Lattuada, da CGIL, central sindical italiana.
Candidato ao Palácio dos Bandeirantes em 2018, Marinho aproveitou para criticar o governador João Doria (PSDB), que recebeu a empresa na semana, excluindo os trabalhadores, dizendo-se disposto a conseguir um comprador para a área da Ford. O petista chamou o tucano de "corretor imobiliário". "Se quer ajudar, pressione a Ford para resolver o problema", afirmou. Amanhã, às 10h, uma comissão será recebida pelo prefeito de São Bernardo, Orlando Morando (PSDB), que nesta terça esteve no Ministério do Planejamento.
O líder dos sem-teto Guilherme Boulos, ex-candidato à Presidência da República pelo Psol, também falou no carro de som e se solidarizou com os trabalhadores, lembrando que eles lotaram um caminhão com cestas básicas para uma ocupação no mesmo município, durante o ano passado. Para Boulos, se a Ford mantiver sua decisão, o governo federal deveria ter uma "posição clara" proibindo a importação de carros da marca. Essa iniciativa também foi manifestada em rede social pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Reação ao fechamento
Depois da assembleia, milhares de manifestantes – entre funcionários da montadora e metalúrgicos de outras bases – realizaram uma caminhada que foi da entrada da fábrica até o centro da cidade. Cerca de oito quilômetros – passando pelas avenidas do Taboão e Senador Vergueiro, que liga o bairro de Rudge Ramos ao Paço Municipal – foram percorridos sob chuva intensa. Durante o trajeto, populares e comerciantes expressavam gestos de solidariedade.
Os trabalhadores lançaram campanha para que os consumidores boicotem os produtos da montadora, que anuncia o fechamento da fábrica de São Bernardo depois de ter se beneficiado de subsídios para expansão em outras regiões. Frases como #NãoCompreUmFord e "Não desisto do meu emprego" ilustraram a passeata.