São Paulo – Com consultas de pelo menos 30 minutos, visitas às casas dos pacientes e uma relação muito próxima com a comunidade, a médica cubana Maria Izabel Guevara é uma dos 20 profissionais que há mais de um ano vieram da ilha caribenha para Embu das Artes, na região metropolitana de São Paulo, pelo programa Mais Médicos e que ajudaram a mudar a dinâmica da saúde pública do município. Pela primeira vez com a equipe de médicos completa, os resultados já aparecem: Embu conseguiu aumentar em 60,72% o número de consultas na atenção básica desde a chegada dos profissionais, em novembro de 2013, ao mesmo tempo reduziu os encaminhamentos para pronto-socorros.
Com o reforço na equipe do Programa Saúde da Família, principal estratégia de prevenção e promoção de saúde do governo federal, o número de consultas na atenção básica saltou de 52.366 em 2013 para 84.161 em 2014. O total de pacientes identificados como hipertensos saltou de 3.307 em janeiro de 2012 para 9.262 em fevereiro de 2015. Os casos cadastrados de pessoas com diabetes passaram de 887 em janeiro de 2012 para 2.728 em novembro do ano passado, último dado disponível. Já o número de consultas em pronto-socorros caiu entre 2013 e 2014, passando de 388.036 para 373.739.
“Mais importante do que curar doenças é evitar que as pessoas fiquem doentes. Queremos trabalhar com prevenção e os médicos cubanos, até pela sua formação, que enxerga o paciente de forma mais integrada, tem nos ajudado muito. Os dados mostram que estamos no caminho certo”, afirma o prefeito da cidade, Chico Brito. “Isso é o que nós mais queremos: que pessoas tenham os postos de saúde como locais de sua promoção de saúde e que entendam que é lá que elas vão receber orientações para evitar que fiquem doentes.”
O acompanhamento é feito de perto. “Tem hora que eu consigo fazer tudo, doutora. Mas tem hora que meu joelho trava por causa da artrose”, conta a dona de casa Izabel dos Santos, de 71 anos, à doutora Maria Izabel, enquanto a médica monitorava sua pressão arterial e a do marido, em uma consulta na casa da paciente. “A do senhor continua alta. Eu entendo que você tem um trabalho muito pesado recolhendo materiais para reciclagem, por isso vou pedir que me procure amanhã no posto, no primeiro horário, às 8h30. Pode dizer na recepção que eu mesma pedi que o senhor fosse”, explica, em um português já impecável. “A senhora não é médica, é uma mãe”, diz dona Izabel, com um forte abraço.
Fato é que as duas são vizinhas, já que a médica optou por alugar uma casa, com outras duas colegas do Mais Médicos no mesmo bairro da Unidade Básica de Saúde Jardim Nossa Senhora de Fátima, na periferia de Embu das Artes. “Aqui eu posso viver a realidade da comunidade, o que me ajuda muito no meu trabalho, de promoção da saúde”, explica a médica, que é especialista em saúde da família e em atenção integral às crianças.
Antes de vir para o Brasil, Maria Izabel trabalhou por oito anos na Venezuela, no programa Bairro a Dentro, que é semelhante ao brasileiro Saúde da Família. Nos últimos cinco anos em que esteve na missão, ela também deu aulas na Universidade Bolivariana da Venezuela. “Quando retornei, em 2011, queria ficar no meu país, com minha família, mas percebi que o Mais Médicos seria muito importante para o Brasil e para Cuba, e como esse era meu papel como médica, decidi então prestar as provas e fui aprovada”, conta. “Estou adorando e sei que ajudamos a acelerar os atendimentos. Tinha pessoas há muito tempo por esperando por uma consulta.”
“Além das mudanças objetivas percebemos também mudanças subjetivas. Uma muito importante é em relação ao cuidado da população. Ela contribui muito para o nosso trabalho de educação em saúde e de responsabilização da pessoa pelo seu cuidado. O serviço de saúde é uma referência, mas não substitui a alimentação saudável e a prática de exercícios”, explica a coordenadora de Atenção Básica na Secretaria Municipal de Saúde de Embu das Artes, Larissa Soares. “Eles trouxeram um grande ganho, por terem uma formação muito rica na medicina de família e na saúde preventiva.”
O ganho é tanto que a prefeitura vai implementar na grade horária dos médicos momentos para troca de experiências dos profissionais cubanos com os brasileiros. “Em uma unidade de saúde tínhamos uma menina com uma bronquite alérgica que não passava. Um dia, a médica disse que iria visitar a casa dela após o expediente. Chegando lá, descobriu que a menina dormia em um quarto com mofo e orientou a mãe a passar cal na parede e a tirar as cortinas. A população fica maravilhada com esse tipo de postura do profissional. Esse é o legado que queremos”, diz o prefeito.
“Sempre foi muito difícil conseguir médico, porque não temos como concorrer com o salário de outras cidades mais ricas da região metropolitana, como São Paulo, Barueri ou São Caetano do Sul. Já chegamos a abrir vagas para um concurso de ginecologista no qual ninguém se inscreveu”, conta Brito. “O Mais Médicos trouxe para a cidade a possibilidade de ofertar atendimento. É óbvio que o governo federal não pode se acomodar: tem que democratizar acesso aos cursos de medicina, às vagas de residência, exigir mudanças nos currículos das faculdades para incentivar não a especialização, mas o atendimento na atenção básica. É um momento oportuno para essas mudanças.”
No Brasil - Em setembro do ano passado, após um ano da implementação, o Mais Médicos superou a meta de profissionais participantes, atendeu a 100% da demanda dos municípios e garantiu, pela primeira vez, médicos em todos os 34 distritos sanitários indígenas do país, como informou na ocasião o ministro da Saúde, Arthur Chioro. Ele ressaltou que a iniciativa garantiu mais investimentos na atenção básica e modernização de equipamentos de saúde pública, outros eixos do programa.
A meta inicial do governo federal era de alcançar o número de 13.300 médicos participantes. Após os cinco ciclos de inscrição, que privilegiaram os profissionais brasileiros, 14.462 profissionais foram selecionados para participar. Eles estão espalhados nos 3.785 municípios que solicitaram profissionais ao Ministério da Saúde e em todos os distritos sanitários indígenas do país, atendendo a pelo menos 50 milhões de pessoas na atenção básica.
Uma pesquisa da Universidade Federal de Minas Gerais sobre o Mais Médicos, apresentada na mesma ocasião, aponta que 95% dos beneficiados pelo programa estão satisfeitos ou muito satisfeitos com a iniciativa. Ao todo, 87% dos pesquisados deram nota de 8 à 10 ao programa e 74% acreditam que ele é melhor ou muito melhor do que esperavam. O levantamento ouviu 4 mil pessoas com mais de 16 anos, de 200 municípios e distritos sanitários indígenas atendidos.
Entre os entrevistados, 86% disseram que a qualidade do atendimento médico é melhor ou muito melhor do que a anterior, 84% afirmaram que o tempo de duração das consultas melhorou ou melhorou muito, assim como os esclarecimentos sobre os problemas de saúde (83%), facilidade de atendimento (79%), comunicação com o médico (73%) e tempo de espera por uma consulta (73%).
Danilo Ramos, da Rede Brasil Atual - 25/3/2015
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Chegada de 20 profissionais cooperados cubanos contribui para município da Grande São Paulo identificar mais pessoas com doenças crônicas e reduzir as consultas em pronto-socorros
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