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Terceirização é estratégia central do capitalismo

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Fenômeno que resulta em degradação das condições de trabalho está espalhado por todo o mundo
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São Paulo - Degradação do trabalho, dilapidação de direitos, precarização, invisibilidade, segregação e morte foram citados como os efeitos da terceirização. A constatação saiu da primeira mesa de debates do seminário realizado pelo Fórum Nacional Permanente em Defesa dos Trabalhadores Ameaçados pela Terceirização, que acontece nesta quinta-feira 12 e sexta 13, na Unicamp.

Os palestrantes do painel “Terceirização e o Capitalismo Contemporâneo” avaliaram a intermediação de mão de obra como uma estratégia do capitalismo para diminuir os custos com pessoal, aumentar lucros e desmobilizar o movimento sindical.

O presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), Márcio Pochmann, ressaltou o fato de o trabalho não ser mais necessariamente realizado em um lugar específico. “Não há mais o local do trabalho. A produção material vem sendo realizada em qualquer lugar, e isto corrói as bases atuais do direito do trabalho.”

Ele citou o exemplo da Ásia, que adotou boa parte do processo de manufatura das grandes empresas. “A partir de 1970 percebemos a transferência crescente da manufatura para a Ásia. Estamos presenciando um movimento de deslocamento da manufatura. E a terceirização, de certa forma, representa essa maneira de dividir a produção.”

O deslocamento da produção, acrescentou, resultou no surgimento de grandes corporações que, muitas vezes, são maiores do que países. “O faturamento das três maiores empresas do planeta equivale ao PIB do Brasil que é o sexto do mundo. Essas grandes corporações definem presidentes, organizam a produção em rede. E a terceirização é fundamental nesta nova forma de produzir do capitalismo.”

Pochmann também ressaltou a crise financeira, deflagrada em 2008, como impulsionadora da “dilapidação dos direitos trabalhistas”, principalmente nas nações ricas, que eram referência no Estado de bem-estar social.

Ele sugeriu formas de reagir. Entre elas, o incremento de pesquisas científicas de qualidade sobre o mundo do trabalho. “Precisamos ter uma agenda mais precisa sobre a realidade do trabalho no Brasil, e não apenas pesquisas para formar currículos, como ocorre em boa parte da produção acadêmica hoje, que tem se alienado da realidade”, criticou.

Para o sociólogo e professor da Unicamp Ricardo Antunes o capitalismo adentrou em uma nova fase que trouxe como consequência a degradação do trabalho em escala mundial. “As empresas alegam que têm de aumentar sua competitividade, com prejuízo aos direitos trabalhistas. Assim, caminhamos céleres para o desmonte do chamado Estado do bem-estar social.”

Nesse quadro de “erosão dos direitos dos trabalhadores”, disse, está a terceirização. “A precarização vem se tornando a regra e não a exceção.” E isso não só no Brasil, com exemplos como o setor de produção de vestuário, no Brás (São Paulo), que emprega em condições precárias imigrantes peruanos ou bolivianos, ou no setor do agronegócio do açúcar, onde trabalhadores chegam a cortar até dez toneladas de cana por dia.  Mas também em países como o Japão, com o trabalho contingente, ou a China, que é padrão de exploração do trabalho, com altos índices de suicídio em alguns setores.”

Daí o novo conjunto de lutas sociais no mundo. “Há os indignados de Portugal, Espanha, o trabalhador grego que preferiu o suicídio a catar comida nos lixos. Adentramos num cenário de lutas globais muito duras, no qual combater a terceirização é imprescindível.”

Regulamentação - O diretor técnico do Dieese Clemente Ganz Lucio também apontou o fenômeno como central ao sistema capitalista e lembrou da batalha em torno da regulamentação da terceirização. “Temos de olhar para a possibilidade de regulamentação como uma disputa central. As empresas também estão incomodadas e buscando uma regulamentação que defenda seus interesses. E temos de buscar alianças no Congresso”, disse, referindo-se a ameaça de aprovação do substitutivo ao PL de Mabel, do deputado Roberto Santiago (PSD-SP), que precariza o trabalho.

Segundo ele, há duas questões centrais em disputa: a diferenciação entre atividade fim e atividade meio e entre responsabilidade solidária ou subsidiária. Para Ganz Lucio, algumas medidas poderiam ser adotadas para combater a terceirização como o desenvolvimento de um sistema de cadastro de empresas, que especificasse sua atividade econômica, seus sócios, entre outras informações. “Hoje os trabalhadores rodam de empresa a empresa do mesmo grupo”, denunciou.

Outra medida seria limitar as atividades econômicas das empresas e ainda tornar obrigatório às prestadoras de serviço o respeito à legislação e aos requisitos do setor com o qual têm contrato. E ainda estabelecer que o sindicato da categoria preponderante da empresa represente o total dos trabalhadores de determinada unidade. “Essa seria uma estratégia eficaz contra o problema de se definir o que é atividade fim e o que é atividade meio.”

Neoliberalismo - Para o professor do Instituto de Economia da Unicamp Anselmo Luiz dos Santos, A terceirização avança no contexto do neoliberalismo. “É um fenômeno que se intensifica com o retorno das políticas liberais de abertura dos mercados e de flexibilização dos direitos trabalhistas”.

Esse é o mesmo contexto em que emergem as economias asiáticas e há, de acordo com ele, um acirramento da concorrência internacional. “A estratégia das grandes empresas passa a ser a da externalização de custos e riscos”, disse. E para isso, elas estabelecem unidades de produção em países cuja mão de obra é mais barata ou terceirizam etapas da produção. “Esse processo de redefinição da estratégia de concorrência das empresas é caracterizado pela redução de custo que se deu, em grande parte, com a precarização.”

Anselmo citou entre as características dessa precarização a intensificação do trabalho, redução do salário, diminuição do quadro de pessoal, enxugamento também no funcionalismo público. “Um quadro que leva a uma desregulamentação e desestruturação do mercado de trabalho e que permite o avanço da terceirização.”

Segundo o economista, nesse cenário entre as décadas de 1980 e 1990, enquanto a Ásia se torna extremamente competitiva, a América Latina permanece no padrão de baixo desenvolvimento, crises, recessões, instabilidade financeira e desemprego. Mas isso muda ainda na primeira metade da década de 2000. “De 2004 pra cá tivemos um crescimento maior da economia, maiores índices de emprego. Fatores que nos ajudam a fazer esse embate contra a terceirização e reverter conseqüências das políticas neoliberais”.

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Andréa Ponte Souza - 12/4/2012
*Atualizado às 19h06 de 16/4/2012

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