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Estado brasileiro não promove emprego seguro

Linha fina

Poder econômico e democracia frágil contribuem para grande número de vítimas do trabalho; situação tende a piorar se golpe se concretizar, afirmam participantes de seminário promovido pelo Sindicato
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São Paulo – No Brasil mais de 700 mil trabalhadores se acidentaram no exercício de seus empregos, segundo a Previdência Social, apenas em 2013 – período com informações mais recentes. No mesmo ano, de acordo com o Censo do IBGE, 4,9 milhões de brasileiros declararam ter sofrido um acidente relacionado à ocupação profissional. A discrepância entre os números evidencia a legião de vítimas silenciosas do trabalho que fica desamparada da rede de seguridade social.

> Vídeo: avanços para evitar golpe na saúde

Os dados revelam a precariedade, tanto do emprego, quanto do Estado, em conseguir proteger seus cidadãos, e tem uma origem: a fragilidade da democracia no país. A conclusão foi unânime entre os participantes do seminário Vítimas Silenciosas do Trabalho – Não ao Golpe contra a Saúde dos Trabalhadores, promovido pelo Sindicato na quinta-feira 28, dia mundial das vítimas de acidente de trabalho.

“Nós não conseguimos, nesses 30 anos de vivência democrática, levar a democracia para dentro dos portões das empresas”, afirmou Maria Leonor Jakobsen, advogada especialista em Direito do Trabalho. “Quem atua na área da saúde do trabalho é o medico da empresa, é o empregador”, continua. “E isso remonta ao início do sistema capitalista. John Locke [filósofo inglês e ideólogo do liberalismo] dizia que todo mundo teria propriedades no capitalismo. A propriedade do trabalhador seria a o seu corpo, que ele vai negociar nesse sistema, de forma livre, mas nem isso temos no Brasil.”
O também advogado Antônio Rebouças reforçou esse pensamento lembrando dos empregados que, com receio de demissão, continuam trabalhando mesmo doentes, com atestado de afastamento em mãos – situação conhecida como presenteísmo, muito comum nos bancos. E criticou a imparcialidade da Justiça do Trabalho. “Ministros do Tribunal Superior do Trabalho já defenderam a flexibilização da legislação trabalhista. Como acreditar em um membro do judiciário que defende o discurso dos patrões?”

A falta de transparência dos dados oficiais sobre acidentes de trabalho foi reforçada por Maria Maeno, médica e pesquisadora da área. “É um sistema que não fornece informações importantes para que possamos discutir e dar visibilidade a esse tema. Quais são as empresas que mais acidentam e matam? Isso é um segredo. Acidentes de trabalho não ocorrem por questão técnica apenas, mas é porque o lucro fala mais alto, porque as pessoas têm de trabalhar mais rapidamente, porque não há democracia dentro do trabalho, porque quem cuida da saúde do trabalhador é a empresa.”

E-Social – O E-Social, projeto do governo federal que vai unificar o envio de informações pelo empregador sobre seus empregados, também foi motivo de críticas dos participantes do seminário.

“Quem vai ter o controle sobre essas informações? É um grande perigo, é uma arma poderosa, inclusive nada impede que isso caia nas mãos de empresas privadas. Em países da Europa e nos Estados Unidos há uma grande discussão sobre essa concentração de informações a respeito dos trabalhadores”, relatou Maria Maeno.

Dioníso Reis, secretário de Saúde do Sindicato, ressaltou a dificuldade em avançar na discussão, junto aos bancos. “Quando as pessoas entram em uma agência e veem o bancário trabalhando de terno e gravata em um ambiente que parece limpo, acham que está tudo bem. Temos um esforço grande para discutir a questão da saúde bancária, de descobrir a origem do adoecimento dos bancários.”

Golpe – O secretário municipal de Saúde Alexandre Padilha também participou o seminário e lembrou as ameaças ao SUS devido ao momento político. No fim de 2015, o PMDB divulgou um documento intitulado Uma Ponte para o Futuro contendo premissas a serem seguidas pelo Governo Federal – um indicativo do que poderá vir em um eventual governo de Michel Temer. Um dos pontos defendidos é o orçamento zero: receitas hoje destinadas à Saúde, Educação e demais políticas sociais não seriam mais vinculadas aos percentuais mínimos previstos na lei orçamentária e, sim, avaliadas ano a ano.

Para Padilha, se a sociedade brasileira quer um sistema universal e gratuito de saúde, a discussão deve ser oposta. “Se queremos um sistema público de saúde de nível europeu, temos de nos inspirar no sistema tributário europeu e taxar heranças, grandes fortunas. O Brasil não pode continuar financiando o SUS com o peso dos impostos apenas dos trabalhadores e pequenos empreendedores. E hoje a realidade é essa.”

A presidenta do Sindicato, Juvandia Moreira, também ressaltou a atual situação do país. “Nós vamos ter de lutar para defender nossos direitos. O que está em jogo é qual o modelo de país que a gente quer: um país para poucos ou um país para todos. E mais do que nunca as conquistas sociais que acumulamos estão em risco. Temos de estar atentos e preparados para a luta para impedir que esse golpe contra o trabalhador se consume.”

Rodolfo Wrolli – 28/4/2016
 
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