São Paulo - A necessidade de intensificar a luta contra os retrocessos sociais impostos pela agenda do governo Temer e a discussão de estratégias para superar os diversos desafios do público LGBT, como o combate à intolerância religiosa; a necessidade da educação para a diversidade de gênero; e o acesso de transsexuais ao mercado de trabalho formal marcaram o segundo dia do 4º Encontro dos Trabalhadores e Trabalhadoras LGBT da CUT-SP. O evento foi realizado na Colônia de Férias do Sindicato dos Comerciários de Osasco e Região (Secor), em Praia Grande, no primeiro fim de semana de abril.
Para renovar o fôlego dessa luta diária contra o preconceito e pela busca de novas conquistas, a troca de experiências e de ideias entre os trabalhadores foi fundamental. Ao final dos debates de sexta-feira, dia 31, houve a definição dos novos integrantes do coletivo LGBT da CUT-SP para o triênio 2017/2019. Marcos Freire ficou com a responsabilidade de coordenar o grupo. Gill Barbosa será o vice.
"É muito importante manter na CUT o Coletivo LGBT, pois através dele conseguimos avançar na luta contra a intolerância e em busca de direitos. Temos como prioridade criar ações de combate à LGBTfobia e espaços de inserção no mercado de trabalho. Com o desmonte da classe trabalhadora que estamos sofrendo, teremos muita luta pela frente e vai ser com muita garra e união que esse coletivo seguirá em frente", afirmou Maikon Azzi, dirigente do Sindicato que participou do evento.
Alerta - Antes de iniciar as mesas de discussão relacionadas ao encontro, os participantes acompanharam a fala do secretário geral da CUT-SP, João Cayres, que parabenizou o coletivo LGBT e a Secretaria de Políticas Sociais pela iniciativa. Ele aproveitou a ocasião para relembrar que a sexta-feira 31 foi mais um dia de luta contra as medidas impostas pelo governo federal, que, certamente, vão gerar retrocessos sociais e a precarização do trabalho. “Sempre quando a gente fala em reforma, a intenção é melhorar e avançar, mas estamos diante de um verdadeiro desmonte da área trabalhista e da nossa Previdência, o que afetará diretamente todas as nossas famílias”, destacou.
Educação nas escolas - Ex-assessora de Políticas Afirmativas LGBT da gestão do ex-prefeito Carlos Grana, de Santo André, Eliad Dias dos Santos apontou a necessidade de trabalhar a educação para a diversidade de gênero desde cedo com as crianças e não apenas na adolescência, como ocorre normalmente. Na visão da especialista, os educadores e as direções das escolas têm muita dificuldade em trabalhar essa questão nas salas de aula por não receberem a devida informação sobre o tema. “Infelizmente, temos alguns profissionais que não conseguem trabalhar essa temática por causa da religião. Precisamos reconhecer também que a formação é falha”, disse.
Além disso, Eliad mencionou algumas dificuldades existentes no poder público e até mesmo o preconceito dos gestores, porque o público LGBT que busca auxílio aos equipamentos municipais, como qualquer outro cidadão, encontra muitas barreiras para ser atendido com dignidade.
Intolerância religiosa - A intolerância religiosa também foi foco dos debates. O diretor do Sindicato dos Trabalhadores das Autarquias de Fiscalização do Exercício Profissional e Entidades Coligadas no Estado de São Paulo (Sinsexpro), Gill Barbosa, fez uma explanação sobre a história do candomblé. Durante a apresentação, o sindicalista explicou que, ao contrário do que muitos imaginam, o público LGBT sofre muito preconceito nas religiões africanas. Trata-se um processo que vem se arrastando há muitos anos. “Para além do combate à intolerância religiosa, precisamos defender uma cultura de paz e a liberdade de crença em nosso país”, justificou.
Na visão do professor de sociologia da Uninove, Ideraldo Luiz Beltrame, é muito saudável a iniciativa da CUT em abrir espaço para a discussão do universo LGBT. Além disso, o Brasil ainda precisa superar grandes desafios nessa questão, pois vivemos em um momento de disputa para saber qual é a religião melhor, como se fosse uma guerra insana. “Temos de defender também a laicidade do Estado e fazer a luta de classe nas próprias instituições religiosas. As pessoas querem ser apenas aceitas”, apontou.
Branquitude - Na parte da tarde, os trabalhos foram retomados com uma reflexão sobre o conceito de branquitude, que é o espaço sociocultural de privilégios e de poder conferidos aos indivíduos da população branca. A doutora em serviço social Ana Helena Passos discorreu sobre o tema e citou que a ideologia da branquitude se constrói e reconstrói histórica e socialmente ao receber a influência do cenário local e global. "O Brasil apaga, esconde e tenta mascarar a existência do racismo. Qualquer pessoa que não é branca vai saber que isso é verdade. A sociedade brasileira não assume a branquitude, mas procura tirar vantagem disso", justificou.
Na sequência, foi a vez de Fernanda Lira Monteiro, do Infopreta, se manifestar. Ela integra essa iniciativa, cujo objetivo é proporcionar as mulheres moradoras periféricas em situação de vulnerabilidade o acesso facilitado a computadores e a manutenção deles com preços acessíveis.
"A branquitude não parte somente do homem branco e hétero. Trata-se de um conceito enraizado no Brasil e nas bases das instituições. Precisamos estar sempre na vigília para não reproduzir esse pensamento", afirmou.
Trabalho e Transsexualidade - Para fechar o segundo dia de discussões do 4° Encontro Estadual de Trabalhadores e Trabalhadoras LGBT da CUT-SP, houve um bate-papo sobre Trabalho e Transsexualidade. A coordenadora da Associação Transgênero de Sorocaba, Thara Wells, explicou a dificuldade de ingressar no mercado de trabalho formal. Ela se viu obrigada a batalhar pelo sustento por meio da prostituição por falta de opções. “Hoje, 73% dos jovens são expulsos de casa por causa de sua identidade de gênero e 90% das mulheres trans estão na prostituição, que não é uma vida fácil. Seria interessante que as empresas tivessem uma espécie de cotas para que as profissionais do sexo pudessem ter um emprego formal”, sugeriu.
Já Fábia Ferraz, que também integra a Associação Transgênero de Sorocaba, revelou que o trabalho desenvolvido pela entidade tem um resultado positivo e despertou o interesse da sociedade. Uma das iniciativas recentes do grupo foi a criação do Programa Trans Enem/Concurso Público, que tem o apoio da Prefeitura de Sorocaba e do Instituto Plena Cidadania (Plenu).
Por fim, o primeiro homem trans a compor a cadeira no Conselho Nacional SDH/LGBT no Brasil, Gil Santos, complementou a fala de Thara ao defender a necessidade do transsexual ingressar no mercado formal. “Precisamos de trabalho e de renda para termos dignidade. A informalidade é que nos faz ficar bem mais invisível. Os sindicatos precisam estar conosco nessa luta”, desabafou.
O encontro também contou com a apresentação do aplicativo para celular TransForma, que traz, entre suas funções, explicações dos conceitos ligados à sexo e gênero, as leis que protegem a comunidade LGBT e as gírias usadas pelas mulheres trans. Também houve a performance AfroTransFeminista feita pela artista Alice Villas Boas e a exposição de arte de Ella Vieira.