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Chapéu
Redes sociais

Divulgação de notícias falsas pode ter consequências graves

Linha fina
Entenda como identificar boatos, quem são os principais fomentadores e os riscos do compartilhamento indiscriminado
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Imagem: Reprodução Facebook

São Paulo – Você soube por meio do Whatsapp ou do Facebook que Fábio Luís Lula da Silva, o Lulinha, filho do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, é dono da Friboi? Ou que uma marca chique de chocolates estava distribuindo ovos de páscoa de graça? Ou ainda que crianças estão sendo sequestradas para retirada de órgãos em uma determinada cidade? Se a resposta for sim, você provavelmente foi pego em dos muitos boatos que percorrem as redes sociais todos os dias. Apesar de inofensivos em alguns casos, há relatos de pessoas agredidas e até assassinadas por conta de informações falsas, o que indica que combater sua repercussão é uma necessidade. Até mesmo a última eleição dos Estados Unidos teve muita discussão em torno da influência dessas mentiras no pleito de 2016, que terminou com a eleição do bilionário Donald Trump.

O principal problema nesse caso é que muitas vezes as pessoas acreditam estar fazendo uma coisa boa. Estão passando adiante uma informação que vai ajudar ou proteger alguém. Ou gerar uma recompensa. Mas é justamente essa a intenção de quem constrói o boato. Ele é feito para parecer algo revoltante ou extremamente convidativo, de forma que o leitor compartilhe logo, sem reflexão, sem pensar se aquela informação faz mesmo sentido.

O professor de Ciência Política da Universidade Federal do Paraná (UFPR) Rafael Sampaio, especialista em comunicação política na internet, ressalta que a boataria e a fofoca sempre foram comuns entre a população em geral, mas foram turbinadas com as redes sociais. “As pessoas tendem a compartilhar links que dizem o que elas pensam ou o que gostariam de ver nos noticiários, sem checar, sem pelo menos jogar no Google para ver se acham mais de uma fonte, por exemplo. Tem uma questão patológica, acelerada pela internet: as pessoas não checam as supostas informações que recebem”, disse.

Estudo realizado pela agência Advice Comunicação Corporativa, por meio do aplicativo BonusQuest, em novembro do ano passado, indicou que 78% dos brasileiros se informam pelas redes sociais. Destes, 42% admitem já ter compartilhado notícias falsas e só 39% checam com frequência as notícias antes de difundi-las.

Para o jornalista Edgard Matsuki, criador do Boatos.org, site que desmente informações falsas nas redes sociais, existem alguns motivos que levam uma pessoa a compartilhar um boato. “O primeiro é que, normalmente,  as pessoas não sabem que a informação é falsa. Com raras exceções,  acham que o boato é uma informação real e útil. Além disso, o boato é compartilhado porque ajuda a endossar um posicionamento que a pessoa tem”, afirma.

A questão mais séria em relação às falsas notícias é que elas podem afetar seriamente a vida das pessoas. “Em um nível mais elementar, o boato pode ajudar a reforçar um pensamento errôneo. Afinal, mesmo que seja uma tese real, ela não pode se basear em uma mentira.  Em um nível mais elevado, pode destruir uma reputação e prejudicar alguém. E, pior ainda, pode acarretar em uma tragédia como no caso de pessoas acusadas de crime que não cometeram ou de tratamentos de saúde que não funcionam”, diz Matsuki.

No início deste mês, o casal de fotógrafos Luiz Áureo de Paula e Pamela Martins foi espancado em Araruama, no Rio de Janeiro, após um boato de que eles estariam sequestrando crianças viralizar no Whatsapp. O texto incluía fotos dos dois e do veículo deles, inclusive com a placa de identificação do carro. Em maio de 2014, Fabiane Maria de Jesus foi morta em um linchamento no Guarujá, litoral paulista. Ela também vítima de um boato, que dizia que ela sequestrava crianças e fazia rituais de magia negra.

No caso de produtos, a fosfoetanolamina, chamada de pílula do câncer, pode ser um dos grandes engodos alimentados por boatos nas redes sociais. Sem nenhuma comprovação de eficácia na cura do câncer, seu uso passou a ser propagado quase como milagroso e dezenas de histórias de pessoas curadas circularam nas redes sociais. Um dos boatos dizia que “brasileiro descobre a cura do câncer e é preso após dar de graça medicamentos a portadores da doença”.

O caso ganhou repercussão nacional, com aprovação, no Congresso Nacional, de uma “lei pela vida” que autorizava a comercialização da substância, sem qualquer estudo que comprovasse a eficácia. No final de março deste ano, o Instituto do Câncer decidiu suspender os testes com a substância porque nenhum resultado satisfatório foi obtido após uso em 72 pessoas com dez tipos diferentes de câncer.

Sacando o boato - Mas como evitar cair em um boato? Essa é a principal questão em um momento que a avalanche de informações dos mais variados tipos está acessível, a todo momento, em qualquer plataforma. Em um ponto os especialistas no tema são unânimes: não se deve compartilhar uma informação imediatamente, por mais importante ou revoltante que ela pareça. Uma dica de Edgard Matsuki é nunca difundir uma informação sem esperar, pelo menos, um minuto. “Esses 60 segundos vão ajudá-lo a refletir melhor sobre o assunto”, ressalta.

Nesse tempo que está pensando sobre, que tal ler a tal notícia? “Infelizmente, um dos piores hábitos que temos na internet é o ‘compartilhar sem ler’ ou o ‘comentar sem ler’. Isso acontece demais. Não entender o contexto do conteúdo ou mesmo os absurdos que estão escondidos por trás de um link e repassar para outras pessoas é um dos maiores combustíveis para boatos na internet”, ressalta a Boatos.org, em uma página destinada à orientação sobre como não cair em mentiras nas redes sociais.

Nessa leitura cabem alguns destaques. O uso de expressões como “a imprensa está censurada”, “compartilhem antes que apaguem”, “partido tal quer impedir a divulgação”, “alerta”, “repasse a todos”, “meu amigo policial, médico, piloto, confirmou tudo”, são um indício forte de que a história a seguir pode ser falsa. O mesmo vale para aqueles áudios de Whatsapp em que uma pessoa se apresenta e conta “uma verdade terrível, que o governo quer esconder”.

Além disso, relatos sem local, sem data, sem nome de todos os envolvidos também indicam que a informação pode ser mentirosa. Como no caso do pai que teria sido preso por ensinar ao filho o ofício de pedreiro. O relato fala de um “diretor do conselho tutelar”, “seguidores da página”, “Vara da Infância”, mas não cita nomes, nem o local da ocorrência. O uso de fotos distorcidas ou sem possibilidade de identificar rostos e ambientes também pode indicar que se trata de uma mentira. Além disso, os textos sem assinatura ou sites que não indicam seu mantenedor (apócrifos) também podem ser considerados suspeitos.

Tem sido muito comum que a notícia falsa tenha alguma informação verdadeira para confundir o leitor, como no recente boato de que estava tendo início uma guerra civil por conta da reforma da Previdência e que a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) se declarou “do lado do povo”. Realmente, a Ordem é contra a reforma. Mas não há uma guerra civil declarada no Brasil. Pontos absurdos assim podem ser percebidos com alguma reflexão. Se houvesse tal situação, a imprensa não noticiaria? Eu estaria indo trabalhar normalmente? Meus parentes ou amigos de outra cidade não saberiam?

Por fim, uma pesquisa no Google pode resolver bem mais do que imaginamos. Apesar de certos problemas de orientação política, a imprensa profissional não costuma propagar ou fortalecer boatos. Desse modo, cabe pegar um trecho da suposta notícia e lançar no buscador. Se nenhum resultado de um site de notícias profissional surgir, desconfie. Além disso, às vezes o primeiro resultado é justamente de um site que desmente notícias falsas, o que já vai liquidar de vez a história.

Alguns sites se profissionalizaram no sentido contrário: na criação de boatos. Outros copiam informações verdadeiras de veículos jornalísticos, mas criam títulos e textos sensacionalistas para valorizar ou depreciar determinadas posições políticas. O objetivo da maior parte deles é lucrar com os acessos às páginas, motivadas pela curiosidade de seus títulos chamativos. Ferramentas de propaganda de massa utilizam a quantidade de cliques como fator de remuneração de páginas na internet.

Algumas páginas que trabalham nessa lógica já são conhecidas: Plantão Brasil, Brasil Verde Amarelo, Pensa Brasil, Diário do Brasil, Na Mira da Notícia, Sempre Questione são alguns dos sites que publicam notícias falsas misturadas com informações verdadeiras.

Outras, como Folha Política e JornaLivre – ligada ao Movimento Brasil Livre (MBL) – usam informações verdadeiras retiradas de veículos de comunicação para criar versões que enfatizem seus objetivos políticos. Alguns sites, porém, trabalham declaradamente com notícias falsas, com objetivo de fazer piadas. É o caso do Sensacionalista, que se firmou como maior página do ramo nas redes sociais.

Poder moderador: Google e Facebook - Em meio à polêmica envolvendo a disseminação de boatos e notícias falsas na internet, dois gigantes da informação ganharam ainda maior protagonismo. Desde o ano passado, quando a questão ganhou maior dimensão, com sites especializados em fake news (notícias falsas) supostamente atuando em favor da eleição de Donald Trump, nos Estados Unidos, Google e Facebook decidiram agir de modo a garantir a  confiabilidade dos conteúdos por eles veiculados.

Por ora, as ações desencadeadas ainda não se fizeram sentir, principalmente aqui no Brasil. Contudo, essa função de arbitramento entre o que é falso e verdadeiro também apresenta riscos.

Com a função Fact Check, o Google pretende marcar as notícias veiculadas com verdadeiras, falsas ou parcialmente verdadeiras. Em todo o mundo, a empresa firmou parcerias com entidades que realizam a checagem. No Brasil, estão envolvidas a Agência Pública, Lupa e Aos Fatos, mas as marcações ainda não apareceram aos usuários.

Já o Facebook tem estratégia semelhante, com parceiras na checagem, que após denúncia dos usuários, confirmariam a veracidade dos conteúdos e os falsos, retirados. Todavia, a ferramenta ainda não está ativa, no Brasil. Os usuários podem até denunciar, mas o ‘pool’ de checagem não foi estabelecido, até o momento.

Marina Pina, jornalista e integrante do Conselho Diretor do Intervozes, organização que defende o direito à informação, alerta para o acúmulo de poder de Google e Facebook e para a necessidade de transparência nos critérios de julgamento. Soma-se a isso, a capacidade que ambas as empresas já têm, baseados em cálculos algorítmicos sigilosos, em hierarquizar a exibição de conteúdo e determinar como estes são visualizados pelos usuários nos motores de busca e também nas redes sociais.

"Ao mesmo tempo em que estão criando agências certificadoras e canais de verificação, isso é muito perigoso. São duas corporações que já têm muito poder de escolher e distribuir conteúdo a partir de um critério próprio", destaca a jornalista.

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