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Aposentadoria

Especialistas rebatem justificativa para reforma da Previdência

Linha fina
Vinte profissionais analisaram cálculos utilizados pelo governo Temer para chegar ao alegado “rombo do sistema previdenciário”, nos quais encontraram erros e omissões
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Imagem: Pixabay / C0 Public Domain

São Paulo – Mesmo que a Previdência fosse deficitária, o que não procede se contabilizada a contribuição constitucional que o governo deveria ter no sistema de seguridade social, os cálculos apresentados pelo governo Temer do alegado “rombo” estão errados. Essa conclusão é resultado de uma análise minuciosa feita por vintes especialistas em matemática, engenharia e computação.

Em audiência pública da Comissão Especial da Reforma da Previdencia, em 15 de março, o Ministério da Fazenda entregou aos deputados um CD com explicações sobre o cálculo do alegado rombo da Previdência, com previsão de alcançar R$ 202,17 bilhões em 2016 e R$ 10,42 trilhões em 2060. O material foi repassado para especialistas da Anfip (Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil), que o analisaram conjuntamente com o Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos) e com o SindCT (Sindicato Nacional dos Servidores Públicos Federais na Área de Ciência e Tecnologia do Setor Aeroespacial).

Os especialistas desenvolveram um software de checagem de dados e enviaram nota técnica com suas conclusões para a Comissão Especial da Reforma da Previdencia. O site de notícias The Intercept teve acesso à nota e publicou seu resultado: as informações fornecidas pelo governo são insuficientes e não permitem estimar minimamente os impactos da reforma proposta.

“Continuam sem respostas as questões que se referem a como foram realizadas as projeções atuariais da proposta de reforma previdenciária e quais os seus impactos em termos de número de pessoas afetadas”, informa a nota.

De acordo com os especialistas, as estimativas do governo “superestimam a população de idosos e subestimam a população de jovens”, uma vez que a base de dados populacionais utilizada é a PNAD (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios), e não  projeções e estimativas da população feitas pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). Em 2014, ano usado como base de cálculo para a maioria das previsões da Previdência, as duas pesquisas divergiam sobre a população acima de 50 anos prevista para 2060, com uma diferença de sete milhões de pessoas.

Além disso, o economista Claudio Puty, professor da Universidade Federal do Pará e um dos autores da nota, critica o fato do governo ter apresentado apenas um cenário para sua projeção de futuro. De acordo com Puty, quando se faz previsões de longo prazo, o padrão é que analistas estabeleçam ao menos três “possíveis cenários”, considerando variáveis socioeconômicas.

“Se eles dissessem que estão sendo conservadores para ter um cuidado maior, mas não é o caso. O problema é que você não publica intervalos de confiança, a famosa margem de erro. Você pode imaginar, com uma previsão visando 2060, que a variação de confiança é muito ampla. Mas eles tratam com uma certeza pseudo-científica”, critica o economista.

Segundo a análise, as estimativas do Ministério da Fazenda também subestimam o potencial de arrecadação da Previdência. Ao utilizar como base de dados a PNAD de 2014, quando o número de desempregados cresceu 9,3%, o cálculo afeta negativamente o número estimado de contribuintes, reduzindo a previsão da receita previdenciária. Além disso, o governo ignora impactos das suas próprias ações, como a reforma trabalhista e a terceirização.

Outro cálculo que apresenta erros é o do salário mínimo. O crescimento anual previsto está na média de 6%, enquanto inflação e PIB caem. Como os dois índices compõem a base de cálculo para o reajuste do salário mínimo, a não ser que seja alterada a fórmula, a conta não fecha.

Sem fontes –  Governo também não apresentou fontes dos números utilizados, nem explicou quais cálculos e fórmulas foram aplicados para se chegar às suas previsões apocalípticas.

De acordo com Solon de Carvalho, pesquisador titular do Laboratório Associado de Computação e Matemática Aplicada no Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, o formato e a qualidade dos arquivos dificultaram a avaliação dos dados. “Trabalhamos para analisar na melhor maneira. O arquivo de Excel continha 423 planilhas onde colaram apenas os valores, excluindo as fórmulas que levaram a esses números. Por isso, se tornou um quebra-cabeça matemático.”

“Como é que pode alguém se basear em previsões que têm erros como o congelamento de todas as variáveis econômicas? E por que eles estão usando especificamente os dados de 2014? Henrique Meirelles [ministro da Fazenda] disse recentemente que, se nada for feito, em 2060 as despesas da Previdência subirão para 17,2% do PIB. É o quarto ou quinto número a que eles chegam em poucos meses. Como eles chegam a esses números? E, ainda por cima, na precisão de décimos… O problema não é a previsão, é o determinismo. Então todo mundo sabe de tudo que vai acontecer até 2060? Mas, isso, ninguém explica”, critica Carvalho.

Faltam dados – Os especialistas também criticaram a ausência de uma simulação dos impactos da reforma, para além da questão fiscal, caso aprovada. De acordo com a conclusão apresentada, faltam dados para fazer esse cálculo.

Segundo Carvalho, a única análise de renda feita é a diferenciação entre quem ganha um salário mínimo e quem ganha mais do que um salário mínimo. O matemático lembra que o Brasil é muito mais plural e explica que uma análise detalhada das demais faixas de renda apontaria para uma perda significativa do poder de compra na aposentadoria de quem ganha entre dois a dez salários.

Por fim, os especialistas responsáveis pela análise das projeções do governo criticam a ausência de uma estimativa do impacto da exigência de idade mínima sobre a contribuição. Muitas pessoas poderiam se sentir desestimuladas a contribuir – uma vez que só poderão se aposentar aos 65 anos – e passariam a investir em previdência privada. Em novembro, segundo levantamento da FenaPrevi (Federação Nacional de Previdência Privada e Vida), os contratos fechados de planos de previdência privada tiveram crescimento de 26%.

 

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