São Paulo – Maria de Lourdes Pereira de Souza, 46 anos, conhecida como Lourdinha, venceu em 2015 a etapa estadual do prêmio "Mulher de Negócio", concedido pelo Sebrae, na categoria produtora rural. "Sou a única mulher do MST, de todo o Brasil, a ganhar um prêmio nessa categoria", afirma, com orgulho. A razão do prêmio foi a sua produção de uvas de mesa no assentamento Marrecas, da cidade de São João do Piauí (PI). Segundo ela, as uvas produzidas no assentamento proporcionam duas colheitas por ano, uma vantagem em relação àquelas cultivadas na região Sul.
Lourdinha está desde quinta-feira 4 no estande do Piauí, na 2º Feira Nacional da Reforma Agrária, no Parque da Água Branca, zona oeste de São Paulo, ao lado de trabalhadores rurais de outros assentamentos do estado. As premiadas uvas não puderam ser trazidas in natura devido à distância, mas o visitante que for ao estande encontrará diversos produtos à base de uva, como geleias, licores e doces, além de doces de mamão e de goiaba. "Todos produzidos por uma associação de mulheres do assentamento e que ajudam na renda familiar", enfatiza.
Criado em 10 de junho de 1989, o assentamento Marrecas, coordenado pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), foi o primeiro do estado do Piauí e hoje conta com 230 famílias. "Somos referência para outros assentamentos do estado", diz ela, esclarecendo que a produção é diversificada e além das uvas, há o cultivo de abóbora, milho, feijão e goiaba, entre outros alimentos. "Tivemos a sorte de haver um lençol freático passando por baixo do assentamento, então trabalhamos com área irrigada." A água jorrada por um único poço, o segundo maior do estado, irriga 20 hectares "sem gastar um único kilowatt de energia".
Para a feira, que está aberta à população até o domingo 7, os agricultores do Piauí trouxeram um caminhão cheio de produtos. "Estamos vendendo bem e a feira está só começando. O povo está gostando", celebra. "Tudo o que a gente produz se vende bem e tudo tem necessidade de consumo. Só em estar comendo um produto de qualidade, você está tendo vida e dando vida para seus filhos. Nossos produtos são muito procurados por serem orgânicos", explica Lourdinha.
Para ela, sair do Piauí e vir para São Paulo participar da feira organizada pelo MST é uma grande oportunidade. "Vir para uma feira dessas é muito importante. Dá orgulho poder demonstrar o nosso produto e o pessoal ver que o agricultor tem como cultivar um produto de qualidade, faz a gente ficar mais entusiasmada. Temos ainda o grande problema no Brasil que é ocupar, resistir e produzir. Ocupar é muito fácil, resistir não é problema, agora, produzir e se manter na terra é o mais difícil", afirma Lourdinha, ressaltando que os alimentos produzidos nos assentamentos do Piauí costumam ser vendidos em feiras nas cidades vizinhas, para o Programa Nacional de Alimentação Escolar (Pnae) e para Companhia Nacional de Abastecimento (Conab).
Alimento saudável e conscientização - A importância da 2º Feira Nacional da Reforma Agrária é ressaltada também por Zunália Neres dos Santos Ferreira, de 49 anos, natural de Ariquemes, em Rondônia. "Sou camponesa", destaca, sem esconder o orgulho.
Ela é do assentamento Madre Cristina, criado há 18 anos, depois de mais 10 anos de acampamento. Para ela, a feira é relevante por dois motivos: oferecer a produção dos assentados de todo o Brasil e mostrar a importância da reforma agrária.
"Quando o camponês de Rondônia imaginaria vir vender em São Paulo?", questiona. "Então, isso é muito importante. O outro aspecto é mostrar pra sociedade que a reforma agrária é viável. Temos mostrado para o povo que é viável por vários motivos, e um deles é oferecer pra população uma produção agroecológica, a pessoa vai comer sem medo nenhum porque sabe que não vai fazer mal, diferente da produção do agronegócio. Esse é um papel muito importante da feira. E fazer com que a população entenda que quando nós ocupamos um latifúndio, só fazemos isso porque ele está inválido, não está produzindo e nós queremos colocar a terra pra produzir", explica Zunália.
A camponesa não esteve presente na 1º Feira, realizada em 2015, embora outros colegas tenham, na ocasião, trazido seus produtos. "Naquele ano, tudo o que a gente trouxe, vendeu." Em 2017, o estande de Rondônia tem abóbora, limão, laranja, mexerica, diversos tipos de doces, açafrão, colorau, café moído, farinhas e diferentes tipos de bananas. "Temos muita coisa na barraca", diz Zunália. Mas a estrela do estande de Rondônia, ela afirma, é o cacau e seus muitos derivados, entre eles, o chocolate. Em 2015, antes do último dia do evento, já não havia mais cacau para vender.
Ao todo, a 2º Feira Nacional da Reforma Agrária tem cerca de 800 feirantes, mais de 100 cooperativas e associações, em torno de 600 produtos e 280 toneladas de alimentos, além de uma programação de shows e debates.
De acordo com Zunália, há sete assentamentos com produção agroecológica no estado de Rondônia, todos ligados ao MST. No assentamento Maria Cristina, onde ela vive, além do cacau, são cultivados feijão, banana, milho, amendoim, batata, abóbora, mandioca, além de frutas típicas da região, como cupuaçu e açaí. "Pra encurtar, a gente só não produz arroz", diz ela, sorrindo.
Assim como os assentados do Piauí, os trabalhadores rurais de Rondônia também vendem sua produção para o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) e em feiras nas cidades vizinhas. "Isso ajuda muito na diversidade da produção e, na agroecologia, você precisa diversificar." A comercialização iniciou ainda no governo Lula com o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), atualmente parado sob a gestão de Michel Temer. "Isso ajudou muito os assentamentos, a gente plantava e sabia que vendia."
Zunália afirma que hoje a procura por alimentos agroecológicos é grande e que nas feiras em que participa, a barraca do MST tem sempre movimento. "O povo deixa de comprar onde comprava, e vem comprar da gente. A aceitação é muito grande. Por mais que a TV diga que a produção boa é a do agronegócio, isso não é verdadeiro e a população está percebendo", disse, enfatizando que os produtos dos assentados têm o preço até menor que o da produção tradicional.
A camponesa lembra que nos anos de 1990 havia grande preconceito com o MST e que ela, junto com outros colegas, chegou a temer participar de feiras nas cidades. Um sentimento que atualmente afirma não sentir mais.
"Hoje a população já sabe que onde tem nossa bandeira, tem algo sério, não estamos ali pra enganar ninguém, tudo o que fazemos é com muita atenção. Já erramos, somos seres humanos, mas sempre tentamos de todas as formas fazer o mais correto possível. Não estamos aqui pra criar conflito, estamos aqui é para diminuir o conflito no campo", pondera, antes de voltar a atender os clientes na feira.