Os cortes anunciados pelo governo de Jair Bolsonaro (PSL), que vão agravar ainda mais a situação do ensino público, historicamente afetado pela falta de recursos, não são a única preocupação de gestores. Em dezembro de 2020 termina a validade do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb).
A reportagem é da Rede Brasil Atual.
Trata-se de uma política de financiamento para a educação infantil, fundamental e de nível médio criada em 2006, por meio de Emenda Constitucional 53/2006 e regulamentado pela Lei 11.494/2007 e pelo Decreto 6.253/2007. O Fundeb substituiu o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (Fundef), implementado pela Emenda Constitucional 14/1996.
Na prática, foi criado um fundo para cada estado, composto por parte dos recursos vinculados à educação pertencentes aos estados e municípios. A União deposita o equivalente a 10% da soma dos 27 fundos para complementar o financiamento do ensino em localidades mais pobres. Atualmente, o fundo soma cerca de R$ 156,4 bilhões e beneficia aproximadamente 40 milhões de matrículas da creche ao ensino médio em municípios de Alagoas, Amazonas, Bahia, Ceará, Maranhão, Pará, Paraíba, Pernambuco e Piauí.
Considerado um avanço por ter como objetivo a redução das desigualdades educacionais regionais, o Fundeb pode chegar ao fim, conforme previsto em sua legislação. Caso isso ocorra, municípios mais pobres, com pouca arrecadação, dificilmente terão como manter as creches e escolas de ensino fundamental. Afinal, 85% do que gastam para manter cada um dos alunos vêm desse fundo.
De interesse do governo Bolsonaro, o fim do Fundeb tem reunido prefeitos, governadores, secretários estaduais e municipais de Educação e especialistas para buscar alternativas, que incluem a sua prorrogação e o seu aperfeiçoamento.
Das iniciativas em curso, a que mais atende às necessidades de estados e municípios foi protocolada esta semana no Senado. A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 65/2019. Assinada por 29 senadores dos mais diversos partidos – exceto do governo – torna o Fundeb permanente.
Iniciativa do senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) e do presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), o texto é assinado por 27 parlamentares de diferentes partidos, entre as principais lideranças da Casa. A proposta incorpora as proposições do Fórum dos Governadores, articuladas pela governadora do Rio Grande do Norte Fátima Bezerra (PT) junto à União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime) e ao Conselho dos Secretários Estaduais de Educação (Consed). A mobilização contou com a participação da Campanha Nacional pelo Direito à Educação.
A PEC 65 aperfeiçoa o Fundeb ao ampliar, gradativamente, a participação da União. No modelo atual, a cada R$ 1,00 investido por estados e municípios, o governo federal investe R$ 0,10.
A Campanha estima que, se for aprovada, a PEC beneficiará municípios no Acre, Alagoas, Amazonas, Bahia, Ceará, Espírito Santo, Goiás, Maranhão, Minas Gerais, Mato Grosso, Pará, Paraíba, Pernambuco, Piauí, Paraná, Rio de Janeiro e Rio Grande do Norte. Em 2031, todos os fundos estaduais receberiam complementação da União, sem exceção. Isso ocorre porque, em 2021, a cada R$ 1,00 investidos por estados e municípios, o governo federal depositaria R$ 0,20. Essa participação será ampliada, gradativamente, até alcançar R$ 0,40.
Direito à educação e bom uso do dinheiro público
Além de promover justiça federativa, a PEC orienta o financiamento da educação básica em busca da qualidade ao incorporar o mecanismo de Custo Aluno-Qualidade Inicial (CAQi), criado pela Campanha. Se aprovada a PEC, a Constituição passará a determinar que todos os profissionais da educação deverão ter piso salarial profissional nacional, política de carreira e formação continuada. As escolas públicas deverão ter número adequado de alunos por turma – considerando as especificidades de cada etapa e modalidade da educação básica –, oferecer biblioteca, laboratório de informática e de ciências, internet de alta velocidade, quadra poliesportiva coberta, acesso pleno à água potável e energia elétrica. E os alunos terão direito a programas suplementares de material didático, transporte, alimentação e assistência à saúde.
Coordenador geral da Campanha, Daniel Cara acredita que o principal mérito da proposta é preconizar o direito à educação e o bom uso do recurso público. “O direito à educação, essencialmente, ocorre na escola. E é preciso garantir que toda e qualquer escola pública de educação básica, da creche ao ensino médio, independentemente de sua localização geográfica, tenha condições de garantir o processo de ensino-aprendizagem”, disse.
Ao constitucionalizar o CAQi, a proposta de Randolfe e Alcolumbre determina que os educadores recebam salários dignos, tenham formação continuada, e que as escolas sejam bem equipadas em todo o país conforme um padrão mínimo de qualidade que cumpra determinação do artigo 211 da Constituição.
“Se a escola tiver salas de aula superlotadas, se os professores não estiverem recebendo o piso do magistério com reajuste real e se a unidade escolar não apresentar qualquer insumo listado na Constituição, significa que algum problema está ocorrendo. Pode ser corrupção, pode ser má gestão ou qualquer outro motivo, mas haverá mais objetividade – e isso é ótimo. Essa PEC muda o paradigma do financiamento da educação, inclusive fortalecendo e empoderando o controle social”, disse.
Daniel defende o aperfeiçoamento de políticas que estão funcionando, mesmo que com limitações. "Mudar estruturalmente o sistema do Fundeb é perigoso e pode ter resultados imprevisíveis, decorrentes de uma tramitação que não será fácil”, avalia. “Ademais, a proposta de Randolfe e Alcolumbre é precisa, pois adiciona ao Fundeb o que ele necessita: maior participação da União, que historicamente se exime de colaborar conforme sua capacidade com a educação básica, bem como determina que as escolas tenham um padrão mínimo de qualidade. Como se fosse pouco, ainda viabiliza um controle social democrático e republicano, pois pode ser exercido por todos”.
Subscreveram a PEC os seguintes senadores: Randolfe Rodrigues (Rede/AP), Davi Alcolumbre (DEM/AP), Alessandro Vieira (Cidadania/SE), Alvaro Dias (Pode/PR), Angelo Coronel (PSD/BA), Antonio Anastasia (PSDB/MG), Arolde de Oliveira (PSD/RJ), Carlos Viana (PSD/MG), Confúcio Moura (MDB/RO), Eduardo Girão (PODE/CE), Fabiano Contarato (Rede/ES), Humberto Costa (PT/PE), Jayme Campos (DEM/MT), Jean Paul Prates (PT/RN), Lucas Barreto (PSD/AP), Luis Carlos Heinze (PP/RS), Luiz do Carmo (MDB/GO), Marcos do Val (Cidadania/ES), Omar Aziz (PSD/AM), Paulo Paim (PT/RS), Paulo Rocha (PT/PA), Plínio Valério (PSDB/AM), Roberto Rocha (PSDB/MA), Romário (Pode/RJ), Styvenson Valentim (Pode/RN), Veneziano Vital do Rêgo (PSB/PB), Eliziane Gama (Cidadania/MA), Leila Barros (PSB/DF)e Maria do Carmo Alves (DEM/SE).