
No último dia 6 de maio, o Nubank anunciou que o ex-presidente do Banco Central (BC), Roberto Campos Neto, assumirá os seus cargos de chefe global de Políticas Públicas e de vice-presidente do Conselho de Administração.
O Nubank, apesar de se apresentar como banco, atua como uma fintech e não é submetido às mesmas regras tributárias, de segurança de dados e obrigações trabalhistas que os bancos tradicionais.
Conflito de interesses
Apesar de Campos Neto só tomar posse de fato das suas funções no Nubank em 1º de julho, quando estará liberado da “quarentena” - instrumento legal que estabelece um tempo mínimo para que ex-diretores e ex-presidentes do BC possam assumir cargos em instituições financeiras – a sua ida para uma das maiores fintechs do país representa fortíssimo indício de conflito de interesses.
Campos Neto esteve na presidência do BC entre 2019 e 2024. Entre 2016 e 2024, o número de fintechs (empresas de tecnologia que oferecem serviços financeiros), reguladas pelo BC, pulou de 1 para 258.
A norma do BC que regulamenta a atuação das fintechs foi publicada em 2018. Anteriormente, em 2013, o BC editou circular para disciplinar a prestação de serviços por instituições de pagamento. Porém, até abril de 2019, quando Campos Neto assumiu a presidência do BC, somente 34 fintechs haviam obtido o aval do banco.
Foi a partir da gestão de Campos Neto no BC que cresceu exponencialmente no sistema financeiro brasileiro a atuação das fintechs, beneficiadas por regras menos rígidas se comparadas com a regulamentação dos bancos tradicionais em termos de alíquotas, segurança de dados e direitos trabalhistas.
“Um ex-presidente do BC, cuja gestão foi benéfica para as fintechs, criando desequilíbrio no sistema financeiro e precarizando relações de trabalho, vai atuar na fintech de maior destaque no país. Esta situação inadmissível escancara o conflito de interesses da chamada ´porta giratória´ - dinâmica de trânsito de executivos entre a diretoria do BC e instituições privadas – e mostra que a propagada independência do BC não existe”
Neiva Ribeiro, presidenta do Sindicato e uma das coordenadoras do Comando Nacional dos Bancários
O Sindicato é favorável ao fim da porta giratória na BC e a uma regulamentação do sistema financeiro que submeta as fintechs a mesma carga tributária dos bancos e as mesmas obrigações trabalhistas, enquadrando os funcionários destas empresas como bancários. Em relação à carga tributária, por exemplo, enquanto os bancos pagam 21% de Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), as fintechs pagam apenas 16%.
“Esta regulamentação beneficiaria não só os trabalhadores das fintechs, que atuam como bancários, mas não contam com os mesmos direitos e remuneração, como também a sociedade brasileira, uma vez que aumentaria a arrecadação, traria mais segurança ao sistema e facilitaria o combate aos crimes de lavagem de dinheiro e sonegação de impostos, que hoje encontram brechas nas regras mais brandas aplicadas para fintechs”, avalia a presidenta do Sindicato.
A ida de Campos Neto para o Nubank não é o primeiro indício de conflito de interesses da relação da sua gestão com as fintechs. Em abril de 2024, o jornal Valor Econômico noticiou que pessoas próximas ao ex-presidente do BC informaram sobre seus planos de abrir uma fintech. Apesar de não ter concretizado o suposto plano, Campos Neto agora assumirá cargos em uma das maiores fintechs brasileiras, sendo um deles criado especialmente para ele, o de vice-presidente do Conselho de Administração.
Selic
O movimento sindical bancário já apontou outro possível conflito de interesses, relacionado com outro tema, da gestão de Campos Neto no BC: a política de alta da taxa básica de juros (Selic), que além de favorecer os bancos e o rentismo, em detrimento do desenvolvimento econômico e da geração de emprego e renda, pode ter beneficiado pessoalmente o ex-presidente do BC.
Campos Neto tem investigação aberta no Conselho de Ética da Presidência da República por possuir quatro empresas em paraísos fiscais com investimentos em títulos públicos emitidos pelo Tesouro Nacional que, portanto, se beneficiariam da especulação da Selic.
“Temos de discutir o que representa a independência Banco Central. Ao atuar de forma autônoma, acaba priorizando os interesses financeiros em detrimento das necessidades sociais e econômicas da população. Essa postura fortalece a lógica do mercado, que muitas vezes opera contra o desenvolvimento econômico sustentável e contra os direitos trabalhistas. A economia não pode ser refém de decisões que favoreçam exclusivamente o setor financeiro, especialmente quando essas escolhas comprometem o crescimento, o emprego e a renda dos trabalhadores. É preciso um Banco Central que responda aos interesses coletivos e não apenas às pressões do mercado", conclui Neiva Ribeiro.
O movimento sindical bancário avalia as medidas cabíveis de denúncia, em órgãos competentes, entre eles a CVM (Comissão de Valores Mobiliários), sobre o conflito de interesses representado pela ida de Campos Neto para o Nubank.
