A reabertura do comércio e dos serviços em várias regiões do estado de São Paulo, incluindo a capital, é prematura e pode levar a um aumento do número de mortes, na avaliação do médico sanitarista e professor da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (USP), Gonzalo Vecina Neto, em entrevista à Rádio USP.
A reportagem é da Rede Brasil Atual.
Ele lembrou que nenhuma das condições colocadas pelo próprio comitê de contingência do coronavírus de São Paulo foi alcançada para que fosse decretada a reabertura: ocupação de Unidades de Terapia Intensiva (UTIs) menor que 60%, adesão ao isolamento social maior que 55% da população e 14 dias de queda consecutiva do número de novos casos.
“Se não tem essas três condições concomitantes, não pode abrir. Nós podemos ter um aumento na mortalidade. O sistema de saúde e os cemitérios podem entrar em colapso, assim como ocorreu em Manaus. É isso que queremos para São Paulo?”, questionou.
Na semana passada o prefeito da capital paulista, Bruno Covas (PSDB), autorizou a reabertura do comércio e de serviços, como escritórios e concessionárias de automóveis. E disse ter recebido protocolos de reabertura de outros 73 setores que podem retornar às atividades nos próximos dias ou conforme a evolução da cidade segundo o plano de reabertura.
Vecina ressaltou ainda que o país vem falhando em medidas de isolamento social e testagem. E que, sem isso, vai ser difícil superar o coronavírus. O Brasil é um dos que menos aplica testes para detectar a infecção pelo coronavírus.
Sem testes
A taxa de testagem no país é de 1,1 teste para cada caso confirmado. No Estados Unidos, país que lidera em número de casos e mortes, são 10,7 testes para cada caso confirmado. Já países que são exemplos de enfrentamento da covid-19, como a Austrália e a Nova Zelândia, aplicam mais de 200 testes a cada caso confirmado.
“O isolamento social é vital. Essa doença se alimenta basicamente da concentração demográfica, de mobilidade social e pobreza. E pobreza porque as pessoas mais pobres têm de sair às ruas todos os dias para comer. Além disso, não têm água com regularidade todos os dias em casa. Se o Estado não tiver capacidade de criar um colchão de proteção social, oferecendo a essas populações alimentos e um mínimo de dinheiro para que elas comprem, por exemplo, produtos de limpeza, nós não vamos conseguir ter o grau de isolamento social que nós precisamos ter para essa doença”, afirmou o professor.
Em São Paulo, segundo o governo João Doria (PSDB), o isolamento social não sofreu queda significativa desde o anúncio do Plano São Paulo – que define as regras da reabertura do comércio. No dia 7, a taxa de adesão ficou em 52%. Em coletiva no início da tarde de hoje, o secretário estadual da Saúde, José Henrique Germann, informou que o estado tem 144.593 casos confirmados e 9.188 mortes. A taxa de ocupação de UTI está em 67,5% no estado e 75,5% na Grande São Paulo. São 4.816 pessoas internadas em terapia intensiva e 7.792 em enfermarias.
Governo pró-vírus
Germann também criticou a decisão do governo Bolsonaro de limitar a divulgação dos números de mortes e novos casos da doença, além da intenção de recontar o número de mortes. “É absolutamente incabível recontar os casos”, afirmou. Segundo ele, o estado paulista mantém um crescimento diário de 5% no número de casos e 3% no número de mortes, o que aponta uma estabilização.
O Conselho Nacional dos Secretários Estaduais de Saúde (Conass) repudiou a decisão do governo Bolsonaro e passou a publicar por conta própria os dados nacionais de casos e mortes causadas pela covid-19. Os dados divulgados são os mesmos que o Ministério da Saúde utilizava, já que a pasta fazia apenas a compilação das informações repassadas pelas secretarias estaduais.