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Metade da população depende da Previdência

Linha fina
Reforma proposta por governo interino pode aumentar de 7% para 70% os idosos brasileiros abaixo da linha de pobreza
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São Paulo – O enfraquecimento da Previdência Social no Brasil pode representar uma tragédia social de proporções gigantescas. Essa situação foi evidenciada pelos números apresentados durante os debates do seminário Conjuntura e Previdência Social, na sexta 15.

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Na terceira mesa, Defender a Previdência – sob coordernação da secretária-geral do Sindicato, Ivone Silva –, o economista e professor da Unicamp Eduardo Fagnani foi certeiro. “O que está em jogo é uma disputa de classe. Quando se atrela o Ministério da Previdência ao Ministério da Fazenda fica claro que o objetivo é fiscal, e não leva em conta que a Previdência é um dos pilares do sistema de proteção social. Estamos falando de quase metade da população brasileira que depende dos benefícios pagos pela Previdência. Hoje no país apenas 7% a 8% dos idosos estão abaixo da linha de pobreza, sem a Previdência eles seriam 70%.”

Para o presidente da CUT, Vagner Freitas (foto abaixo, de roxo), aqueles que defendem uma reforma da previdência – com aumento da idade mínima para 65 anos e tempo de contribuição de 35 anos, sem distinção entre homens e mulheres e nem entre trabalhadores urbanos e rurais; fim da vinculação dos benefícios ao salário mínimo; e desrespeito aos direitos adquiridos – não colocam nas suas contas o fator humano.

“A discussão sobre um modelo de Previdência passa, sobretudo, pela discussão do modelo de sociedade e Estado que queremos construir. Quem não acredita em um estado protetor dos direitos dos mais pobres, quem não acredita em um estado democrático e para todos, que reconhece as diferenças entre as diferentes classes sociais, quem não entende que o governo tem de ser indutor do desenvolvimento e intervenha na economia para que todos tenham as mesmas oportunidades, quem não acredita em solidariedade, democracia, igualdade de gênero e racial, quem acha que nós nascemos só para servir ao capitalismo, não tem porque defender esse sistema de seguridade social que construímos no Brasil. Querem idade mínima de 65 anos, mas ignoram que o filho do pobre começa a trabalhar com 14, 15 anos. Fazem um monte de contas e esquecem que no meio de tudo isso tem gente, pessoas”, reforçou.

Sem voto – Fagnani (foto acima) enfatizou que o golpe contra a democracia que estamos vivendo no Brasil radicaliza o projeto liberal na economia, contra os direitos sociais e trabalhistas. “É uma grande oportunidade, porque um projeto como esse não passaria nas urnas.”

A aplicação desse projeto no campo trabalhista, ressaltou, está levando a um retrocesso de um século. “Poderemos voltar para os tempos de antes da CLT [Consolidação das Leis do Trabalho]. A ideia é desestruturar o Estado brasileiro, instituído em grande medida pela Constituição de 1988. Esse é o projeto.Para o presidente da CUT, o desmonte da Previdência é uma exigência dos setores que apoiaram o golpe contra a presidenta Dilma Rousseff. “Os que financiaram o golpe querem ver o resultado. E o resultado para eles é a entrega daquilo que é público. E nisso está incluído a previdência.”

Fagnani destacou como uma das medidas mais preocupantes a Proposta de Emenda Constitucional (PEC 241) que congela o teto de gastos do Estado, corrigindo-o só pela inflação do ano anterior. “É com essa PEC que se fará a reforma da Previdência proposta pelo atual governo, porque ela impede, por exemplo, o reajuste do piso de benefícios previdenciários de acordo com o salário mínimo [como é atualmente]”, explicou Fagnani.

“No campo dos direitos humanos o objetivo é radicalizar um projeto conservador. Estamos vendo um Estado policial sendo montado no Brasil. Tentar nomear um general como presidente da Funai, fazer CPI da UNE... O que é isso senão um Estado policial? E é nesse contexto que se insere essa reforma da Previdência que eles querem”.

Difamar para destruir – Fagnani explicou que reformas previdenciárias são comuns e necessárias quando o objetivo é aperfeiçoar o sistema; mas não é o caso da proposta do governo interino que usa uma campanha ideológica difamatória na tentativa de demonizar a Previdência. “Para isso constrói mitos como o do déficit. A Previdência é financiada pelos trabalhadores, empresários e Estado. Mas desde 1989, os governos não contabilizam a parte do governo. A Seguridade Social [composta por Previdência, Assistência Social e Saúde] é superavitária, mas os recursos são desviados. De onde vem o déficit? Vem de uma contabilidade inconstitucional que não leva em conta a contribuição do Estado”, disse Fagnani, citando informações contidas na cartilha sobre Previdência lançada no fim do dia.

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Ele citou outro mito utilizado para o desmonte do sistema de seguridade social: o da ausência da idade mínima para a aposentadoria. “Dizem que o Brasil é o único país do mundo que não estabelece idade mínima. Mas isso está previsto na Emenda Constitucional 20 de 1998 65 anos de idade para homem, 60 para mulher. Os brasileiros também podem se aposentar por tempo de contribuição, mas para evitar isso tem o fator previdenciário, que posterga as aposentadorias. Então, desde 1998 no Brasil tem sim idade mínima para a aposentadoria”, afirmou.

Esquizofrenia – Para outro participante da mesa, o professor da Faculdade de Direito da UNB e especialista em Direito Previdenciário Noa Gnata (foto à direita, acima), os ataques à Previdência ameaçam as próprias condições de reprodução do sistema capitalista, que depende da força dos trabalhadores para sobreviver. “Eles atacam as condições para a reprodução da economia capitalista. Temos de ter claro que esses são direitos mínimos que de uma forma esquizofrênica eles querem acabar.”

Noa também destacou como retrocessos do governo golpista a ampliação da terceirização, a extinção de postos de trabalho, a prevalência do negociado sobre o legislado. “Se isso se confirmar, em 30 anos nós deixaremios de ter FGTS. Precisamos defender a Previdência para defender acesso mínimo das pessoas à vida após o trabalho.”

O professor de Direito confirmou a saída apresentada em outras mesas ao dizer que o caminho é continuar resistindo. “Enquanto os movimentos sindical e social percorrem o Brasil defendendo a democracia, esse governo aristocrático trama entre quatro paredes a perda de direitos trabalhistas e sociais. A surpresa deles é que a resistência está sendo muito forte, muito presente. Senão eles já teriam feito a reforma da Previdência.”

Por isso, Vagner exaltou a iniciativa do Sindicato em realizar um seminário e lançar uma cartilha sobre o tema. “O dirigente sindical precisa ter argumento para discutir e enfrentar, na base, o massacre ideológico (...) As pessoas não têm conhecimento. A imprensa martela na cabeça que existe déficit na Previdência. Com a cartilha, podemos chegar e falar que é mentira, que a Previdência é superavitária.”

Negociações – Antecedendo a fala do presidente da CUT, o assessor do Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos), Clóvis Scherer (foto ao lado), falou sobre a trajetória de negociações entre as centrais sindicais e o governo sobre Previdência Social.

Vagner explicou a saída da CUT das negociação após o afastamento da presidenta Dilma Rousseff. “Primeiro que eu não me sento com governo golpista. Se eu sei que esse interino, golpista, tem por objetivo destruir tudo o que construímos em 12 anos com dificuldades, erros e acertos, para que eu vou lá bater palmas para louco dançar.”

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Felipe Rousselet e Andréa Ponte Souza - 15/7/2016
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