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Chapéu
Bancários em conferência

“Estão construindo a possibilidade de uma grande convulsão social”

Linha fina
Para presidente da CUT, Vagner Freitas, desmonte do Estado patrocinado pelo golpe de 2016 prejudicará não só a classe trabalhadora, mas também o empresariado do setor produtivo; é fundamental construir uma frente social ampla a fim de reverter esse movimento
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Foto: Seeb-SP

São Paulo – Sob a alegação de combate à corrupção, estruturas de poder do Estado brasileiro, com o apoio da imprensa hegemônica, estão destruindo os principais setores da economia brasileira: construção civil, petróleo e gás, construção naval e processamento de proteína animal. Paralelo a este movimento, a partir da ascensão de Michel Temer à presidência, o Estado foi capturado pelo poder financeiro, que será o principal beneficiado pela agenda de retirada de direitos e destruição das garantias sociais.

Pouco mais de um ano após a ascensão de Temer, esse cenário está cada vez mais nítido. Mas com uma percepção além: o empresariado do setor produtivo também será prejudicado por essa conjuntura. Essa é a avaliação de representantes das centrais sindicais CUT, CTB e Intersindical durante a mesa que debateu Análise de Conjuntura Nacional e Internacional, na manhã de sábado 29, na 19ª Conferência Nacional dos Bancários.

Para sustentar a visão de que o empresariado do setor produtivo também será penalizado pelas reformas de Michel Temer, o presidente da Central Única dos Trabalhadores (CUT), Vagner Freitas (foto abaixo), citou a reforma da Previdência, ainda em tramitação no Congresso Nacional. Se aprovada, afetará drasticamente a economia de grande parte dos municípios brasileiros, que depende muito do dinheiro das pensões e aposentadorias.

 

 

Também citou como exemplo o desmonte da legislação trabalhista. Embora defendida pelo empresariado, no futuro as mudanças se voltarão contra esse setor da sociedade. Isso porque além de não aumentar o nível de emprego - como argumentam estudiosos e até a Organização Internacional do Trabalho -, rebaixarão a massa salarial, empobrecendo a população e diminuindo seu poder de consumo. “Estão construindo a possibilidade de uma grande convulsão social. Vai haver um momento em que as pessoas vão começar a saquear as lojas, as fábricas, as agências bancárias, porque não vão aceitar ver seus filhos passando fome.”

Além disso, a quebra do financiamento da estrutura sindical embarcado na reforma trabalhista fará com que o crime organizado se apodere de muitas entidades representativas, como já vem ocorrendo, de acordo com Vagner.

“É grave para nós, mas para eles vai ser mais grave ainda. Muitos setores do empresariado já estão se dando conta disso. Temos de capitalizar isso para nós, temos de construir um projeto de desenvolvimento com outros setores da sociedade calcado na luta nas ruas, trabalhando para eleger um parlamento que tenha a ver com as nossas necessidades, e convencendo a sociedade que esse modelo não nos interessa.”

Capitalismo insustentável - O representante da CTB (Central de Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil) Augusto Vasconcelos também destacou a necessidade de união, inclusive com setores do empresariado, diante do avanço do capital financeiro especulativo.

Vasconcelos, que preside o Sindicato dos Bancários da Bahia, criticou as medidas de Temer que “aprofundam a recessão” e o investimento, que segundo ele nunca foi tão baixo no país. “Estamos fazendo a luta para transformar o Brasil e para isso temos de fazer uma frente do tamanho do Brasil. Temos de isolar o rentismo, temos de fazer parcerias com o empresariado que está sendo engolido pela perda de investimentos promovidas pelos governo golpista. Temos de ter sagacidade e fimeza. Somos a maioria da população. E vamos conseguir retomar a política soberana, desenvolvimentista e promotora de direitos”, afirmou.

Para Vasconcelos, que preside o Sindicato dos Bancários da Bahia, o capitalismo já se mostrou deficiente e insustentável. “A soma de toda a dívida pública mundial equivale a quase três vezes o PIB mundial. Isso é resultado da adoção do padrão dolar para as transações financeiras mundiais. O Acordo de Bretton Woods [1944] foi quebrado pelos EUA, que impuseram o dolar sem lastro, um papel fictício que não representa uma mensuraçao real [baseada no ouro]. O resultado disso é o efeito manada: todo mundo compra ou vende de vez, e isso define se uma economia quebra ou se mantém.”

Sem conciliação - O secretário-geral da Intersindical, Edson Carneiro, o Índio (foto abaixo), não compartilha da ideia de união dos demais dirigentes. Para ele, não existem setores da burguesia que possam ser atraídos para uma frente ampla a fim de combater o modelo econômico imposto pelo governo Temer, baseado na financeirização e na retirada de direitos da classe trabalhadora.

E enumerou as principais frentes de luta: combate ao rentismo; queda brutal dos juros da economia; enfrentamento do monopólio da economia; revogação das reformas trabalhista e da Emenda Constitucional 95 (congelamento de investimentos sociais); e reestruturação política, fiscal e cambial.

“Precisamos fazer, a exemplo de outros países da América Latina, como a Venezuela, a construção de uma correlação de forças dos trabalhadores nos processos de enfrentamento político ao grande capital. A pressão deve vir por baixo. Não podemos achar que fazendo um grande acordo por cima conseguiremos resolver os problemas do povo.”

Índio também destacou que boa parte da economia brasileira está sendo desnacionalizada. A destruição da política de conteúdo nacional e das multinacionais brasileiras tornará o Brasil ainda mais dependente das economias estrangeiras e beneficiará especialmente a elite que enriquece com a especulação financeira.

Onda neoliberal - O diretor da Confederação Sindical das Américas (CSA) Rafael Freire destacou o fortalecimento do neoliberalismo no continente americano e no mundo, após a crise financeria mundial de 2008. “A disputa da crise estava em aberta, após o fracasso do capitalismo neoliberal, que levou os estados a intervirem em favor de bancos. Infelizmente não tivemos como construir um conjunto de forças para se contrapor a esse modelo e o neoliberalismo se fortaleceu. Talvez estejamos vivendo uma terceira grande onda neoliberal no mundo”, avaliou o dirigente da CSA, entidade que congrega 48 centrais sindicais das Américas e representa cerca de 55 milhões de trabalhadores.

Foto: Anju


E essa terceira onda neoliberal, segundo Freire, se contrapõe aos valores que foram construídos no pós segunda guerra mundial, na segunda metade dos anos 1940. “Isso tem duas características muito fortes: o ataque à democracia e o ataque brutal aos direitos e liberdades, expresso nos golpes de Estado na nossa região, entre eles o golpe no Brasil.”

Para Freire, a ameaça à democracia – ainda que burguesa e imperfeita – e o fortalecimento do neoliberalismo devem-se em grande parte ao deslocamento de poder dos Estados nacionais para grandes grupos econômicos. “Para ser ter uma ideia, hoje as 10 maiores empresas detêm uma fortuna que corresponde à soma dos PIBs (Produto Interno Bruto) de mais de 180 países”, exemplificou. “No Brasil, seis pessoas detêm a riqueza de 10 milhões de brasileiros. E foram essas pessoas, esses grupos econômicos, que financiaram o golpe no país”, acrescentou.

“Um dos cernes da reforma trabalhista é matar os sindicatos. Portanto, temos de repensar nossa estrutura de organização e nos unir”, disse, referindo-se ao movimento sindical brasileiro e internacional, às frentes camponesas, mulheres, estudantes e todos que estão organizados contra o retroesso.

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