A mudança nas regras trabalhistas (chamada de "reforma") não fez empregos aumentarem no país, precarizou várias atividades, reduziu postos de trabalho e levou a salários ainda mais baixos. A constatação é de economistas, parlamentares e representantes do Executivo e do Judiciário, debatida durante seminário realizado na Câmara dos Deputados, na terça-feira 3. A reportagem é da Rede Brasil Atual.
A principal conclusão da maior parte dos palestrantes, ao avaliar o impacto da Lei 13.467/17 (da chamada "reforma" trabalhista) na vida dos brasileiros foi que nenhum dos objetivos alegados pelo governo Temer para a alteração da legislação trabalhista se concretizou. Por esse motivo, o deputado Bohn Gass (PT-RS), um dos autores do requerimento que pediu a realização do evento, sugeriu que sejam feitos esforços para a aprovação o quanto antes das várias propostas que estão em tramitação no Congresso com o objetivo de reverter as regras impostas pela "reforma".
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Dentre estas, ele destacou o Estatuto do Trabalho, que está no Senado e representa uma nova Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). "O governo usou como pretexto para fazer essa reforma espúria o argumento de que haveria crescimento econômico, geração de empregos e estabilidade jurídica para análise dos processos trabalhistas. Nada disso aconteceu", afirmou.
O deputado pediu a união dos partidos políticos em torno da proposta do estatuto. E, ainda, a reunião de vários projetos sobre temas diversos abordados na Lei 13.467 para que seja articulada a votação destas matérias na Câmara e no Senado.
A constatação do deputado foi confirmada e comprovada pela pesquisadora do Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho (Cesit) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) Marilane Teixeira. Segundo Marilane, os postos de trabalho observados de novembro até agora são todos caracterizados por precarização e baixos salários.
Expectativa de crescimento
Segundo ela, nos primeiros seis meses da legislação (até maio passado), a expectativa de crescimento econômico caiu de 3,7% para 1,5% e houve retração de 2%, numa expectativa de 2,8% no consumo – um dos vetores que alavancam a economia.
"Os indicadores do mercado de trabalho são termômetros para avaliar os impactos da legislação trabalhista. Se o objetivo era empregar e formalizar nesses primeiros seis meses, não se comprovou", disse. Além disso, a taxa de desemprego, que está mais associada à perda de postos de trabalho, chegou ao patamar de 12,7%.
A pesquisadora citou dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), do IBGE, segundo os quais no primeiro trimestre deste ano o país tinha 27,7 milhões de trabalhadores subutilizados – 1,2 milhão a mais do que nos três meses imediatamente anteriores. Desses 27,7 milhões, cerca de 10 milhões são de mulheres negras.
De acordo com Marilane, trabalhadores sem registro, por conta própria, trabalhadores domésticos são ampla maioria. "Trabalhador sem carteira foi o que mais cresceu no último período", destacou.
Também o representante do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap) no seminário, o analista político André Santos, lembrou que o principal objetivo da legislação, que foi gerar novos empregos, não foi atingido. Conforme sua análise, a partir da reforma trabalhista cada trabalhador teve perda média de R$ 14 em seu salário e esse valor, embora possa parecer pouco para a classe média, é muito significativo para quem ganha um salário mínimo.
Para Santos, tanto o Executivo como o Legislativo "têm culpa no cartório". "Já que, respectivamente, propôs e aprovou uma reforma trabalhista que surtiu efeito inverso ao prometido".
O analista ainda analisou a questão dos contratos intermitentes, aprovados pela legislação, que deveriam ocorrer apenas para áreas em que é realmente necessário. "A forma como estes tipos de contratos estão postos na lei é muito abrangente e vale para todos, a ponto de os empregadores, de forma irracional, quererem demitir trabalhadores fixos e contratá-los como temporários", criticou.
Já o vice-presidente do Tribunal Superior do Trabalho (TST), ministro Renato de Lacerda Paiva, disse que a Corte trabalhista tem se mostrado sensível aos apelos da sociedade em relação à reforma e que a aplicação das novas normas tem sido discutida e debatida para ser "pacificada no devido processo legal, no tempo certo e na forma da lei".
"Maior dos retrocessos"
A senadora Gleisi Hoffmann (PT-PR) afirmou que a legislação referente à reforma foi "certamente o maior dos retrocessos já infligidos à classe trabalhadora brasileira, que perdeu direitos como o salário mínimo, a jornada de oito horas, a garantia de férias, décimo-terceiro salário e previdência social e até o direito de pleitear seus direitos na Justiça do Trabalho".
"O que os golpistas e as organizações patronais chamaram de modernização trabalhista foi, na verdade, um recuo civilizatório, que atingiu também a livre organização dos trabalhadores. Os sindicatos perderam poder de representação e capacidade de financiamento", reclamou.
As queixas dos parlamentares e especialistas de diversas entidades presentes foram contestadas pelo secretário adjunto de Relações do Trabalho do Ministério do Trabalho, Luiz Carlos Silva Barbosa. O representante do Executivo afirmou que não se deve relacionar as taxas de desemprego no país com a implementação da reforma, porque ainda não é possível dizer que o regime de demissão e admissão de trabalhadores tenha mudado após a vigência da nova lei. "A economia vem sofrendo desemprego há muitos anos, não é que isso tenha acontecido em 2018 ou 2017", justificou-se, apesar dos dados da Pnad.
O diretor técnico do Dieese, Clemente Ganz Lúcio, ressaltou que a reforma atuou de forma "escandalosa" quando deixou de dimensionar os impactos que teria, principalmente na área fiscal. E tem reflexos que chamou de "gravíssimos sobre a vida laboral". Ele explicou que como a reforma tem impacto diretamente no sistema de relações de trabalho, é importante criar um grupo técnico de acompanhamento "para olhar de forma sistemática os impactos dessa nova legislação".
O seminário contou ainda com a participação de representantes de várias centrais. "A reforma trabalhista promoveu retrocesso de um século nas condições de trabalho no Brasil, antes mesmo da construção da CLT, e caminha na contramão do trabalho formal e protegido, promove o aumento da informalidade, ampliação de jornada e inviabiliza a organização dos trabalhadores", afirmou a secretária de Relações de Trabalho da CUT, Graça Costa.