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Porta giratória, fintechs e conflito de interesses: o caso Nubank expõe os limites da regulação financeira no Brasil

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Neiva Ribeiro, presidenta do Sindicato, veste uma blusa rosa e um blaser branco

O ingresso dos ex-dirigentes do Banco Central, Roberto Campos Neto e Otávio Damaso, em cargos de liderança no Nubank provocou repercussão negativa na sociedade. O movimento sindical bancário denunciou o caso como um exemplo clássico de “porta giratória”: quando agentes públicos que ocuparam posições estratégicas em órgãos reguladores migram diretamente para o setor privado, especialmente para empresas que foram objeto de sua atuação.

A preocupação é legítima. Ambos os ex-dirigentes ocuparam cargos centrais no Banco Central justamente no período em que a instituição monetária mais promoveu mudanças regulatórias que favoreceram o crescimento de fintechs no Brasil. Entre essas medidas, estão o incentivo à digitalização bancária, a regulamentação do Open Finance e a criação de ambientes regulatórios experimentais.

Questionamentos

A entrada de Campos Neto e Damaso em uma das maiores fintechs do país levanta uma série de questionamentos. Quais decisões tomadas durante seus mandatos podem ter beneficiado diretamente empresas como o Nubank? Existe uma linha tênue entre regulação pública e planejamento de carreira no setor privado? E o mais importante: como garantir que a política econômica seja guiada pelo interesse coletivo, e não por redes de influência?

O problema não é novo e tampouco exclusivo do Brasil. Em países como Estados Unidos, Reino Unido e na União Europeia, esse tipo de movimentação é objeto de normativas específicas, que estabelecem períodos de “quarentena” obrigatória para ex-dirigentes antes que possam ocupar cargos em empresas privadas do mesmo setor. No Reino Unido, por exemplo, qualquer ex-autoridade que deseja assumir um cargo em empresa regulada precisa de autorização prévia de um comitê ético independente.

No Brasil, após o exercício do cargo no BC, a autoridade poderá ficar impedida, por até 6 meses, de prestar serviços à pessoa física ou jurídica com quem tenha estabelecido relação direta e relevante em razão do exercício do cargo.

Mesmo assim, vários ex-dirigentes do BC migram rapidamente para bancos, fintechs ou entidades do setor financeiro logo após deixarem seus cargos e abre margem para situações de conflito de interesses, especialmente em um contexto de profunda transformação do sistema financeiro, com o avanço das plataformas digitais, das carteiras de pagamento e dos bancos digitais.

Essa relação simbiótica entre regulação pública e iniciativa privada mina a confiança da sociedade nas instituições financeiras. A porta giratória, nesse contexto, não é apenas uma questão ética — é um problema sistêmico. Ela cria um ciclo em que decisões políticas moldam o mercado, e o mercado reabsorve os reguladores como ativos valiosos, em razão de seu conhecimento interno e conexões estratégicas.

Por um sistema financeiro transparente

A crítica do movimento sindical bancário, portanto, não se resume à denúncia de indivíduos específicos, mas à estrutura de poder que torna esse tipo de prática recorrente e impune. A luta por um sistema financeiro justo e transparente passa necessariamente pelo enfrentamento da captura regulatória, da promiscuidade entre público e privado e da ausência de regras claras que protejam o interesse coletivo.

Regular o sistema financeiro significa, também, regular o acesso à informação estratégica, garantir a neutralidade dos processos decisórios e impedir que o ciclo do poder se feche entre poucos — em detrimento da sociedade como um todo.

O caso Campos Neto/Damaso/Nubank não deve ser tratado como exceção, mas como sintoma. E, como tal, exige resposta institucional urgente: com legislação, fiscalização, transparência e coragem política.

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