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Flexibilizar direitos é precarizar empregos

Linha fina
Foi o alerta de juristas durante congresso sobre trabalho e saúde; para eles, reforma proposta por governo interino significa achatamento de salários, más condições de trabalho e enfraquecimento dos sindicatos
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São Paulo – A flexibilização das leis trabalhistas, defendida como forma de baratear a produção e gerar empregos em épocas de crise, já foi aplicada por governos neoliberais na América Latina e na Europa sem que resultasse na propagada criação de postos de trabalho. “Relatório da OIT [Organização Internacional do Trabalho] para as Américas mostra que as reformas trabalhistas propostas na década de 1990 não combateram o desemprego, apenas substituíram os já existentes por empregos precários. No Chile, por exemplo, o nível de desemprego alcançou o patamar de 20%, sendo que 80% das vagas ocupadas eram precárias”, informou o advogado trabalhista Magnus Faskatt, durante mesa na tarde de terça 23 do Congresso Internacional de Ciências do Trabalho da Alal (Associação Latino-americana de Advogados Laboralistas), que ocorre em São Paulo até sexta-feira 26.

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“A reforma trabalhista voltou à baila com a posse do governo interino e está assentada em dois aspectos fundamentais: aprovar o projeto de lei que regulamenta a terceirização de serviços [PLC 30/2015], e aprovar um novo sistema de solução de conflitos trabalhistas baseado essencialmente na negociação coletiva, ou seja, o negociado sobre o legislado”, explicou o advogado. “O PL 4962 [que trata da flexibilização da jornada e do salário mediante negociação coletiva] altera o artigo 618 da CLT [Consolidação das Leis do Trabalho] de modo que os acordos coletivos e as convenções coletivas de trabalho prevaleçam sobre as leis. Em outras palavras isso é flexibilizar as regras trabalhistas no Brasil. Significa, por exemplo, que o adicional de periculosidade, hoje fixado em 30% do salário, poderá ser reduzido para 15% se isto for estabelecido em acordo coletivo”, explicou. “O PL é uma proposta idêntica à apresentada em 2001 pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso”, acrescentou Faskatt.

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O advogado destacou ainda que entre 2004 e 2014 o Brasil combateu o desemprego com fortalecimento dos direitos trabalhistas. “Ou seja, criou-se emprego sem a necessidade de flexibilizar direitos. É certo que a partir de 2015 o país ingressa em uma crise econômica, que é mundial, e nesse ressurgem as propostas de reforma trabalhista e de redução do papel do Estado na economia como alternativas únicas para combater a crise. Mas se trata de um modelo neoliberal que não certo nos países europeus. A Itália, em 2011, estava com 8,35% da população ativa desempregada, flexibilou os direitos trabalhistas e, em 2015, passou a 11,87% de desempregados, o que evidencia que a receita neoliberal foi incapaz de reduzir o desemprego e retomar o crescimento econômico daquele país”, disse Magnus Farkatt, citando dados da OCDE (Organização para Coorperação e Desenvolvimento Econômico).

“Se essa receita for aplicada no Brasil, vai aumentar a informalidade, a precarização e a redução de salários. O que significa aumentar a já existente distância entre ricos e pobres no Brasil”, concluiu.

Lei de greve – Para o também advogado trabalhista Jesus Augusto de Mattos não dá para sobrepor acordos coletivos às leis sem alterar a lei de greve. “Não há liberdade de negociar sem direito irrestrito de greve, e infelizmente nós não temos isso no Brasil.” Ele citou como exemplos o interdito proibitório – artifício usado pelos patrões para afastar grevistas da porta da empresa e, assim, impedí-los de convencer os colegas a aderir ao movimento –, e outras formalidades que, segundo ele, são quase inexequíveis. “Portanto, as partes [patrões e empregados] não estão colocadas no mesmo patamar para negociar.”

Terceirização – Mattos também destacou que o projeto de lei que permite a terceirização de qualquer atividade, até mesmo as essenciais em uma empresa, acaba com o conceito de categoria. “Os trabalhadores deixam de estar organizados em uma categoria e passam a ser terceirizados. É terreno de ninguém. Sob o falso argumento de que o projeto pretende regulamentar a terceirização e tirar da informalidade, o que se pretende é estabelecer uma formalidade pífia, inexistente, porque o empregado vai ter carteira assinada, mas nenhum direito por trás disso. É a precarização total, e os reflexos vão ser muito agudos.”

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Interesse dos empresários – Mattos também frisou que a Fiesp (Federação das Indústrias de São Paulo) foi uma das financiadoras do golpe que afastou a presidenta eleita Dilma Rousseff e é uma das principais defensoras da flexibilização. “Tivemos um período de pleno emprego no país, mas isso não interessa ao empresariado. Eles precisam de um exército de reserva para poder rebaixar salários e enfraquecer sindicatos.”


Andréa Ponte Souza – 24/8/2016

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