A “reforma” da Previdência que tramita no Senado é baseada em mentiras e resultará em mais retrocesso econômico ao país. Na avaliação de Paulo Kliass, doutor em Economia pela Universidade de Paris 10 e especialista em políticas públicas, a equipe do ministro Paulo Guedes vende a “reforma” como salvação econômica, retirando o Estado como indutor do desenvolvimento econômico.
A reportagem é da Rede Brasil Atual.
De acordo com o economista, o objetivo do governo de economizar R$ 1 trilhão é ruim por ser uma proposta regressiva e recessiva. Ele explica que os mais pobres serão os mais penalizados, além de retirar o montante de setores com alta capacidade de consumo.
Paulo Kliass também desmitifica pontos da “reforma” da Previdência, como se o país dependesse das novas regras de aposentadoria para voltar a crescer economicamente, além da necessidade de aprovar a PEC 06/2019 a toque de caixa. “O que vai fazer a economia voltar a crescer, ao contrário da proposta da reforma, é o Estado recuperar seu protagonismo na área econômica, oferecendo crédito subsidiado e estimulando a geração de emprego”, afirma à Rádio Brasil Atual.
O especialista também fala sobre a situação econômica da Argentina e faz projeções para o país vizinho, com a saída do presidente Maurício Macri. Na última quarta-feira 28, o líder argentino declarou moratória de dívida e pediu renegociação com o Fundo Monetário Internacional (FMI). Leia a entrevista na íntegra:
Na leitura do relatório do projeto de “reforma” da Previdência, no Senado, houve a supressão de pontos, como o que institucionaliza o atual critério que para ter acesso ao BPC, além de trechos que poderiam impedir a contribuição extraordinária cobrada dos servidores públicos. Mesmos com essas alterações, a proposta ainda é cruel?
Sem dúvida. Nós debatemos que, apesar de barrar boa parte das extremas maldades apresentadas por Paulo Guedes, o projeto ainda é regressivo, pois acaba penalizando os setores de menor renda da população.
Mais de 80% do esforço para alcançar o R$ 1 trilhão é retirado do Regime Geral da Previdência Social (RGPS), que em sua maioria, são de até dois salários mínimos. Então, o discurso do governo de que a proposta acaba com privilégios é uma balela. Os grandes privilegiados e que deveriam dar sua contribuição não estão aposentados pelo INSS, são setores do topo da pirâmide e não pagam nenhum tributo sobre as rendas que recebem, que são aplicações financeiras e continua intocado.
O que o senador Tasso Jereissati (PSDB) faz é uma jogada esperta, pois estão com receio de fazer alterações necessárias no texto, já que a PEC pode voltar à Câmara, o que prejudicaria a ideia deles de aprovar a reforma com urgência. Porém, a reforma não precisa ser aprovada a toque de caixa, pois ela não muda nada nos gastos públicos até 2021.
Boa parte desses mitos sustentam a justificativa da existência de uma reforma. Quais as principais mentiras dos defensores da proposta?
Uma das mentiras é de que o Brasil não cresce porque não fez a reforma da Previdência, como se aprovar a proposta é uma varinha de condão vai que fazer os investimentos voltarem e o desemprego cair. Na verdade, o que vai fazer a economia voltar a crescer, ao contrário da proposta da reforma, é o Estado recuperar seu protagonismo na área econômica, oferecendo crédito subsidiado e estimulando a geração de emprego.
Essa proposta do governo, além de ser regressiva e penalizar os mais pobres, ela é recessiva, pois retira R$ 1 trilhão dos setores com alta capacidade de consumo. A população de baixa renda gasta todo seu dinheiro, sem conseguir poupar.
Quando houve a expansão do Bolsa Família, isso foi um dos fatores que estimulou a atividade economia, o Brasil voltou a crescer e promoveu distribuição de renda. Precisamos fazer o oposto do que o governo propõe. Não precisamos economizar, precisamos promover gasto público que estimule o crescimento econômico.
O Estado está se retirando como indutor do desenvolvimento econômico. Como você vê a postura da equipe econômica do Paulo Guedes?
Isso está no DNA da equipe do Ministério da Economia. Eles unificaram áreas estratégicas do comando econômico, como o Ministério do Planejamento, Ministério da Fazenda e o Ministério do Desenvolvimento. Juntaram tudo para dar uma orientação economia no sentido do neoliberalismo.
Na avaliação desse pessoal é que os problemas do Brasil derivam do excesso de Estado. Para eles, há uma presença exagerada do Estado na atividade economia, desde as empresas como o Banco do Brasil e os Correios. Ao contrário do que qualquer pessoa estude, para eles, o desenvolvimento dos países se passa pelo Estado mínimo.
Isso retira a capacidade do Estado de oferecer serviços e produtos de qualidade à população. Você deixa dar o serviço postal ou até de créditos, virando um fator de ganho do capital privado. Na área de educação, houveram a venda de sistemas de ensino para fundos financeiros norte-americanos. Isso não é solução para a sociedade brasileira.
Há um outro mito de que tudo se resolve dentro da ação de oferta e demanda. Em qualquer país no mundo percebe que é preciso a regulação da economia, seja nos bancos, nas operadoras de telecomunicações, nas geradoras de energia. Esses setores precisam ser regulados na qualidade dos serviços, quanto nas tarifas. Não é igual ir na feira, não gostar de um tomate da banca e poder ir em outro vendedor, quando se trata de setores oligopolizados, você precisa da presença do Estado.
A defesa do Estado mínimo ocorre quando o Brasil está longe do bem-estar social. A aplicação dessas diretrizes não faz muito sentido, né?
Basta lembrar os casos do início do neoliberalismo no mundo. A Margaret Thatcher, na Inglaterra, implementou isso há 40 anos, mas se percebe, hoje, que houve um retrocesso no ponto de vista social. Tanto é que houve a reversão dessa busca de redução de Estado.
Nos Estados Unidos, por exemplo, no momento de crise, eles mudaram radicalmente a implementação da política econômica. O Estado norte-americano, através do tesouro, estimulou a compra das empresas privadas ameaçadas de falência. Durante alguns meses, a General Motors foi estatizada. No Brasil, estamos fazendo o oposto. Enquanto os países se defendem, o Brasil está oferecendo o patrimônio público para o capital internacional, já que o nacional está em crise.
Houve a decretação da moratória, no governo da Argentina, que se elegeu com o discurso neoliberal e afundou a economia. Isso serve de alerta ao Brasil?
A moratória na Argentina não é novidade, infelizmente. Eles fizeram já várias. Em 2005, no primeiro mandato do Nestor Kirchner, eles fizeram uma moratória, mas diferente da atual. Ele chamou os principais atores do mercado financeiro internacional, disse que não pagaria e pediu renegociação. A redução da dívida caiu dois terços e isso foi reconhecido em tribunais de Justiça, pois a maior parte da dívida era de juros extorsivos.
Agora, a Argentina vive a mesma situação, mas num grau mais irônico, pois o Macri veio como a solução dos problemas, através do sistema financeiro, pediu a moratória. Isso tudo por não ter superado a dependência da dívida externa e os efeitos da dinâmica internacional sobre sua dívida. É uma situação anômala, já que o governo do Macri está com data para sair, após as pesquisas prévias, e já compromete a equipe que vai chegar.
O próximo governo argentino irá querer renegociar essa dívida. Tem um economista brasileiro insuspeito, o Delfim Netto, que, durante a crise dos anos 80, chamou o FMI para ajudar. Ele dizia que “dívida não paga, se negocia”, e é a verdade. Um país como Brasil ou Argentina, os credores não querem a dívida paga, pois o que interessa é o sistema dessa dívida e seus juros.
A gente ainda tem um estoque de reserva na ordem de US$ 370 bilhões, isso oferece para a economia brasileira, quando houver um governo responsável, condições de reagir e resistir bem.
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