
O setor financeiro brasileiro passou por profundas transformações nas últimas décadas, impulsionado pelo avanço da tecnologia e pela reorganização do mercado de trabalho. Entre 2013 e 2024, os bancos tradicionais mantiveram a hegemonia em ativos e créditos, mas perderam participação em lucro e rede de atendimento, enquanto cooperativas e fintechs expandiram sua presença.
Essa mudança, frequentemente apresentada como modernização e democratização do acesso aos serviços financeiros, esconde contradições que recaem diretamente sobre os trabalhadores. Empresas como Nubank, Mercado Pago, PicPay e PagSeguro, que hoje somam centenas de milhões de clientes, oferecem à população contas, cartões, empréstimos e investimentos. No entanto, registram-se em atividades dispersas e não bancárias, o que lhes garante vantagens regulatórias, trabalhistas e tributárias.
Essas assimetrias têm impacto direto sobre os trabalhadores. O setor financeiro como um todo cresceu em número de vínculos formais — passando de 835 mil para mais de um milhão de empregados — mas esse crescimento não significou ampliação de empregos bancários. Pelo contrário, a categoria perdeu quase 90 mil postos no período, enquanto cooperativas e seguradoras ampliaram suas contratações.
Ao mesmo tempo, categorias genéricas e novas formas de contratação se multiplicaram, enfraquecendo a proteção coletiva. A explosão dos correspondentes bancários é exemplo dessa realidade: já são 240 mil pontos de atendimento no Brasil, quatorze vezes mais do que agências. Em muitos casos, tratam-se de microempreendedores individuais que prestam serviços para instituições financeiras, assumindo riscos, sem direitos trabalhistas e recebendo menos do que um bancário. O que se apresenta como “expansão de atendimento” é, na verdade, uma reconfiguração baseada na terceirização, na informalidade e na precarização.
Esse cenário ganha contornos ainda mais graves quando observamos os impactos da digitalização e do trabalho remoto. O recente caso do Itaú, que demitiu mais de mil trabalhadores sob a justificativa de baixa produtividade no home office, evidencia um modelo em que a tecnologia, em vez de ser instrumento de inclusão e melhoria das condições de trabalho, torna-se mecanismo de vigilância, pressão e exclusão arbitrária. Muitos dos demitidos tinham boas avaliações e até premiações por desempenho, mas foram dispensados após meses de monitoramento digital sem qualquer transparência ou diálogo com o movimento sindical.
Diante dessas transformações, torna-se evidente a importância da mesa de negociação e da luta coletiva. Os acordos de teletrabalho precisam estabelecer regras claras que protejam a privacidade, garantam a transparência nos critérios de avaliação e impeçam demissões baseadas em parâmetros unilaterais e opacos A utilização da IA precisa ser discutida e regulamentada, não pode ser usada para substituir trabalhadores.
É fundamental que as entidades representativas acompanhem cada mudança que impacta o emprego e a vida dos trabalhadores. Ao mesmo tempo, é urgente enfrentar as assimetrias regulatórias e trabalhistas que permitem às fintechs competir em condições desiguais, explorando trabalhadores fora do enquadramento sindical e com redução de direitos.
