São Paulo – O desmonte das garantias sociais e trabalhistas que o Brasil passou a viver mais intensamente sob o governo de Michel Temer não é um movimento isolado e está inserido em uma conjuntura que desconhece fronteiras nacionais. Para esconder o fracasso da atual ordem financeira e, ao, mesmo tempo, garantir sua manutenção, ataca-se os direitos da população, sempre sob o pretexto de se buscar o crescimento econômico ou o equilíbrio das contas públicas.
Essa foi uma das muitas afirmações feitas por estudiosos de diversos países presentes ao II Seminário Internacional Reforma Trabalhista – Crise, Desmonte e Resistência, organizado pelo Instituto Lavoro nesta quinta-feira 23.
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O advogado do Sindicato dos Mineiros do México Oscar Alzaga traçou um paralelo entre duas épocas distintas vividas em seu país. A primeira de caráter nacionalista iniciada após a revolução de 1910 e, mais intensamente, nos anos 40, quando o país cresceu na média de 6% a 7% ao ano puxado pelo investimento estatal na economia. E neste período a população experimentou a ampliação dos direitos sociais capitaneado pelo intenso crescimento de sindicatos livres. A taxa de sindicalização cresceu 300%, e os contratos de trabalho permitiram crescimento salarial considerável.
O segundo momento iniciou-se em 1983, quando o país mergulhou na onda neoliberal promovida pelo Consenso de Washington e de lá não saiu mais. O resultado foi a desindustrialização e a forte dependência do capital internacional causada pelas privatizações, aliada ao enfraquecimento dos sindicatos e a redução dos direitos trabalhistas. Segundo Alzaga, o resultado disso é que o crescimento da economia caiu para a média de 2% ao ano, e atualmente os salários pagos aos mexicanos são uns dos mais baixos dos países integrantes da OCDE.
Peru – Sob a justificativa de driblar os efeitos da crise econômica que afetava o país na década de 80, o governo ditatorial de Alberto Fujimori (1990-2000) iniciou no Peru um processo de flexibilização da legislação trabalhista semelhante àquela promovida pelo governo Temer. Um movimento de retirada de direitos que se perpetua até os dias atuais. O resultado disso é que apesar de a economia do país apresentar crescimento desde a volta da democracia, em 2001, o bolo não foi repartido. E os peruanos sobrevivem com salários baixos e empregos precários.
Segundo Guillermo Boza, da Pontificia Universidad Católica del Peru, o emprego informal aumentou de 50%, em 1990, para 70%, em 2016. A porcentagem de contratos temporários em relação aos permanentes aumentou de 25% para 75%. E a renovação desses empregos temporários dependem da não filiação sindical, o que causou uma intensa desmobilização da organização dos trabalhadores.
Em 1990, 14% dos trabalhadores do Peru eram filiados a sindicatos, e 22% na capital, Lima, onde se concentra o grosso da atividade econômica. No mesmo ano havia 2000 contratos coletivos e foram deflagradas 700 greves nacionais. Dez anos depois, a filiação sindical havia se reduzido para 2,8% no país e para 7% em Lima. O número de contratos coletivos caiu para 500 e apenas 100 greves foram organizadas.
Nas décadas seguintes – salvas mudanças pontuais que trouxeram poucos avanços – o movimento de retirada de direitos se aprofundou no país, envolvendo demissões em massa no setor público, individualização das negociações trabalhistas e legalização da terceirização. Entre 2008 e 2015, os contratos temporários cresceram 66%, por exemplo, e a taxa de emprego formal aumentou apenas 2,3% entre 2001 e 2016.
Mesmo assim, o poder econômico encontrou argumentos para justificar a manutenção dos baixos salários, dos contratos precários e do crescimento ínfimo da empregabilidade. “O discurso neoliberal segue presente. Os meios de comunicação dizem que há a necessidade de se flexibilizar ainda mais os direitos, porque a lei ainda é muito protetora”, conta Boza.
Europa – Do outro lado do Atlântico, verifica-se movimento semelhante. Segundo Francisco Trillo, da Universidade Castilla-La Mancha, a fim de mascarar o fracasso do sistema econômico atual escancarado pela crise econômica que teve início em 2007, países da União Europeia, como a sua Espanha, foram forçados pela troica formada por Banco Central Europeu, Fundo Monetário Internacional e a Comissão Europeia a executar desmontes da legislação trabalhista, do sistema previdenciário e demissões no setor público.
Segundo Trillo, essa imposição comprova a captura da União Europeia pelo poder econômico e essas mudanças surtiram pouco efeito no crescimento da economia e no aumento do nível de emprego da Espanha.
Itália e Portugal também tiveram de enfrentar a mesma imposição a fim de socializar os prejuízos causados pelos lucros privados. Na Itália, segundo o professor Gianni Arrigo, da Universidade de Bari, parte da agenda de retirada de direitos trabalhistas foi estancada pela organização sindical.
Nos últimos anos, Portugal implantou diversas mudanças na legislação trabalhista muito semelhantes às que entraram em vigor no Brasil em novembro. Dentre elas contratos intermitentes, temporários, autônomos e teletrabalho. Mas segundo o professor João Leal Amado, da Universidade de Coimbra, a Constituição Federal do país garante muitos direitos trabalhistas, e a eleição de um governo de cunho socialista, em 2015, luta para reverter muitas dessas mudanças.
“Portugal é um país pequeno muito sujeito a troica, que recomenda mais desmonte dos direitos trabalhistas. (...) Neste mundo global em que vivemos, sobre pressão dos ordenamentos jurídicos mundiais, estamos em uma espécie de concorrência para ver quem reduz mais direitos trabalhistas a fim de atrair capital internacional.”
Amado ressalta que seu país vive um período distinto. “Depois de terem sido aplicadas todas as reformas neoliberais possíveis por governos de direita, iniciou-se um novo ciclo que abre a esperança para a revalorização do trabalho. (...) O trabalho não é uma mercadoria. A prestação do trabalho é inseparável da pessoa. Reside no corpo do trabalhador. Não é destacável das suas energias físicas e psíquicas e por isso precisa ser valorizado”, afirmou o acadêmico.