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Combate à crise hídrica é na base da gambiarra

Linha fina
Para especialistas, governo estadual e Sabesp priorizam medidas e obras que apenas atenuam ao invés de resolver problema causado pela degradação do meio ambiente e falta de investimento em novos reservatórios
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São Paulo – Os reservatórios que abastecem a região metropolitana de São Paulo estão quase saindo ou já saíram do volume morto graças às chuvas acima da média dos últimos meses. O que é motivo de alívio para alguns – como o governo estadual e os veículos tradicionais da imprensa, que frequentemente publicam matérias comemorando o aumento dos níveis de água – para outros é razão de preocupação.

“A gente continua dependendo daquilo que o céu manda para nós, e isso não é gestão”, critica o pesquisador e consultor na área de recursos hídricos Renato Tagnin. “Não é a primeira e nem a segunda vez que passamos por situações análogas. Ficou claro que ou não se sabe o que fazer, ou não se quer fazer o que deve ser feito”, afirma.

Para o especialista, a degradação do meio ambiente é a principal responsável pela situação atual de estresse hídrico, e a saída adotada pelo governo do estado e a Sabesp para contornar a crise – que priorizam obras para captar água de outros locais cada vez mais distantes –, não resolve o problema.  

“A gestão não mudou nenhum milímetro. Tocam obras, sejam elas emergenciais ou estruturais, esperando que a água venha. Acontece que a gente já sabe que o que traz a água e permite que ela permaneça no ambiente é a conservação das bacias hidrográficas. Se a gente não mudar nada desse procedimento, que evidentemente atende a interesses econômicos objetivos, não vamos mudar as condições climáticas que permitem a conservação da água.”

Para Júlio Cerqueira César Neto, engenheiro, professor aposentado da Escola Politécnica da USP e especialista em recursos hídricos, a crise vai continuar mesmo se a estiagem terminar.  

“As medidas de médio e longo prazo, que são absolutamente necessárias, não foram tomadas pelo governo do estado. Ele só se preocupou em expor medidas de curto prazo, emergenciais, para melhorar um pouco esse caos que estamos vivendo, e com isso não vamos sair da crise nunca. A situação é muito dramática. Já deveriam ter construído um outro sistema Cantareira há 15 anos. A crise veio e não fizeram.”

Água contaminada – “As soluções são na base da gambiarra”, critica Tagnin. “Tira água suja dos rios Tietê e Pinheiros e mistura com água limpa dos reservatórios Rio Grande e Alto Tietê para complementar o que o sistema Cantareira não pode mais suprir. No Guarapiranga e Alto Cotia é a mesma coisa, e assim nossos sistemas vão se comprometendo além do que já estão comprometidos”, acrescenta.

Isso piora ainda mais a qualidade da água, já deteriorada por outros poluentes.  O pesquisador alerta que a chuva leva os metais pesados da atividade industrial e agrotóxicos proibidos até em países da África depositados no solo para dentro dos reservatórios, e na falta de vegetação, não há ajuda da natureza para depurar esses sedimentos.

“A gente não olha para a qualidade da água. Ninguém nem sequer noticiou os problemas de saúde decorrentes da contaminação. Tampouco foram mapeados os episódios de diarreia que ocorreram por aí, mas o mais caro é, a longo e médio prazo, o acúmulo de metais cancerígenos que estão sendo arrastados para dentro da água que a gente bebe, e o tratamento da Sabesp não chega perto nem sequer de identificar esses materiais.”

Prioridade ao lucro – Júlio César denuncia ainda o atual modelo de gestão da Sabesp. A empresa estatal presta (ou deveria prestar) um serviço público, mas por outro lado negocia ações na bolsa de valores, e por isso visa o lucro para o pagamento de dividendos aos acionistas, cujo próprio governo estadual é o principal deles. Com isso, investimentos ficam sempre em segundo plano, e como a empresa lucra justamente com a venda de água, não é interessante priorizar medidas que racionalizem o consumo do recurso.

>Sabesp virou um balcão de negócios 

“A Sabesp está preocupada com ela mesma. O problema é político. Jerson Kelman [presidente da Sabesp] e Benedito Braga [secretário de Saneamento e Recursos Hídricos] são dois quadros competentes e teriam condições de mostrar ao governo o que deveria ser feito, mas não estão conseguindo. Esses dois indivíduos estão aceitando as ordens do chefe [o governador Geraldo Alckmin]. Não tomaram nenhuma providência visando o longo prazo, por isso a nossa perspectiva é muito grave.”

Outro lado – A Secretaria de Saneamento e Recursos Hídricos respondeu enviando uma lista de ações que, segundo a pasta, estão sendo tomadas para combater a crise, como os descontos na conta de água para clientes que economizam; distribuição de caixas de água; obras emergenciais como  a interligação do braço Rio Grande à represa Taiaçupeba; e obras estruturantes como a construção de um novo sistema de represas no rio São Lourenço, que, segundo a secretaria, estará pronto em outubro de 2017.

A Sabesp não respondeu até o início da noite de terça 5.


Rodolfo Wrolli – 5/1/2016
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