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PM que matou estudante irá a júri popular

Linha fina
Promotora considera que há indícios de que ação do policial militar foi dolosa. Caso deu origem ao movimento "Por que o senhor atirou em mim?"
Imagem Destaque
São Paulo – O assassinato do estudante Douglas Martins Rodrigues, de 17 anos, pelo policial militar Luciano Pinheiro Bispo, ocorrido em 28 de outubro de 2013, no Jardim Brasil, zona norte de São Paulo, será encaminhado para a Justiça comum, com grande possibilidade de ir a júri popular. Em despacho do dia 19 de dezembro do ano passado, a promotora Cristiane Helena Leão Pariz requereu que o caso seja transferido da Justiça Militar para uma vara do Tribunal do Júri do Fórum de Santana, por entender que há indícios de que o disparo não foi acidental e que a versão do policial foi prejudicada pela reconstituição.

Douglas, que faria 19 anos nesta quarta-feira 11 foi morto durante abordagem de policiais, que teriam sido acionados por uma queixa de perturbação do sossego. Funcionário em uma lanchonete, ele teria concluído o ensino médio naquele ano.

O disparo fatal foi efetuado ainda de dentro da viatura pelo PM Bispo. Enquanto era socorrido, o estudante questionou o agente sobre o motivo do tiro, dando origem ao movimento “Por que o senhor atirou em mim?”, de enfrentamento da violência policial. À época, o policial alegou que a arma disparou acidentalmente e foi indiciado por homicídio culposo, quando não há intenção de matar. Ele está afastado de suas funções.

Porém, a investigação chegou a outro resultado. Segundo a promotora, os laudos periciais contradizem a versão de que a arma disparou sozinha. Além disso, o relato do PM sobre estar somente com a mão para fora da viatura também foi contestado, pois o laudo necroscópico de Douglas indica que ele foi atingido no peito, de cima para baixo, o que não seria possível com a arma somente apoiada na porta do veículo.

A promotora também ressalta que, ainda que o disparo fosse acidental, a conduta de Bispo estava em total desacordo com os procedimentos operacionais da PM, com relação a forma de empunhar arma de fogo em saída de veículo – deveria estar apontada para o chão (“posição sul”).

Para tal conclusão, Cristiane destaca que foram realizadas “diversas diligências” para esclarecimento dos fatos. E conclui que se a Justiça comum considerar que não houve dolo, “sem sombra de dúvida” há evidências de que houve homicídio culposo.

“Nós fizemos várias petições pedindo provas ao Ministério Público. E o que mostrou cabalmente a existência do dolo (intenção) foi a reconstituição do crime. E viram que não era possível ser culposo. Ao menos o risco de matar o policial assumiu”, afirmou o advogado Laércio Benko, que acompanha o caso.

No Brasil, segundo a Anistia Internacional, 82 jovens entre 15 e 29 anos são mortos todos os dias. Destes, 77% são negros. E no máximo 8% dos homicídios são esclarecidos no país.

"Todos os dias" - A definição da vara no Fórum de Santana deve ocorrer ainda em fevereiro, mas não há prazo para julgamento. A Justiça deve solicitar que Ministério Público instrua o processo, agregando documentos e novas provas que eventualmente surjam, e ainda serão ouvidas testemunhas.

Para Benko, que também é vereador na capital paulista pelo PHS, a evolução do caso se deve ao fato de a família de Douglas ter apoio de um escritório de advocacia, o que não é o caso da maioria das famílias que sofrem situações semelhantes. “Infelizmente, isso depende de as pessoas terem um advogado à disposição para forçar a barra. Do contrário é praticamente só o advogado do réu, defendendo-o”, afirmou.

A Defensoria Pública de São Paulo, que faz a defesa de quem não tem dinheiro para pagar um advogado, não dá conta da quantidade de atendimentos no maior estado do país. Atualmente, a instituição conta com 500 defensores, distribuídos em 28 cidades, para atender um público estimado em 28 milhões de pessoas.

A mãe de Douglas, Rossana Martins de Souza Rodrigues, de 46 anos, está incluída nessa situação. E espera que, sendo feita justiça no caso de seu filho, isso ajude a acabar com os assassinatos de jovens e evite a tristeza de outras mães como ela. “Todo dia morre um jovem, e mais um, e outro. Enquanto a justiça não for feita vamos conviver com essa desgraça”, afirmou.

Rossana nunca foi procurada pelo governo paulista, pela PM ou por qualquer outro órgão do Estado para prestar algum tipo de apoio depois do assassinato do filho. Houve somente lamentos públicos do governador Alckmin e da presidenta Dilma Rousseff.

Mas agora, com o caso saindo da Justiça Militar e indo a júri popular, ela se diz mais confiante na Justiça. “Meu filho era um guerreiro, um lutador. O único 'erro' dele foi ter nascido pobre. E nós só vamos conseguir justiça se lutarmos constantemente. Se o assassino for punido, outros vão pensar duas vezes antes de apertar um gatilho.”

A família também tem um pedido de indenização contra o estado de São Paulo, que foi julgado procedente, em primeira instância, em outubro do ano passado. Porém, o governo paulista recorreu e o processo ainda deve ser julgado em segunda instância.


Rodrigo Gomes, Rede Brasil Atual – 10/2/2015
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