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Manifesto cobra maior atenção às vítimas de Mariana

Linha fina
Documento foi elaborado pela Fiocruz e outras 20 entidades e pede a reconstrução do povoado de Bento Rodrigues, o mais atingido pelo desastre
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São Paulo – Entidades diversas publicaram na quinta 4 manifesto para chamar a atenção de autoridades públicas em defesa das vítimas de Mariana (MG). O documento foi elaborado pela Fiocruz e outras 20 entidades e pede a reconstrução do povoado de Bento Rodrigues, o mais atingido pelo desastre.

“O que motivou o manifesto foi a notícia de que estaria sendo contratado um projeto para reassentamento das famílias e nós achamos que este tema não é trivial e deve ser tratado com muita responsabilidade”, afirmou Léo Heller, relator especial do Direito Humano à Água e ao Esgotamento Sanitário da ONU e pesquisador da Fiocruz de Minas Gerais, em entrevista para a Rádio Brasil Atual.

> Áudio: reportagem de Anelize Moreira para a Rádio Brasil Atual

Moradores da região reclamam que estão sendo esquecidos pelo poder público e enganadas pelas empresas responsáveis pelo desastre. “A gente fica em um quarto apertado e sem quintal. Ninguém aguenta mais, estamos estressados e cansados. Queremos voltar para casa”, relata um dos atingidos pelo rompimento da barragem Samarco, quando aconteceu aquele que é considerado o pior desastre ambiental da história do Brasil, no dia 5 de novembro.

O “tsunami de lama” deixou 17 mortos, dois desaparecidos, milhares de desabrigados, além de acarretar na destruição da fauna e flora das margens do Rio Doce, que vai de Minas Gerais até o litoral do Espírito Santo. “A população está muito angustiada. Não existe uma clareza sobre as medidas que serão tomadas e como serão tomadas. Em primeiro lugar, é necessário muita transparência, agilidade e responsabilidade na forma como as medidas devem ser adotadas”, disse Heller. “Na nossa visão, parte das medidas está sendo lenta e outra parte definida quase exclusivamente pela empresa, sem participação do estado.”

“Tivemos acesso, por exemplo, a um plano de recuperação que prevê, entre outras medidas, uma dragagem de uma usina hidroelétrica na região. Tentei ver com o governo do estado quem teria aprovado a medida e não obtive uma resposta. A princípio não parece ser uma medida prioritária recolocar em funcionamento a hidroelétrica”, afirmou o pesquisador sobre o vácuo de cuidados percebido pelos afetados. “Essa dragagem pode até comprometer mais a qualidade da água do Rio Doce. Este é um exemplo de como está havendo uma certa falta de sintonia entre as autoridades públicas e as empresas.”

Além dos atingidos diretamente pelo desastre, o manifesto procura alertar para os cuidados com os reflexos do episódio “Outras questões nos preocupam e nós incluímos no manifesto também, como a questão das populações ribeirinhas, o abastecimento de água nas cidades, na opinião das entidades que assinaram o manifesto, existem várias consequências desta tragédia que ainda não tem um bom encaminhamento”, criticou Heller.

R$ 2 bilhões - A Samarco, a Vale e a BHP Billiton pediram à Justiça novo adiamento do prazo para fazer um depósito de R$ 2 bilhões no fundo para a recuperação ambiental e social da bacia do Rio Doce

O depósito havia sido determinado pela Justiça em decorrência de uma ação civil pública aberta pela Advocacia-Geral da União (AGU) e as procuradorias-gerais de Minas Gerais e Espírito Santo, na qual foi proposta que as empresas formassem um fundo de R$ 20 bilhões para custear programas ambientais e sociais de recuperação da bacia ao longo de dez anos. Os R$ 2 bilhões que deveriam ser depositados na quarta 3 são a primeira parte do pagamento.

Este é o segundo pedido de prorrogação do prazo. O primeiro prazo expirou em 19 de janeiro. No pedido protocolado, a Samarco alega “que as tratativas para um acordo relativo à ação civil pública estão em curso e que as partes necessitam de mais tempo para a sua conclusão.”

Em 21 de janeiro, as empresas, representantes dos estados e a AGU reuniram-se em Brasília para discutir um acordo sobre a criação do fundo que possibilite, inclusive, a retomada das atividades pela empresa. À época, o advogado-geral da União, Luis Inácio Adams, disse que esperava que o acordo fosse fechado ainda antes do carnaval.

Por meio de sua assessoria, a AGU disse não ter sido notificada sobre o pedido de prorrogação do prazo.

Mais Pendências - Três meses depois do acidente, há acordos envolvendo indenização de vítimas, de populações ribeirinhas e trabalhadores da empresa. A Polícia Federal, por sua vez, indiciou a Samarco e suas controladoras por crime ambiental.

Segundo o MPMG, a Samarco comprovou ter pago R$ 100 mil a 18 famílias de pessoas que morreram no acidente, das 19 registradas. Além disso, pagou R$ 20 mil a 260 famílias que perderam suas moradias. Esse valor é dividido em R$ 10 mil em caráter assistencial e R$ 10 mil a título de antecipação parcial de indenização. De acordo com o MPMG, foram atingidas cerca de 3 mil pessoas, sendo que 940 perderam as casas.

De acordo com a Samarco, foram entregues 2,5 mil cartões de auxílio financeiro para atingidos pelo desastre, cinco pontes foram reconstruídas e duas estão em construção. Além disso, 99,7% das famílias desabrigadas foram acomodadas pela empresa em casas antes do Natal. A empresa promete construir novas casas para todos os atingidos até o fim deste ano. Do ponto de vista ambiental, a empresa afirma ter recuperado a vegetação em 2,2 milhões de metros quadrados ao longo do Rio Doce e assistido a 6,8 mil animais.

O Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) aplicou multas que totalizam R$ 250 milhões. “Foram considerados os danos ambientais resultantes do desastre, especialmente os que afetaram bens da União, como rios federais. Como a mancha continua se deslocando pelo Rio Doce em direção ao oceano, outros autos poderão ser lavrados”, disse o diretor de Proteção Ambiental do Ibama, Luciano Evaristo, em novembro.

Recuperação ambiental - O Rio Doce e seus afluentes, atingidos diretamente pelo desastre, foram completamente contaminados pela lama. Para a coordenadora da Rede das Águas da Fundação SOS Mata Atlântica, Malu Ribeiro, a empresa ainda está tomando medidas emergenciais quanto à qualidade da água, quando já deveria estar na fase de recuperação das reservas naturais.

“As alternativas apresentadas até agora foram paliativas, medidas emergenciais. A gente já chegou a 90 dias, não é mais tempo de medida emergencial. É para ser executado um plano de recuperação e o que temos visto são medidas paliativas”, diz. Para ela, a empresa precisa retirar a lama que se acumula no rio para iniciar o processo de recuperação das águas.

“Estão deixando que a natureza faça o serviço de descontaminação. Eles têm que retirar essa lama que está no leito do rio, senão cada vez que chover haverá nova contaminação da água, que é essencial para toda a bacia”.

Malu destaca ainda que o acidente desperta um debate sobre a outorga de água e o licenciamento ambiental. Na sua opinião, deve ser pensada uma legislação mais rigorosa sobre licenciamento ambiental, mais eficiente, menos burocrática e mais transparente.

“A atividade mineral é importante, mas é de altíssimo impacto. Então, o licenciamento ambiental para essas atividades não pode ser flexibilizado. É o cerne dessa questão. E você não pode ter uma legislação, um código de mineração, feito pelos mineradores”.


Redação, com informações da Rede Brasil Atual e Agência Brasil - 5/2/2016
(Atualizada às 17h59 de 5/2/2016)
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