O Supremo Tribunal Federal (STF) continua na quinta-feira 14, a julgar ações que pedem a criminalização da homofobia e da transfobia. A sessão de quarta-feira 13, foi encerrada às 17h40 pelo ministro Celso de Mello, decano da Corte, após diversas manifestações favoráveis e contrárias. Várias entidades defendem a criminalização, apontando o crescente número de agressões e mortes à população LGBT, enquanto a bancada evangélica, principalmente, brada o argumento da liberdade religiosa.
A reportagem é da Rede Brasil Atual.
O representante do Ministério Público manifestou-se a favor da criminalização. "Nós sabemos o estigma que as pessoas carregam por serem categorizadas por sua orientação sexual ou definição de gênero", afirmou o vice-procurador da República Luciano Mariz Maia, último a se pronunciar na sessão.
Maia citou um trecho bíblico ("Ainda que eu falasse a língua dos homens/ E falasse a língua dos anjos/ Sem amor eu nada seria", usado também em uma canção do grupo Legião Urbana), e parafraseou versos do norte-americano Bob Dylan (Blowin'in the Wind) ao lembrar estudo do Grupo Gay da Bahia (GGB) que apontou 420 mortes de gays e lésbicas em 2018. "Quantas serão necessárias para entendermos que já morreu gente demais? Temos compromissos com a vida." Ele disse ter se espantado com duas manifestações durante a sessão no STF: "Uma que pede para manter o discurso de ódio e outra que diz que quem morreu, mereceu". E afirmou que o Supremo "não se acovardará".
O STF está julgando duas ações que apontam suposta omissão do Congresso em votar projeto de lei sobre criminalização à homofobia. Na Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO) 26, o PPS pede que a Corte declare a omissão – o relator é o ministro Celso de Mello, que assumiu o comando da sessão, após a abertura pelo presidente da Corte, Dias Toffoli. Há ainda o Mandado de Injunção (MI) 4.733, de autoria da Associação Brasileira de Gays, Lésbicas e Transgêneros (ABGLT), que também o reconhecimento, pelo STF, de que homofobia e transfobia se enquadram no conceito de racismo, argumentando que a demora do parlamento é inconstitucional. O ministro Edson Fachin está com a relatoria.
Uma ADO tem como objetivo efetivar uma norma constitucional, dando ciência ao poder competente – no caso, o Legislativo – para que adote as medidas necessárias. Já o mandado de injunção pode ser usado por qualquer pessoa ou entidade que se considere prejudicada por omissões na legislação.
O Senado já se manifestou pela improcedência da ADO 26, defendendo a separação dos poderes e a independência do Legislativo. Em relação ao MI, afirma que não há demora por parte do parlamento.
Já a Câmara informou ter aprovado, em 2006, o Projeto de Lei 5.003 (da deputada Iara Bernardi, do PT-SP), que prevê sanções contra discriminação à orientação sexual, e o texto seguiu para o Senado. O PL é de 2001, portanto tramita há quase 18 anos. Sobre o mandado, a Casa diz que não há caso de omissão inconstitucional e nem impedimento ao exercício dos direitos.
O debate tomou conta das redes sociais durante o dia. No Twitter, o tema era o principal destaque, com as hashtags #CriminalizaStf, #ÉCrimeSim e #HomofobiaéCrime, entre outros. A maioria pela aprovação, mas com posicionamentos contrário, como o da deputada conversadora Joice Hasselmann (PSL-SP), para quem é preciso impedir o "ativismo judicial".
Liberdade
A bancada evangélica se mobilizou contra as ações em julgamento. Ao lembrar que o Brasil é o país "que mais mata" a população LBGT, o deputado recém-empossada Davi Miranda (Psol-RJ) reagiu, por meio do Twitter: "Dizer que uma lei contra o preconceito fere a liberdade de expressão religiosa é afirmar que a religião pratica o preconceito. E se sua liberdade vai contra a liberdade do outro, não é liberdade, é intolerância", afirmou o parlamentar, suplente que substituiu Jean Wyllys, que devido a ameaças abriu mão do mandato e saiu do país.
"É crime contribuir para que alguém sofra, só porque é diferente de você. E mais que crime, homofobia é doença da alma e da mente!", afirmou, também em rede social, a cantora Zélia Duncan.
"É um tema controverso, polêmico. Eu sou o primeiro a reconhecer isso", afirmou o advogado Paulo Roberto Iotti Vecchiatti, em nome tanto do PPS como da ABGLT, acrescentando, no entanto, que não se trata de uma "aventura jurídica". Ele considerou o dia histórico, lembrando que, entre os advogados, havia um gay – o próprio Vecchiatti –, uma lésbica e um transgênero. Ele refutou argumento de que a criminalização representaria uma restrição à liberdade de expressão, como afirmaram alguns: "Somos contra o discurso de ódio".
Ele citou várias manifestações públicas homofóbicas e comparou a situação ao crime de racismo. "Visa classificar o outro como desigual, inferior, estigmatizá-lo, e naturalizar o grupo hegemônico como o único natural", argumentou, citando um processo de "construção social de uma política segregacionista". O advogado afirmou que não se trata de um grupo pedindo "privilégios": "São homotransfóbicos que nos consideram uma raça maldita, a ser exterminada". Para Fecchiatti, o crescente número de agressões à população LGBTI justifica a atuação do STF.
"No mérito, o que se discute é se a Constituição determinou uma norma específica de proteção", afirmou, na sequência, o advogado-geral da União, André Luiz de Almeida Mendonça. Para ele, a lei já prevê punições contra a discriminação, sem necessidade de uma criminalização específica. Mendonça citou o assassinato, em 2017, da travesti Dandara dos Santos, em Fortaleza. "Pela primeira vez, foi utilizada a transfobia como elemento torpe e qualificador para aumento da pena correspondente." Ainda segundo o advogado, trata-se de uma questão de competência do Congresso. Em seguida, o advogado-geral do Senado, Fernando Cesar Cunha, falou em limites do Poder Judiciário.
Sete entidades se manifestaram como amici curiae – que não fazem parte do processo, mas têm interesse na questão. O primeiro foi o GGB, por meio do advogado Tiago Gomes Viana, que falou em cerceamento, no Congresso, da bancada religiosa, a fim de evitar avanço de temas relacionados à questão LGBT. "Eles monitoram diversos processos legislativos (...) Até torcedor tem uma lei para chamar de sua. Todo projeto é barrado ou tem alguma proposta contrária", afirmou.
Em contraponto, o advogado Walter de Paula e Silva afirmou que o Congresso já tem se manifestado sobre conceitos de criminalização e discursou pela liberdade de expressão, um tema que não estava em pauta. "Não se pode criminalizar o discurso contrário", disse o representante da Frente Parlamentar Mista da Família e Apoio à Vida. "Eles se manifestam da forma que querem, e nem por isso são hostilizados", completou Cícero Gomes Lage, advogado do mesmo bloco, para quem os gays "desfilam" nas capitais "ofendendo" principalmente a Jesus Cristo.