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Artigo

Ivone Silva: Aprovação da autonomia do Banco Central é o ideário neoliberal com a captura do Estado pelo mercado

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Em artigo, a presidenta do Sindicato, Ivone Silva, avalia que a autonomia do Banco Central é a institucionalizção do poder financeiro no centro de decisões estratégicas do país, sem passar pelo voto popular
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Foto: Seeb-SP

O plenário da Câmara dos Deputados aprovou o Projeto de Lei Complementar 19/2019, que confere autonomia ao Banco Central, por 339 votos favoráveis e 114 contrários. 

O papel do Banco Central é de cuidar da estabilidade do poder de compra da moeda e da solidez do sistema financeiro. E, para cumprir essas funções, dispõe de um conjunto de instrumentos de política monetária, entre elas o manejo da taxa básica de juros, dos depósitos compulsórios e da taxa de redesconto.

O que o mercado financeiro sempre quis foi a autonomia total do Banco Central, para ampliar ainda mais seus poderes para estabelecer suas próprias regras e mandatos. Isso significa institucionalizar um outro poder, paralelo e permanente no centro de decisões estratégicas do país, sem passar pelo voto popular.

O ponto central do projeto aprovado consiste na alteração do período do mandato do presidente e dos diretores do Banco Central, fazendo com que não coincidam com os mandatos do presidente da República. De acordo com a proposta, o mandato do presidente do BC teria início apenas no terceiro ano do mandato do presidente da República e, dessa forma, nos primeiros dois anos a política monetária seria comandada por um Banco Central indicado pelo presidente anterior. 

A justificativa oficial para esta mudança é que com o descasamento dos mandatos do presidente do BC e presidente da República seria evitado o risco de que este último interfira na política monetária do país de forma oportunista em períodos eleitorais, por exemplo, reduzindo as taxas de juros com o intuito de expandir atividade econômica e assim ganhar o eleitorado de forma “populista”. Mas, na verdade, a aprovação representa o ideário neoliberal com a crescente captura do Estado pelo mercado e o enfraquecimento dos instrumentos de política econômica a disposição do governo eleito pela população - seja ele qual for - para enfrentar os graves problemas do país no que diz respeito a desigualdade, emprego, renda, poder de compra e serviços públicos.

Os Estados Nacionais contam com um conjunto de instrumentos de política econômica que podem ser utilizados para promover crescimento econômico, gerar empregos, elevar e direcionar o crédito, controlar o nível de preços, aumentar a renda da população, melhorar serviços públicos como saúde e educação. Dentre esses instrumentos destacam-se aqueles ligados a política fiscal e a política monetária. A política fiscal diz respeito basicamente aos gastos e investimentos públicos e a política tributária do país, ou seja, a forma através da qual o governo irá arrecadar recursos e como irá distribuir estes recursos no orçamento público.

Em dezembro de 2016, após o golpe que colocou Temer na presidência do país, esse instrumento foi extremamente fragilizado com a Emenda Constitucional 95, que criou o teto de gastos e limitou por 20 anos as despesas públicas em termos reais, engessando o orçamento público para saúde, educação, previdência e liberando cada vez mais recursos para o pagamento de juros da dívida pública, que tem como maiores beneficiários os bancos. 

Já a política monetária consiste basicamente no controle do nível de moeda e crédito que circulam na economia e o Banco Central exerce este controle através das taxas de juros, taxas de redesconto e depósitos compulsórios.  Através destes instrumentos é possível incentivar e direcionar o crédito, ativando a economia em momentos de crise, por exemplo. Todos esses instrumentos podem ser utilizados para o controle da inflação e também para a retomada da atividade econômica e emprego, no que se convenciona chamar de “duplo mandato” do Banco Central. É o que ocorre com o Federal Reserve nos Estados Unidos, por exemplo.

No Brasil, o lobby do sistema financeiro historicamente fez com que nosso Banco Central tivesse um mandato único, ou seja, perseguisse apenas o controle da inflação através de juros exorbitantes, sem se preocupar com os impactos negativos na economia e no emprego. O projeto aprovado de autonomia do BC vai formalizar essa prática e engessar mais um dos instrumentos de política econômica do governo. Ainda que o texto tenha a previsão de que o BC deva ter como objetivos secundários “zelar pela estabilidade e pela eficiência do sistema financeiro, suavizar as flutuações do nível de atividade econômica e fomentar o pleno emprego”, na prática isso se tornará inviável diante do descasamento de mandatos.

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