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Chapéu
Economia

Com maior crise da história, inflação só poderia cair

Linha fina
Segundo estudo de economista da Unicamp, média per capita da riqueza de 110 mil pessoas no país, que era de R$ 6,5 milhões no final de 2015, aumentou em R$ 1 milhão com a crise atual e os juros altos
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Foto: Agência Brasil

São Paulo – O discurso otimista do governo Temer e seu ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, ganhou  mais um argumento, com a informação de que não apenas a inflação "surpreendeu para baixo em fevereiro", como o mercado financeiro rebaixou as expectativas da própria inflação e dos juros em 2017. Isso de acordo com o boletim Focus, do Banco Central (BC), segundo o qual a chamada "mediana" das projeções para o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo  (IPCA) em 2017 caiu de 4,36% para 4,19% (era de 4,47% há quatro semanas). Obviamente, a expectativa para a taxa Selic também caiu, de 9,25% para 9%.

Mas para economistas ouvidos pela Rede Brasil Atual, a queda da inflação e das projeções em relação a ela, assim como no caso da taxa Selic, decorrem de fatores que estão muito longe de indicar qualquer motivo para otimismo. Pelo contrário. "O fator mais óbvio é que o Brasil atravessa uma grande depressão. A maior depressão da história econômica, maior que nos anos pós-1929", diz o professor titular do Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) Fernando Nogueira da Costa.

Ele lembra que no biênio 2015-2016 o Produto Interno Bruto (PIB) acumulou uma gigantesca queda de 7,2%, levando o país a um patamar de quatro ou cinco anos atrás. Com a economia paralisada e os "motores de crescimento", como créditos do BNDES, paralisados, a queda de preços é inevitável. "Outro fenômeno importante é que, se em anos anteriores houve quebra de oferta de produtos agrícolas, por causa da seca, recentemente houve choque de oferta positiva, com alimentos em queda, o que favorece a queda da inflação."

Outra componente importante na equação é o câmbio. "Na fase do golpismo, em 2015, a moeda nacional bateu em R$ 4,20. Hoje, está em R$ 3,10. Com a apreciação da moeda nacional, os produtos importados barateiam, o que também favorece a queda da inflação."

Na opinião de José Álvaro de Lima Cardoso, economista e supervisor técnico do Dieese em  Santa Catarina, a queda da inflação também é motivada por fatores pouco nobres para um país que abandonou abruptamente as políticas de bem-estar social. "A inflação cai principalmente por causa da pior recessão registrada na história do Brasil", diz, registrando dois anos seguidos de queda do PIB.

Além da brutal recessão, a renda per capita caiu mais de 9% no país, segundo o IBGE. "Obviamente que, com isso, a demanda cai e a margem de aumento de preços pelas empresas diminui", diz Cardoso. Ele cita também o fator climático, que permitiu uma safra equilibrada e, ainda, o fato de o impacto do choque de preços administrados (como combustível e energia) que o ex-ministro da Fazenda Joaquim Levy provocou em 2015 já ter sido absorvido pela economia. "Esse choque teve repercussão em 2015 e uma parte de 2016."

Quanto aos juros, diz o economista do Dieese, "eu até diria que a queda deveria se dar numa velocidade muito maior, porque não tem sentido, do ponto de vista de política econômica, juros reais em 6,5%, 7%, com uma economia que afundou".

Os ganhos dos muito ricos - Enquanto a esmagadora maioria dos brasileiros naufraga naquela que já é considerada pelos economistas a maior crise da história, uma pequena minoria de muito ricos não para de ganhar dinheiro. Segundo estudo de Nogueira da Costa, a média per capita de riqueza de 110 mil pessoas no país, que era de R$ 6,5 milhões no final de 2015, aumentou em R$ 1 milhão. "São 110 mil pessoas que tinham 6,5 milhões de riqueza média e cada um ganhou 1 milhão de reais sem fazer nada, só com capitalização de juros. Há um interesse pesado em manter juros altos no Brasil."

De acordo com o professor da Unicamp, no final do ano passado, os juros reais brasileiros de 5,8% eram o dobro do segundo maior do mundo, a Rússia, com  2,9%. O que esperar de uma economia em que as pessoas mais ricas do país ganham R$ 1 milhão sem fazer nada?

"Quando sobem os juros, um pequeno número de grandes investidores ganha extraordinariamente. Para que uma pessoa que tem R$ 7,5 milhões vai aumentar a capacidade produtiva para gerar emprego, para retomar o crescimento? Para que correr risco? Elas vão ao mercado financeiro, investem em renda fixa. E aí chegamos a esse patamar de desemprego absurdo de 12%, que no final de 2014 era 6,5%", diz Nogueira da Costa.

No Brasil, hoje, 9,6 milhões de pessoas investem em mercado financeiro, sem contar a poupança. São 6,3 milhões de pessoas da classe média baixa e 3,2 milhões classe média alta, além dos 110 mil mais ricos, segundo as contas do professor.

"O Brasil é o país mais generoso com os rentistas. Não tem paralelo no mundo", diz Cardoso, do Dieese. "Apesar de a dívida pública no Japão, Estados Unidos e Alemanha, por exemplo, ser muito mais alta do que aqui, os serviços da dívida no Brasil são muito mais caros do que em qualquer outro país, exatamente pelo fenômeno da Selic, a mais alta do mundo. O Brasil está na recessão em que está e eles continuam com taxas de rentabilidade. É bom lembrar que não é por acaso que eles participaram do golpe de Estado ativamente."

Para Cardoso, é "bom lembrar também" que a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 287, da reforma da Previdência, a Emenda Constitucional 95 (originária da PEC 55, a "PEC do Fim do Mundo"), a reforma trabalhista e a terceirização têm origem óbvia: "Tudo isso tem o patrocínio político e financeiro dos rentistas. Querem quebrar a Previdência para vender a previdência privada. Faturam sete ou oito por cento do PIB sem apertar um único parafuso."

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