São Paulo – Só em 2017, as indústrias de agrotóxicos movimentaram cerca de R$ 30 bilhões, conforme o próprio setor. E pelas contas feitas pelas organizações Terra de Direitos e FIAN Brasil, junto com a Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e pela Vida e a Associação Brasileira de Agroecologia (ABA), o país deixou de arrecadar pelo menos R$ 1,3 bilhão com as isenções concedidas a esses produtos. Estão isentos de Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) e não recolhem praticamente nada de Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) em muitos estados.
Reportagem da RBA compara: o valor é o mesmo do orçamento deste ano da cidade de Palmas, capital do Tocantins, com 286 mil habitantes. É também o mesmo valor da redução de orçamento sofrida pelo Ministério do Meio Ambiente em cinco anos (o órgão contava com R$ 5 bi em 2013 e passou a contar com R$ 3,7 bi este ano) – recurso que fará falta: muitos parques, por exemplo, não terão dinheiro para fazer prevenção contra incêndios.
Além de deixar de arrecadar, o país ainda tem de custear o atendimento médico prestado às pessoas que adoecem devido às intoxicações agudas causadas pelos mesmos venenos que praticamente não pagam impostos.
As mesmas entidades calculam que, para cada US$ 1 gasto com agrotóxicos, são dispendidos US$ 1,28 com tratamento médico para intoxicações. Mas o valor está subdimensionado porque a exposição, com o tempo, causa diversos tipos de câncer, e outros males que vão aparecer nos trabalhadores rurais – e nos consumidores de alimentos envenenados – muitos anos depois.
Também não entram na conta os incalculáveis danos ambientais, a perda da biodiversidade, como o extermínio de insetos polinizadores, entre eles abelhas, e a contaminação do solo e das águas, que por sua vez trará doenças e mais prejuízos financeiros para todos.
Nos estados – A desconfiança de que o país deixa de arrecadar muito mais parte de dados como os de São Paulo. Estimativa baseada em números oficiais de 2015, divulgados pelo defensor público de Santo André Marcelo Novaes, aponta que o governo de Geraldo Alckmin (PSDB) deixou de arrecadar pelo menos R$ 1,2 bilhão. O valor é o mesmo do déficit estadual naquele ano.
O Fórum Gaúcho de Combate aos Efeitos dos Agrotóxicos está levantando informações junto ao governo do Rio Grande do Sul para fazer uma estimativa de quanto se paga ali para a população ser envenenada. Um dos maiores consumidores de agrotóxicos no país, o Rio Grande do Sul tem regiões nas posições de topo no ranking nacional de casos de câncer, segundo o Instituto Nacional do Câncer José de Alencar (Inca), vinculado ao Ministério da Saúde.
As isenções aos agrotóxicos dividem setores do governo de Michel Temer. Órgãos como o Ibama, Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea) e o próprio Inca são contra. Já a Advocacia-Geral da União (AGU) entende que elevar impostos de agroquímicos aumenta o custo dos alimentos. O Comitê Técnico de Assessoramento para Agrotóxicos (CTA) – que tem participação de representantes dos ministérios da Agricultura, do Meio Ambiente e da Saúde – e a Secretaria de Política Econômica do Ministério da Fazenda já manifestaram a tendência de manter as regras atuais.
Inconstitucional – A imoralidade é tamanha que em 2016 advogados ligados à Rede Nacional dos Advogados Populares (Renap), por meio do Partido Socialismo e Liberdade (Psol), ingressaram com Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI), nº 5.553. Eles questionam a legalidade das cláusulas 1ª e 3ª do Convênio nº 100/97, do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz) e o Decreto 7.660/2011.
Esses dispositivos concedem benefícios fiscais ao mercado de agrotóxicos, com redução de até 60% da base de cálculo do ICMS, além da isenção total do IPI de determinados tipos de agrotóxicos.
Em outubro, a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, divulgou o parecer da PGR sobre a questão, analisada no Supremo Tribunal Federal (STF) pelo ministro Edson Fachin. Na avaliação, a procuradora-geral se diz contrária às vantagens fiscais: "Eis que, ao estipularem benefícios fiscais aos agrotóxicos, intensificam o seu uso e, portanto, sujeitam o meio ambiente, a saúde e a coletividade dos trabalhadores aos perigos inerentes ao manuseio em larga escala”. Diz ainda que “o magistério jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal inclina-se a dar preferência ao direito ao meio ambiente, quando necessita ponderá-lo com outros interesses coletivos”.
Mobilização – Os fabricantes já estão pressionando o STF. A sociedade, ainda não. Por isso, no dia 5 de março, a Terra de Direitos, a FIAN Brasil, a Campanha Permanente e a ABA protocolaram no STF pedido para ingressar como Amicus Curiae no processo que questiona a constitucionalidade do benefício. A condição de Amicus permite que as organizações possam contribuir com a discussão e fornecer mais elementos para os ministros do STF avaliarem a questão.
De acordo com a advogada popular da Terra de Direitos e do Coletivo Jurídico da Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos, Naiara Bittencourt, a redução na base de cálculo do ICMS de até 60%, além de outras políticas agrícolas que induzem o consumo de agrotóxicos no país sustentam "a configuração do modelo agrícola concentrado, dependente e envenenado.”
O agricultor e estudante de Direito Thales Mendonça acrescenta que esses benefícios fiscais foram concedidos sem justificativa concreta e sem debate com a sociedade. O argumento é a sua importância para a economia. "Esses insumos são produzidos em sua maioria por empresas transnacionais, concentradas, e utilizados em larga escala na produção brasileira.Tanto é que somos o país que mais consome agrotóxicos no mundo”, diz.
Justificativa equivocada – Segundo Naiara e Thales, entre os argumentos técnicos para manter esses benefícios fiscais estão os princípios da essencialidade e seletividade tributárias. São eles que determinam que, quanto maior a importância social do bem, haverá maiores benefícios e incentivos fiscais do Estado. Ou seja, se é essencial para a coletividade, deve ter isenções ou reduções tributárias.
Tal princípio, importante para reduzir as desigualdades sociais e facilitar o consumo de bens básicos para a reprodução da vida da população, acaba desvirtuado e aplicado equivocadamente. Afinal, os agrotóxicos não são bens essenciais, como são os medicamentos, por exemplo.
Para eles, trata-se, na verdade, de uma transferência de recursos públicos aos setores privados, de forma obscura e implícita. “Tais prejuízos são socializados entre toda a população. E além de receberem incentivos fiscais para a venda de agrotóxicos, as indústrias raramente despendem recursos para reparar danos causados à saúde e ao meio ambiente”, destaca Naiara.
“Abrir mão de receita pública em um momento de congelamento de investimento em áreas sociais, por 20 anos, por meio da Emenda Constitucional 95/2016, sob o pretexto de enfrentamento de déficits, é uma afronta”, afirma Thales.
Práticas sustentáveis – Em vez dos benefícios concedidos aos agrotóxicos, as entidades que eles representam – e que ingressaram com o Amicus – defendem incentivos fiscais aos alimentos em sua comercialização final ou produtos e maquinários que facilitam práticas agrícolas ambientalmente sustentáveis.
De todo alimento que chega à mesa dos brasileiros, 70% vem da agricultura familiar, em muitos casos de bases tradicionais e ecológicas. Apesar dos latifúndios, a agricultura convencional em larga escala não alimenta a população e muito menos paga impostos proporcionalmente ao tamanho do setor dentro da economia nacional.
Agro é pop – Dados da Receita Federal mostram que o setor agropecuário, que não abre mão dos agrotóxicos, também é bem tratado do ponto de vista tributário. Em 2015, o país arrecadou um total R$ 826 bilhões em impostos, vindos de todos os setores da economia. O setor agricultura, pecuária e relacionados contribuiu com apenas R$ 1,92 bilhão, o que corresponde a 0,23% do bolo. O valor é irrisório quando o agronegócio, festejado em cadeia nacional e em horário nobre da TV, responde por 25% da riqueza produzida no país.