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Paixão pela luta sindical é o que constrói a história

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São Paulo - Ainda na década de 1950, um jovem vistoso e animado prepara-se para frequentar os charmosos bailes do sétimo andar do edifício Martinelli, na sede do Sindicato. A entrada era permitida somente aos bancários sindicalizados e ele era estafeta, assim eram chamados os office boys à época. Entrar para a categoria, no caso para curtir a domingueira dançante, se tornaria um dos maiores feitos da sua vida.

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O jovem era Nelson Silva, que se tornaria um dos grandes dirigentes da história do Sindicato. Ele conseguiu o trabalho no banco Irmãos Guimarães, voltou ao baile outro dia, e daí em diante, a vida foi uma mistura de paixão pela luta sindical e amor pela boemia. “Fui fazer a entrevista. Gostaram de mim e falei: ‘e aí, começamos amanhã?’. Me perguntaram se eu tinha terno, gravata. E eu não tinha. Ele disse, ‘ah, pede pra algum amigo!’. Sei que vesti o ternão e me apresentei na agência. A molecada já fez um samba quando eu entrei: ‘engole ele, engole ele paletó, engole ele paletó!’. E eu pensei... ‘faltam 15 dias para o pagamento e eu vou ter de aguentar isso aqui’. Primeiro salário, fui no brechó e comprei o terno mais bonito.”

Durante um bom tempo, foi em um brechó próximo à Praça do Correio, ao lado do Vale do Anhangabaú, que Nelson Silva comprou seus ternos. Daí em diante, durante toda sua carreira sindical, reforça que sempre se vestiu como bancário para falar com funcionários da categoria e banqueiros. Os sapatos eram comprados na loja Globo, que também ficava na região central.

A elegância foi parar nas telas de cinema. Amante da sétima arte, participou do filme Da Terra Nasce o Ódio, em 1954, mas lembra que o papel era secundário. “Era um papel sem vergonha aí, não falava nada.” O filme pode ser visto na íntegra no YouTube. “Hoje em dia, cada esquina tem um boteco. Naquela época, cada esquina tinha um cinema”, comenta.

Aos 73 anos, Nelson não apenas lembra inúmeras histórias de luta ou de festa, mas detalha e parece reviver cada momento. “O Sindicato não parecia em nada com o que é hoje. Tinha um presidente, um tesoureiro e mais um funcionário. Eram três pessoas que comandavam tudo e ficava no sétimo andar do Martinelli”, retrata, referindo-se aos anos 1970, uma das quase cinco décadas em que esteve ao lado da luta dos trabalhadores.

Entre as recordações mais engraçadas estão as aventuras de Dick Silva, seu cachorro. Ainda no banco Irmãos Guimarães, Nelson não sabia o que fazer com o bicho de estimação que lhe foi dado de presente de casamento. Sua mulher passou-lhe a responsabilidade e ele não viu outra saída senão levar Dick ao trabalho. “Peguei o trem da Cantareira, que ficava próximo ao Mercado Municipal, com ele no colo. Cheguei no banco, me perguntaram: O que é isso? Eu falei, ‘mas será que vocês nunca viram um cachorro?’. ‘Mas dentro do banco, não!’. E eu disse: ‘Não! No meu cachorro ninguém mexe!’. Ele corria pra cima e pra baixo dentro da agência. Eu era chefe de conta corrente, e o cara perguntava o saldo, eu ia e o cachorro ia atrás de mim.”

Segundo Nelson, Dick Silva foi preso com ele várias vezes na época da ditadura militar. Com bom humor, ele considerava que o cachorro também era membro do PC (Partido Comunista). Diante das detenções, mal consegue explicar como se safou inúmeras vezes das torturas praticadas à época, principalmente contra jovens considerados rebeldes, militantes políticos. “Conheci muita gente que foi torturada. Em uma situação, um amigo me disse que o Brilhante Ustra queria me ver. Fiquei esperando no DOI-Codi o dia inteiro, ouvindo os gritos de tortura de quem estava lá. No fim do dia o tenente chegou. Para meu alívio, estava atrás era de outro Nelson.”

Mesmo no período da repressão, Nelson não deixou de estar ao lado do Sindicato. De dirigente a funcionário da entidade, deu vida a dezenas de personagens para levar às ruas de São Paulo e de Osasco as reivindicações dos trabalhadores, as denúncias por uma sociedade melhor. Juiz, advogado, apresentador de TV, padre e até defunto, foi de tudo um pouco para fazer valer os direitos dos trabalhadores. “Achava que precisava ter uma participação bem maior, o que incluía até deixar a família de lado pela causa sindical.” Só deixou a entidade no término da gestão do presidente João Vaccari, em 2004.

Quem não conheceu Nelson Silva em seus tempos de luta pela categoria bancária, talvez tenha tido o prazer de encontrá-lo em uma de suas visitas frequentes ao Sindicato nos dias atuais. Além da fantástica memória, guarda incríveis lembranças numa pasta com cópias de notícias em jornais e fotos de sua trajetória que ele faz questão de organizar começando por uma fotografia em que aparece abraçado com o ex-presidente Lula e outra ao lado do “cavaleiro da esperança”, Luís Carlos Prestes (ao lado).

Nelson Silva é um símbolo dos muitos personagens fundamentais da história do Sindicato, em defesa dos trabalhadores, dos avanços da cidadania e pelo fortalecimento da democracia.


Gisele Coutinho e Jair Silva - 1º/4/2013

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