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Reduzir maioridade é retroceder ao século XV

Linha fina
Afirmação de juiz foi feita em audiência pública em São Paulo; crimes cometidos por menores de 18 anos somam 0,5% do total, mas 30 mil jovens são assassinados todos os anos
Imagem Destaque

São Paulo - Querem fazer da redução da maioridade penal,
propaganda de eleição e matéria do jornal,
O lado ruim do jovem todos têm olhos para ver,
mas ninguém sabe o que ele sofre para esses crimes cometer.

Criados pela rua foi sua única opção,
talvez nem conheçam um exemplo de educação,
Colocar adultos e adolescentes juntos não vai funcionar,
porque nem separados isso veio a adiantar.
Quero somente meus direitos,
e que parem para pensar,
tenha um pouco de respeito
e se ponha no nosso lugar.

Os versos são da estudante Letícia Soares, de 14 anos, e emocionaram um plenário lotado por integrantes de movimentos sociais, conselheiros tutelares, estudantes e cidadãos que participaram de audiência pública sobre a redução da maioridade penal. Os debates ocorreram na terça-feira 28, na Câmara Municipal de São Paulo. A inciativa partiu da vereadora Juliana Cardoso (PT) e as discussões e proposições serão enviadas à comissão especial que está analisando a questão no Congresso Nacional.

Juan Plassaras, do Movimento contra a Redução da Maioridade Penal, apresentou dados que revelam que os jovens são muito mais vítimas do que algozes da sociedade. Os crimes cometidos por menores de 18 anos somam 0,5% do total, segundo o Ministério da Justiça. Entretanto, cerca de 30 mil jovens são assassinados todos os anos, sete por dia, de acordo com informações levantadas pela CPI que investiga violência contra jovens negros e pobres.

Para evidenciar a falência do sistema de ressocialização juvenil, o adolescente Gabriel Bellucci, de 17 anos, revelou que já esteve internado na Fundação Casa e citou o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que determina que é dever da sociedade e do poder público assegurar direitos como educação, profissionalização, cultura, dignidade, respeito, liberdade, convivência familiar e comunitária.

“Dentro da Fundação Casa tem isso? Dentro dos centros de detenção provisória tem isso? Não tem. É pancada, é porrada, é a lei do mais forte. Eu só fui conhecer o ECA, só fui saber dos meus direitos depois que fui preso. Na escola não ensinam nada disso. Falam que o ensino é básico, mas ele é mínimo. Os professores são mal preparados e não é culpa deles. É superlotação em uma sala pequena que começa o ano com 40 alunos e termina com 20.  Por que não tem incentivo para a gente continuar os estudos? Eu sou contra a maioridade penal e nada melhor do que um jovem para falar sobre os jovens”, afirmou, arrancando aplausos efusivos.

Interesses financeiros – O padre Valdir João Silveira, da Pastoral Carcerária Nacional, destacou a questão dos interesses econômicos envolvidos na proposta de redução da maioridade penal. Ele mencionou as doações de campanha da empresa Umanizzare – que administra presídios públicos –, para campanhas de deputados federais nas últimas eleições.

“Existe um interesse escancarado, financeiro e criminoso. O deputado Federal Silas Câmara (PSD), do Amazonas, recebeu 200 mil da Umanizzare, que administra seis presídios no estado. A Umanizzare escolheu outras duas candidatas para financiar: Antônia Lúcia Câmara (PSC-AC), que recebeu R$ 400 mil, e Gabriela Câmara, que recebeu R$ 150 mil: todos da mesma família e todos a favor da redução da maioridade penal.” Ambas, entretanto, não se elegeram.

Autoritarismo do Estado – O magistrado Luís Fernando Vidal, da Associação dos Juízes para a Democracia, abordou o debate sobre se é pétrea  –  e que portanto não pode ser alterada – a cláusula da Constituição Federal que determina que o jovem abaixo dos 18 anos é penalmente inimputável. A Comissão de Constituição e Justiça, formada por parlamentares, recentemente determinou que o tema não é inconstitucional.

“Se trata de uma relação de poder, se trata, portanto, de se perguntar o que se quer com isso. Se quer resolver os problemas de segurança pública ou se quer atribuir ao Estado mais poder, mais autoridade sobre a sociedade, sobre as famílias e sobre as pessoas? E a questão que está intrincada aí não é consertar a insegurança pública, mas diminuir a esfera de liberdade das pessoas e diminuir a esfera de autonomia do cidadão, da sociedade e da família.”

Ele também destacou o despreparo do poder público em se adequar caso a redução da maioridade penal vire lei. “Eu desafio alguém a dizer qual governo, qual Estado, de qualquer esfera de poder apresentou até agora projeto mostrando que dá conta se diminuir a maioridade penal. A gente sabe que não, a gente sabe que isso é absolutamente inexistente, que essa proposta não se sustenta naquilo que deve corresponder à promoção de direitos das crianças e dos adolescentes.”

E fez um alerta: “Neste momento que a gente vive no país, se não for a mobilização da sociedade, nós estamos correndo um risco muito grande de retroceder para o século XV, lidando com os nosso problemas como se não tivéssemos os recursos intelectuais para refletir a realidade e entender efetivamente o que está acontecendo”, concluiu o magistrado. 


Rodolfo Wrolli – 28/4/2015
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