São Paulo – O recuo do governo de Michel Temer em alguns pontos da reforma da Previdência demonstra que o presidente da República já sofre os efeitos das manifestações populares e dos cálculos que deputados e senadores já fazem para as eleições de 2018. Os ataques do líder do PMDB no Senado, Renan Calheiros (AL), às reformas governistas e ao próprio Temer indicam que o ocupante do Palácio do Planalto corre grande risco de ser abandonado no meio do caminho, pelo menos na reforma que seria a grande “bandeira” de seu governo.
> Para a CUT, recuo de Temer é insuficiente
“Esses recuos se dão em função de pressão popular e da completa impossibilidade de esse texto (da Proposta de Emenda à Constituição-PEC 287) ser absorvido. Não existe negociação com essa reforma”, diz a líder do PCdoB na Câmara, Alice Portugal (BA).
Na opinião deputado Enio Verri (PT-PR), ao contrário do que diz Temer, o anúncio das mudanças é a primeira grande vitória dos movimentos sociais e dos partidos de oposição no Congresso Nacional. O presidente afirmou que a alteração no texto não pode ser considerada um recuo, mas "uma questão de obediência ao que o Congresso Nacional sugere".
Para Verri, com as manifestações de 8, 15 e 31 de março, somadas às últimas votações na Câmara, o quadro vai ficando mas claro. “A cada iniciativa que toma, Temer perde mais base social e ao mesmo tempo perde base de apoio na Câmara.” No dia 29 de março, o governo foi derrotado na votação da PEC 395, que instituía a cobrança de mensalidades em universidades públicas. O texto precisava de 308 votos para ser aprovado, mas obteve 304. Nesta quinta 6, estava prevista votação do projeto da renegociação da dívida dos estados, mas, sem acordo e com quórum baixo, a votação foi adiada.
O líder do PT, Carlos Zarattini (SP), diz que Temer “mexeu em aspectos secundários” da PEC 287, e que o recuo, antes mesmo da “primeira batalha”, na comissão especial da Reforma da Previdência, foi a primeira vitória do movimento social e dos partidos de oposição. “Ainda que a gente não saiba exatamente o que vão propor.” O petista lembra que os “pilares” da PEC 287 (os 65 anos de idade, o mínimo de 25 anos de contribuição e os 49 anos de contribuição para receber benefício integral) estão intocados.
“As mobilizações provocaram uma série de distúrbios internos na base desse governo sem representatividade, sem voto e sem compromisso com os direitos sociais. Nesse sentido, a base iniciou um processo de rebeldia. A gota d’água é a pesquisa que mostra 241 deputados contra a reforma da Previdência como ela está”, lembra Alice Portugal . “Com a continuidade da pressão, quem sabe a gente derrote de vez o mais cruel documento que já apreciamos no Congresso Nacional em relação a direitos previdenciários dos trabalhadores brasileiros”, diz.
Segundo levantamento publicado pelo jornal O Estado de S. Paulo de quarta-feira (5), a PEC 287 seria hoje rejeitada por 241 deputados, mesmo amenizada.
O governo anunciou que mudará cinco pontos da PEC: a aposentadoria de trabalhadores rurais, os benefícios de prestação continuada (BPC), as pensões, a aposentadoria de professores e policiais e as regras de transição para o novo regime previdenciário. Mas não detalhou as mudanças.
“Não é suficiente”, diz o deputado Júlio Delgado (PSB-MG). Ele também cita a questão da idade no texto da reforma como um ponto fundamental que não foi mudado. Embora o governo esteja prometendo mexer nas regras de transição, “no tempo de contribuição ainda não se falou”. “Com isso tudo, fica a desconfiança por parte do cidadão. Não vejo muito alento para se imaginar que essas alterações anunciadas são suficientes. A dificuldade continua”, acrescenta Delgado.
Para Enio Verri, ao anunciar os pontos de mudança, o governo usa a estratégia de atender a setores mais organizados da sociedade, como professores e policiais, setor organizado da agricultura, em especial a Contag (Confederação Nacional dos Trabalhadores Rurais Agricultores e Agricultoras Familiares). A ideia do governo, avalia, é usar esses setores que têm grande capacidade de pressão e mobilização para desmobilizá-los e diminuir a pressão social.
Mas, segundo Verri, a tentativa de Temer fracassará. Na terça feira 4, em uma reunião com representantes da CUT, CTB, Contag, Intersindical e Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra) já se sabia que Temer retiraria alguns pontos ou tentaria negociar separadamente para desmobilizar. “Fechamos que não importa o que ele ofereça a um setor ou outro, mantemos de pé a greve geral dia 28 de abril e a posição de votar radicalmente contra a reforma de Previdência e trabalhista.”
Renan Calheiros - Para os deputados ouvidos pela RBA, o afastamento de Renan Calheiros do governo é uma decisão calculada e típica da “velha raposa” de Alagoas. “Renan não é burro. Tem uma visão estratégica de longo prazo e uma capacidade de sobrevivência política gigantesca. Está fazendo o que sempre fez: lentamente vai se afastando daquele que está em baixa e aproximando-se do que está crescendo, que é Lula”, diz Enio Verri.
Para Zarattini, Renan “está refletindo” a opinião da população, principalmente a do Nordeste, onde o crescimento de Lula é muito grande. “Ele está acompanhando e seguindo o eleitorado dele, que está completamente contrário ao governo Temer e a favor da volta do Lula.”
Na opinião de Júlio Delgado, o rompimento é um gesto claro de quem tem mais capacidade política. “Lógico que Renan está olhando a eleição de Alagoas, que é um reduto petista, e onde o PT se fortaleceu muito com os equívocos do governo Temer. Acho que o afastamento não tem volta.”
Alice lembra que Renan é pai do governador de Alagoas, Renan Filho, que o senador pretende levar de volta ao Palácio do Governo em Maceió. Com a pressão popular, Renan não demonstra hesitação. “Ele se inclina de maneira bastante rápida em direção ao ex-presidente Lula.”
Reaja - A presidenta do Sindicato, Juvandia Moreira, lembra que é preciso manter a pressão sobre os parlamentares para que eles votem contra as reformas da Previdência e trabalhista. Ela convoca os bancários e demais categorias a enviar e-mails aos deputados dizendo que se votarem a favor não serão reeleitos.